FESTEJAR É VIVER
A festa pode ser o espaço-tempo da tradição, diversão,
comunicação, fruição, mas também da criação
Débora Nascimento/Revista Continente
“And what costume shall the
poor girl wear
To
all tomorrow’s parties"
(Lou
Reed)
“O que espanta a miséria é festa”
(Beto sem Braço)
Em fevereiro de 2020, os
brasileiros brincaram mais um Carnaval como
tradicionalmente fazem: como se não houvesse amanhã e dando folga a todas as
suas preocupações e a seus problemas – um desses, àquela altura, não nos era
conhecido, mas se apresentaria logo em seguida. Poucos dias depois, a mesma
população que havia festejado corpo a corpo a folia de Momo, foi alertada, pelas
autoridades, que agora precisava fazer exatamente o oposto daqueles dias
efusivos, deveria isolar-se o máximo possível, inclusive de amigos e
familiares. Chegava, portanto, a nós a pandemia do novo coronavírus. E, aos
poucos, descobrimos que esse afastamento atingiria em cheio não somente nosso
cotidiano, mas também algo intrínseco à identidade brasileira, a sua alma
festiva.
Com os meses passando a
conta-gotas, a população sem vacina e a pandemia se tornando mais perigosa,
foram encontradas, na área da cultura, soluções como a realização de shows,
encontros e festas de forma online, as
famigeradas lives, em que a
única interação possível era através das telas do computador ou do celular.
Depois da supressão de eventos esportivos e artísticos no mundo inteiro, não
demorou muito a chegarem as notícias mais impensáveis para a cultura nacional:
o cancelamento das festas juninas e da maior festa popular do país. Desde que o
Carnaval começou a ser realizado no Brasil, entre os séculos XVI e XVII, nunca
havia deixado de ocorrer no período que antecede a Quaresma, seja em fevereiro
ou março.
As duas tentativas oficiais
anteriores de, pelo menos, adiar a festa fracassaram: em 1892 e 1912. Na
primeira, a justificativa era também sanitária. Por conta de diversas doenças
que assolavam o país, como a febre-amarela, o evento foi transferido para
junho, para evitar aglomerações e contaminações sob o propício calor do verão.
Mas a população acabou festejando em dose dupla. Na segunda investida
governamental, o motivo era a morte do Barão do Rio Branco, ministro do
Exterior e figura relevante na política brasileira. Houve a transferência para
abril. A população, no entanto, carnavalizou duas
vezes. Irreverente, o folião criou até uma marchinha que comemorava a brecha de
oportunidade: “O barão morreu/ Teremos dois carnavá/ Ai que bom, ai que
gostoso/ Se morresse o marechá”, em referência ao marechal Hermes da Fonseca.
E nem nas duas guerras
mundiais, mesmo sob pressão do governo, o brasileiro abdicou de brincar o seu
carnaval. Já a festa de 1919, após a Primeira Guerra e o final da pandemia da
gripe espanhola que matou 35 mil pessoas no Brasil, foi considerada como a
maior comemoração de rua já vista na primeira metade do século XX no país. Em
crônica de 1967, Nelson Rodrigues descreveu esse evento que marcou sua infância
e demarcou uma transformação cultural: “O Rio machadiano estava entre os
finados. Uma outra cidade ia nascer. Logo depois explodiu o Carnaval. A
pandemia passou e, no Brasil, o Carnaval de 1919 representou um desafogo e a
euforia geral tomou conta da população. E foi um desabamento de usos, costumes,
valores, pudores”.
No final da década de
1920, o Conselho Municipal do Rio de Janeiro sugeriu a extinção da festa. A
resposta do caricaturista J.Carlos na revista O Malho foi o
termômetro da reação popular: “Acabar com o Carnaval? Cuidado, conselheiros.
Por muito menos fizeram a Revolução Francesa”.
O
mosaico da vida que segue https://bit.ly/3Ye45TD
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