Bolsonaro seguiu cartilha de Bannon e conseguiu
o que queria no 7 de setembro
Presidente
conseguiu fazer os comícios mais assistidos da história das campanhas
eleitorais brasileiras travestidos de atos cívicos
Malu Gaspar, O Globo
Em
fevereiro de 2018, numa entrevista ao jornalista americano Michael Lewis, o
guru da extrema-direita Steve Bannon explicitou, com surpreendente sinceridade,
sua estratégia para multiplicar a mensagem do trumpismo: “Os democratas não
importam”, disse Bannon. “A oposição real é a mídia. E a forma de lidar com
eles é inundá-los com nossas merdas”.
A finalidade dessa tática, segundo outra frase de Bannon que ficou
famosa, nunca é esclarecer ou impor a verdade: “Não se trata de persuadir, e
sim de desorientar”.
O que se viu neste 7 de Setembro foi a execução perfeita do método
Bannon por Jair Bolsonaro, num momento crítico da campanha eleitoral. Desde que
começou a planejar a comemoração oficial dos 200 anos da Independência e os
atos no Rio e em Brasília, o presidente sabia que precisaria deles para
demonstrar força.
Também sabia que teria de dominar a atenção do país durante todo o dia
para que seus atos não fossem vistos como um fracasso na comparação com os do
ano passado, quando ele colocou o Brasil em suspenso com a ameaça golpista mais
descarada que já se viu após a redemocratização.
O que seria dito ou feito neste 7 de Setembro dependeria, obviamente, do
cenário político e eleitoral. E eis que a conjuntura combinou uma estável e
folgada liderança de Lula nas pesquisas com altas taxas de rejeição a ele,
Bolsonaro, além do surgimento de novas informações sobre a compra de imóveis em
dinheiro vivo por integrantes da família presidencial.
Alexandre de Moraes, que no ano passado foi chamado de canalha de cima
de um palanque, neste ano autorizou busca e apreensão sobre empresários
bolsonaristas, visando a encontrar indícios de financiamento de atos
antidemocráticos.
No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o mesmo Moraes chamou para
conversar o ministro da Defesa, sugerindo que poderia ceder em alguma das
reivindicações dos militares sobre as urnas eletrônicas.
Nesse contexto, Bolsonaro não tinha nem cartas para bancar um blefe de
golpe, como fez em 2021. Mais do que um presidente autoritário, ele é, no
momento, um candidato em dificuldades numa campanha eleitoral disputada.
Para poder voltar ao golpismo que está em sua essência, precisa,
primeiro, garantir a presença no segundo turno. Foi o próprio presidente quem
disse, nos discursos de ontem: “Esperem uma reeleição para vocês verem se todos
não vão jogar dentro das quatro linhas da Constituição”.
Por enquanto, o que ele podia fazer era convocar as Forças Armadas para
dar efeito simbólico a seus atos políticos e deixar no ar o medo de tumultos e
de um golpe de última hora. O golpismo nas faixas dos manifestantes e nas
imagens de generais engalanados sobre o palanque era, afinal, um espantalho
destinado a atrair atenção.
Garantido
o barulho, Bolsonaro partiu para seu real objetivo — galvanizar a própria base,
antecipando para já a disputa de rejeições que costuma caracterizar os segundos
turnos. Jogando pesado para reavivar a memória dos escândalos de corrupção da
era petista, chamou Lula de ladrão e de “quadrilheiro de nove dedos”. Disse que
o voto nesta eleição não deveria servir apenas para impedi-lo de “voltar à cena
do crime”.
Esse
tipo de gente tem que ser “extirpado da vida pública”, afirmou, dando
instruções a seus seguidores: “Eu peço a vocês que não tentem convencer um
esquerdista. Façam o contrário. Falem para [ele] convencer você a ser
esquerdista. E depois que ele tentar te convencer, fale para ele onde ele está
errado, porque eu sou presidente da República de 215 milhões de brasileiros”.
No final do dia, ministros, aliados e mesmo lideranças políticas que
andavam meio afastadas de Bolsonaro para não ser contaminados com sua rejeição
manifestavam incontida satisfação com o resultado deste 7 de Setembro.
A um deles, ponderei que a fala do presidente ao lado de Michelle,
puxando um coro de “imbrochável”, tinha sido ridícula. E esse mesmo aliado, que
já me relatou como Bolsonaro faz sucesso entre os minions quando bate no
Supremo ou ataca jornalistas, apenas respondeu: “Vocês não entendem mesmo a
extrema direita”.
Então me lembrei de Bannon e capitulei. Brandindo seu golpismo sem
dentes, Bolsonaro conseguiu fazer os comícios mais assistidos da história das
campanhas eleitorais brasileiras — travestidos de atos cívicos e transmitidos
ao longo de um dia inteiro por todos os canais a cabo, no YouTube e nas redes
sociais.
Ele pouco se importa se cometeu crime eleitoral, porque sabe que não
sofrerá consequências significativas. O que importa mesmo é que “inundou o
ambiente”. Agora, espera que a desorientação garanta o resto.
[Ilustração: Aroeira]
Leia também - José Carlos Ruy: 7 de Setembro, as lutas pela
independência https://bit.ly/3Bmjvfe
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