Mulher não é efeito
colateral
Cristina França*
Três notícias nestes dias me fizeram
pensar neste texto. E, especialmente a última - a volta dos talibãs ao poder no
Afeganistão, me fez definir este título. Começo por ela. Ouvi algumas
avaliações sobre o que significa o retorno deste grupo com bases fincadas na
sociedade afegã. Estas análises repetiram que sim, há um perigo no ar com
relação às mulheres, mas, há que se festejar a derrota do imperialismo
americano numa região estratégica para a imaginação do mundo sobre o que seja
liberdade e democracia.
É bem verdade que temos uma pulga atrás
da orelha, ou deveríamos ter, quando se toma uma parte pelo todo. Demonizar é
uma saída e as imagens correm o mundo. Lembro de um filme sobre o nascimento do
Islamismo com Irene Papas e Anthony Quinn. Numa cena um cristão perguntava se
para o Islã a mulher estava abaixo do homem. O muçulmano personagem de Quinn
respondeu que se assim fosse, seria a mulher a base sobre a qual se constrói o
mundo. Bem, certamente da qual nasce o mundo, o que dá basicamente no mesmo.
Mulher não é efeito colateral nesta
batalha geopolítica e econômica. Irão a China e a União Soviética em nome de
interesses próprios ‘civilizar’ os talibãs que, aliás, parecem estar menos
radicais? Mas, lembremos que durante a ocupação americana a vida das mulheres
afegãs não era um mar de rosa. Então? Então, tendo derrotado os EUA, podemos
permitir aos talibãs algum poder nada civilizado sobre corpos femininos. Este
foi o recado das análises, especialmente as masculinas, suavizadas com uma
chamada generalista à atenção para este tema ‘menor’. A mosca atrás da orelha
já virou um enxame de abelhas apátridas.
As outras duas notícias são
sul-americanas, onde o Islamismo não é religião dominante e mulheres são sempre
mulheres. No Brasil, planos de saúde exigindo consentimento de maridos para o
uso do DIU. De imediato pensei que até seria uma troca interessante exigirmos,
em contrapartida, campanhas maciças sobre a vasectomia (e exigindo o consenso
da esposa na reversão). Não sei até quando o homem continuará lépido e fagueiro
nesta fantasia sobre dominação da reprodução da vida.
À Argentina agradecemos a terceira, e
boa, notícia: o trabalho de cuidar da vida indefesa contando para fins de
direito à aposentadoria. O gratuito trabalho necessário para a reprodução da
força de trabalho recebe sua recompensa devida. Mães trabalham por amor. E amor
não tem preço. Assino embaixo destas duas frases. Porém, o efeito colateral
deste trabalho e deste amor é pura mais valia. E nesta caminhada materna
salvaremos o mundo entre pragmáticas e maléficas leituras dos acontecimentos
nos quatro pontos cardeais.
*Cristina França é jornalista
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