Como recuperar a utopia
Marcelo Barros*
No Brasil, este início de fevereiro
marca a inauguração dos trabalhos do novo Congresso. Em muitas escolas e
universidades, se dá o início do novo ano letivo. Para quem, em janeiro, saiu
de férias, agora reinicia suas atividades comuns. Em diversas regiões, depois
de dois anos, no qual o Carnaval foi prejudicado pela pandemia, agora as
cidades preparam os desfiles e brincadeiras com mais liberdade.
Para o Brasil, este ano novo começou
pela posse do novo governo e pela esperança que ele suscita para grande parte
do povo brasileiro. No entanto, oito dias depois, a invasão e depredação dos
edifícios públicos dos três poderes em Brasília mostrou a ferocidade e a não
racionalidade de outra parte da sociedade. Esta, insatisfeita com o resultado
das eleições e orientada pelos seus mentores a agirem como agiram, revela um
Brasil quase dividido pela metade. As autoridades do governo têm reagido como
podem agir diante da violência e da destruição provocada. Mas, as
investigações, prisões e o conserto do patrimônio público destruído não serão
capazes de restituir ao povo brasileiro a capacidade de diálogo e
reconciliação. Precisamos aprender de novo a lidar com as diferenças que
existem entre nós. Só assim poderemos avançar juntos para a reconstrução não
apenas dos imóveis e obras de arte destruídas, mas da unidade do nosso povo e
dos objetivos maiores pelos quais nos constituímos como um só país.
Em nome do progresso, os mesmos que
estão por trás da invasão e depredação em Brasília são responsáveis pela
destruição ambiental dos nossos biomas, pelo sucateamento da educação e da
saúde, assim como por chamar qualquer tentativa de justiça social e restituição
do direito dos pobres de Comunismo.
Nestes dias, a visita do presidente
Lula e de vários ministros de Estado a Roraima obrigou a imprensa e a toda
sociedade brasileira tomar consciência do genocídio que, há anos, o povo
Yanomami está submetido. No entanto, sabemos que a situação de fome, doenças e
riscos de vida que essa população indígena enfrenta não é muito diferente da
realidade de outros povos originários nas diversas regiões do país. Junta-se
aos 33 milhões de brasileiros/as ameaçados pela fome e pela insegurança
alimentar.
Nestes últimos dias de janeiro, a OXFAM
publicou o relatório sobre a situação da pobreza no mundo. “Segundo o Banco
Mundial, estamos testemunhando o maior aumento da desigualdade e pobreza
global, desde a Segunda Guerra Mundial. Desde 2020, o 1% da população mais rica
já possui 63% da riqueza global. Estas são as conclusões de um novo relatório
Oxfam, publicado por ocasião do Fórum Econômico Mundial, que se realizou em
janeiro de 2023, em Davos, na Suíça”
(https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-01/relatorio-oxfam-desigualdes-davos-pobreza-riqueza.html)
Os povos Algonquinos do Nordeste dos
Estados Unidos chamam o Capitalismo de “Wetico”, que significa “come carne
humana”. Acusam assim a sociedade capitalista não do canibalismo no sentido
literal e sim do se alimentar da energia de vida de todas as pessoas que podem
explorar. De fato, o papa Francisco tem repetido diversas vezes: “este sistema
mata!”.
Alguém já afirmou que o mundo atual se
tornou perigoso demais para tudo que não seja utopia. Não se trata da fantasia
irresponsável que nos afasta da realidade e sim da esperança de um futuro novo
possível que nos mobiliza e nos une na luta pacífica pela Justiça, Paz e
cuidado com a Mãe-Terra. Quanto mais os tempos se tornam difíceis, mais
necessária a teimosia da esperança.
Das mais diferentes religiões e
diversos caminhos espirituais, vêm o apelo para unirmos a energia espiritual ao
compromisso social e político de transformar este mundo e enchê-lo de
amorosidade solidária e compassiva. Que, a cada dia, esta seja a prioridade das
nossas vidas.
[ILustração: Mmakgabo Mmapula Mmangankato Helen Sebidi]
*Monge beneditino, teólogo e escritor
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