Como
a Polícia Federal mentiu e coagiu um preso para esconder o grampo na cela de
Youssef
Ailton Silva, o homem
que presenciou a instalação do grampo, conta ao GGN sobre as ameaças sofridas
após caso vir à tona
Ana Gabriela
Sales/Jornal GGN
O médico veterinário
Ailton Silva, que estava preso na carceragem da Polícia Federal (PF) em
Curitiba, em 2014, relatou à reportagem GGN a
intimidação que sofreu da corporação após testemunhar o caso do grampo na cela
de Alberto Youssef.
As informações obtidas por meio da escuta ilegal na cela de
Youssef teriam sido usadas pelos investigadores para pressionar o doleiro a
fechar um acordo de delação premiada.
O GGN teve acesso aos áudios do veterinário, representado pelo
advogado Túlio Bandeira.
Aos fatos
Nove anos atrás, Ailton Silva estava preso na sede da PF em
Curitiba por suspeita de tráfico de drogas, quando presenciou a preparação das
celas para onde foram destinados os primeiros presos da Operação Lava Jato.
Na ocasião, Ailton Silva viu um policial fazendo a instalação de
uma escuta ambiental na cela em que, posteriormente, Youssef fora
alocado.
Ainda em 2014, o caso veio a público e foi aberta uma
sindicância na superintendência da PF para apurar o grampo ilegal.
Silva foi chamado, mais de uma vez, para relatar o caso. Na
primeira vez, relatou o que viu. Contudo, durante sua última oitiva sobre o
episódio, ele afirmou que foi coagido por um delegado para mudar sua versão
sobre os fatos.
“Eu entrei na sala para ser ouvido novamente. Tinha um policial
federal, um escrivão que estava no computador e o delegado. E o delegado
começou a conversar comigo e pediu para eu confirmar o que tinha falado, e eu
confirmei. Aí esse delegado pediu para todos desligarem o telefone, desligarem
o computador, desligarem tudo o que era eletrônico e que estava dentro da sala”,
contou Silva.
“E aí ele
falou assim: ‘Ailton, vamos conversar. Primeiro, você está usando de má-fé,
está tendo algum engano, porque o policial federal que você acusou, ele estava
de folga no dia que você falou que ele colocou a escuta’. Estão ali, eu já vi que estava a sacanagem,
que estava ferrado”, continou.
O tal agente da PF
seria Rodrigo Prado, que foi reconhecido por Silva entre ao menos 12 fotos,
durante procedimento no seu primeiro depoimento sobre o caso.
“Aí eles
pegaram e falaram assim: ‘Você
quer mesmo prejudicar a Polícia Federal? Prejudicar o nome da Polícia Federal?
Você sabe a encrenca que você está entrando? Você sabe o que pode causar isso
para você?’ Foi uma ameaça. Eu me senti ameaçado na hora
e vi que estava ferrado”, desabafou Silva.
“Aí ele falou
assim para mim: ‘Olha…’ — entrou um advogado nesse momento lá — ‘Olha, esse
aqui é o advogado do Youssef’. Eu não sei se era advogado ou não do Youssef. ‘O
Youssef já fez um acordo com nós para a gente interromper essa sindicância, vai
ser interrompido, seu nome não vai aparecer mais, não vai aparecer mais nenhum
documento de declaração sua nos autos, não vai aparecer mais nada. Só vai
aparecer o que a gente for falar agora, a partir de agora, se você está
disposto a nos ajudar, vai sair agora”, pontou o veterinário.
“Aí eu entendi a ameaça e falei assim: ‘Não, eu não sei do
que o senhor tá falando, eu não dei depoimento, eu não fiz reconhecimento, eu
não fiz nada’. Ele falou: ‘Tá bom então, então você vai falar da seguinte forma
que eu vou te dizer agora’. E ele pediu para eu falar o seguinte: que eu estava
numa situação muito difícil, que eu estava alterado psicologicamente,
psiquiatricamente, que a cabeça toda… que eu não vi nada, que eu me enganei,
sobre a identificação do policial que colocou a escuta, e assim foi feito”.
Em 19 de agosto de
2014, o delegado federal Maurício Moscardi Filho afirmou, por meio de um
relatório, que era “evidente” que
Silva “ludibriou para beneficiar
Youssef” e garantiu que “o
aparelho de interceptação ambiental encontrado no forro da cela cinco da
custódia da Polícia Federal no Estado do Paraná estava inoperante e teria sido
colocado naquele local, em outro momento investigativo e com autorização
judicial”.
Dois dias depois, em 21 de agosto, a delegada federal Rosicleya
Baron de Albuquerque Barradas, encaminhou ao então juiz Sergio Moro, o
relatório da sindicância com uma proposta de arquivamento assinada pelo
delegado federal Hugo Corrêa Martins.
Em 12 de setembro, Barradas enviou para Moro o arquivamento da
sindicância. Já em julho de 2017, um inquérito sobre o
grampo ilegal de Youssef também foi arquivado e sob influência de Moro.
