É
inaceitável usurpar festa com interesse eleitoreiro e exaltação personalista
Folha de S. Paulo (autores ao final do texto)
Por
ocasião dos festejos que marcam o bicentenário da Independência do Brasil, motivos não
faltam para refletir sobre uma data histórica que diz respeito a todas as
brasileiras e a todos os brasileiros. Trata-se de mirar o espelho onde se vê
refletida a nação, com suas desigualdades e contradições, mas também com suas
conquistas. Enfim, ver refletida a nação que somos.
Atravessando
tempos tão difíceis, seria importante que todos pudessem comemorar o momento
cívico em clima de paz, respeito e solidariedade, nos múltiplos espaços da
convivência humana. No entanto, ao que nos parece, o que se reforça há semanas
é a convocação para um ato
público grandiloquente e dispendioso, planejado em detalhes para
funcionar como uma demonstração de força a menos de um mês das eleições exatamente por quem vem ameaçando não
reconhecer seus resultados.
Em
síntese, tudo indica ser uma mobilização de recursos de toda ordem para
capturar e transformar o momento cívico dos brasileiros em comício de campanha.
Seguramente, não é o 7 de Setembro que
o povo merece —e esta é a mensagem que as entidades autoras do "Pacto Pela Vida
e Pelo Brasil", celebrado no primeiro ano da pandemia e
endossado por todo o país, querem deixar registrada nesta página.
Usurpar
a comemoração oficial do bicentenário da Independência com interesse eleitoreiro e
como parte de uma exaltação personalista não é algo que se
possa aceitar. Ainda mais em um país que grita de fome. Onde o desemprego segue
altíssimo em quase todos os setores, jogando milhões no olho da rua ou, quando
muito, na informalidade. Onde milhões de crianças amargam o retrocesso de
aprendizado e a evasão escolar, sem políticas públicas determinadas a resolver
esta situação. Onde o preconceito e o racismo continuam a punir a população negra e
pobre, os povos indígenas e os diferentes. Onde as estatísticas de feminicídio
teimam em subir. E, não podemos nos esquecer, onde a mortalidade oficial da Covid-19 se aproxima de
690 mil vidas perdidas, deixando um rastro de desalento em todo o país.
Diante
de quadro tão grave, entendemos que é chegado o tempo de brasileiras e
brasileiros chamarem para si a data do bicentenário, tomando nas mãos algo que
a história lhes confere e, ao mesmo tempo, cobra, qual seja, a defesa da
democracia. Se há o que exaltar, neste momento, é o compromisso de toda a
cidadania com algo precioso para o povo brasileiro: o sistema político que, não
sendo perfeito, é o único no qual todos podem e devem ter voz, na construção de
um projeto comum. Sem democracia, apagam-se as luzes, quebra-se o espelho,
perde-se a nação.
Propomos
que o bicentenário da Independência sirva como uma convocação geral da
sociedade em defesa de datas cívicas que se avizinham. Que em 2 de outubro, 156
milhões de eleitores possam escolher os seus representantes com liberdade,
tranquilidade e confiança nas
urnas eletrônicas, amplamente testadas e reconhecidas.
Que em 30 de outubro, havendo votação de segundo turno para cargos
majoritários de presidente e governadores, o mesmo pacto por eleições livres,
limpas e pacíficas se mantenha. E, uma vez encerrada a contagem dos votos, que
o resultado das urnas, seja ele qual for, seja imediatamente reconhecido como a
mais fidedigna expressão da vontade popular. Estes são compromissos
inarredáveis de uma nação que se quer independente.
Por fim, cabe reafirmar algo muito importante: soberania nacional não
existe sem soberania popular. As entidades aqui representadas conclamam que o
bicentenário da Independência seja entendido não apenas como a celebração de
algo transcorrido 200 anos atrás, mas como uma tarefa, uma missão, um projeto
de futuro que finalmente garanta ao povo brasileiro ser o protagonista de seu
destino.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
José Carlos Dias
Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns -
Comissão Arns
Helena Nader
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Octávio Costa
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Renato Janine Ribeiro
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
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