As estrelas que nós amamos
Rubem
Braga
Houve um tempo em que todo rapaz normal era apaixonado por uma estrela de cinema e toda moça era vidrada num ator. Em geral a pessoa tinha duas ou três paixões, além de vários amores mais ou menos veementes.
Um sujeito achava sublime Greta Garbo, mas estava seduzido por Marlene
Dietrich, embora enganasse as duas vez ou outra com Katherine Hepburn ou
Loretta Young. A namorada ou mulher dele não escondia sua paixão por Gary
Cooper, mas achava irresistível a covinha do sorriso de Clark Gable, o ar
maduro de Ronald Colman ou a cara feia de Humphrey Bogart.
Isto tudo é do bom tempo do estrelismo e do absoluto domínio do cinema
americano.
Muitas gerações de brasileiros, inclusive do mais remoto interior,
aprenderam a pentear os cabelos, a fumar, beijar, sorrir, fazer caras tristes
ou alegres ou apaixonadas ou desgostosas com os astros americanos. Tive uma
namorada que no dia seguinte — exatamente no dia seguinte — à estréia de
Casablanca, no Rio, me apareceu com o mesmo vestido de Ingrid Bergman —
falando, sorrindo, fazendo olhares e silêncios absolutamente iguais.
– E você não ficou meio enjoado dela? — perguntará o leitor ignaro. E eu
lhe direi que não. Amei as duas e fui feliz.
Juntarei que naquele tempo era mais magro e desde o dia que alguém me achou
parecido com James Stewart eu fiquei meses fazendo cara de James Stewart.
Até que amigos impiedosos me disseram que eu parecia mesmo era com o
Sobral Pinto ou com o Samuel Wainer — dois tipos estimáveis, mas…
Hoje em dia a gente se interessa mais pelas estrelas da televisão. São
divinas.
Jamais chegarão, entretanto, a ser amadas como aquelas do cinema. É
verdade que nunca houve no elenco nacional algo parecido com a Brigitte Bardot,
a Marilyn Monroe ou a Sophia Loren dos dourados tempos.
Mas também é verdade que o produto nacional tem melhorado muito. Vejam,
aqui em Ipanema, as jovens panteras que se esticam na areia. São, francamente,
mulheres melhores do que merecemos — mulheres, digamos assim, superiores às
nossas forças. Não, a diferença não está nas damas, está na mídia, como dizem
os bravos rapazes da publicidade.
Vou dar um exemplo: Dina Sfat. Vi-a pela primeira vez há uns doze ou
treze anos atrás no filme Macunaíma, de Joaquim Pedro. Era uma guerrilheira de
arma em punho e ao mesmo tempo Cy, a Lua. Vestia-se negramente de couro, ou
algo parecido, mas estava pouco vestida em uma cena de amor inesquecível,
dentro de um elevador que subia. Vidrei. Guardei no fundo do peito o nome da
fantástica deusa. Ela apareceu depois em algumas novelas; foi por exemplo a
Maria Zarolha de Gabriela e a Chica Martins de Fogo Sobre Terra. Por motivo de
viagens e desencontro de horário, não acompanhei nenhuma dessas novelas; via
apenas um capítulo ou outro. Mulher divina! Mas aí ela fez a Paloma de Os
Gigantes, e eu vi praticamente a novela inteira. Toda noite era aquela mulher
metida dentro de minha casa a suspirar, hesitando entre o Cuoco e o Tarcísio.
Muito bonita, muito interessante, mas, toda noite! Toda noite! Não, a
deusa não pode ser quotidiana; deusa a gente vê no máximo duas vezes por ano. A
rotina envenena tudo, e a deusa de novela tem, além de seu horário implacável,
aqueles pequenos anúncios, as “chamadas”.
Confesso que senti um certo alívio quando a Paloma se matou em um avião.
Já não aguentava mais nem o seu penteado que, por sinal, milhares de mulheres
em todo o Brasil se puseram a imitar: “Faça igualzinho à Paloma, tá?”
Dina Sfat continua a ser, naturalmente, uma esplêndida figura de mulher,
e creio até que a maturidade lhe deu um novo e suave encanto. Deus guarde Dina
Sfat. Mas Paloma — não!
O olhar e o gesto na vida cotidiana https://bit.ly/3Ye45TD
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