Em maio deste ano, Youssef afirmou que obteve
os áudios grampeados ilegalmente, o que demostra a manipulação da PF
sobre o caso. Com isso, o doleiro pediu à Justiça a anulação do acordo de
delação e solicitou também a anulação de suas condenações.
O
RELATO
Hoje, Ailton Silva irá conceder entrevista exclusiva ao
jornalista Luis Nassif, no programa TV GGN 20 horas. Confira abaixo o relato sobre o
grampo na íntegra:
Eu estava na
carceragem da Polícia Federal no mês de março de 2014, quando foi deflagrada a
Operação Lava Jato e até então a gente não sabia porque lá não tinha informação
de televisão, de rádio, de nada. As celas foram todas esvaziadas e os presos
que estavam lá foram transferidos para os presídios, mas eu, um policial
rodoviário federal, e um outro amigo não fomos transferidos. Por termos curso
superior, eles não estavam achando um local para poder enviar a gente.
Aí esvaziaram todas as
celas, checaram todas as celas, isso os agentes federais, e a gente ficou no
pátio, no fundo das celas, que tinham acesso para um portão. E aí eu vi a
movimentação de três agentes que estavam lá. Os carcereiros, que na verdade
eram guardas municipais e dois policias federais.
Eles
subiram as grades para tentar acessar as celas por cima, mas não conseguiram
porque tinha um cadeado. E aí eles tiveram que quebrar o cadeado e demorou um
tempo. Eu fiquei num lugar que eles não estavam me vendo e observei o que
estava acontecendo.
Curioso, né? Eu vi que eles
quebrarem o cadeado e quando conseguiram subir vi que um dos policiais federais
tinha alguma coisa de volume na mão e estava cuidando daquilo para não cair.
Ele demorou um tempo lá em cima, uns 10 minutos, depois voltou sem esse
material.
Naquele mesmo dia começou a
chegar os presos da Lava Jato. Passado alguns dias eu criei um vínculo com o
pessoal, depois de uns dois dias já estava conversando com eles ali, porque a
gente ficava solto.
As celas, era umas grudadas
com as outras, e eu peguei conversando com o Youssef. Eu falei: ‘Youssef, vocês tão ficando acordados à noite,
estão falando alto e tem um silêncio muito grande à noite. Não ouve barulho de
nada e aí dá para ouvir tudo que vocês estão falando. Só que um policial
federal subiu e colocou uma escuta na cela em cima de vocês ali, não sei em
qual cela tá, mas tá em cima de alguma cela de vocês‘.
Aí fechou as celas. No dia
seguinte eu já fiquei sabendo que o Youssef tinha achado a escuta e que naquele
mesmo dia ele tinha recebido a visita do advogado dele. Ele tinha levado a
escuta escondida na cintura para o parlatório, mostrou a escuta para o
advogado, o advogado estava com o celular e, através do acrílico, o advogado
tirou a foto. E naquela mesma semana começou sair as reportagens.
Aí, na
primeira vez que eu fui ouvido, o delegado perguntou para mim e eu confirmei
tudo conforme foi. Perguntou se eu tinha como confirmar o policial federal que
tinha subido na cela e colocado a escuta. E eu não sabia o nome, na verdade. Ele perguntou se eu poderia confirmar por foto. Eu falei:
“Se eu ver a foto, eu confirmo”.
Demorou um tempo, ele com
outro policial federal, foi lá e montou tipo um croqui, um organograma de fotos
de policiais federais, mas sem nome, sem nada, só as fotos bem nítidas, ele
colocou 12 fotos, se não me engano, várias fotos. E eu, sem dúvida nenhuma, reconheci o policial federal que
colocou a escuta. Na hora que eu identifiquei o policial, o próprio delegado
falou: ‘É ele mesmo’. Confirmou com exatidão: ‘É ele mesmo’. E ainda sorriu,
com a maior vontade de ferrar os caras. E aí mandou eu assinar lá, assinei meu
depoimento, assinei o reconhecimento do policial e aí me mandou embora. .
Passado algum tempo, fui
levado de novo lá na superintendência da Polícia Federal e novamente pediram
para eu identificar, se era isso mesmo, confirmar o que eu tinha falado, eu
confirmei com exatidão, daí já era outro delegado. Nessa vez que eu fui, foi a
surpresa.
Eu entrei na sala para ser
ouvido novamente. Tinha um policial federal, um escrivão que estava no
computador e o delegado. E o delegado começou a conversar comigo e pediu para
eu confirmar o que tinha falado, e eu confirmei. Aí esse delegado pediu para
todos desligarem o telefone, desligarem o computador, desligarem tudo o que era
eletrônico e que estava dentro da sala.
E aí ele falou assim:
‘Ailton, vamos conversar. Primeiro, você está usando de má-fé, está tendo algum
engano, porque o policial federal que você acusou, ele estava de folga no dia
que você falou que ele colocou a escuta’. Estão ali eu já vi que estava a
sacanagem, que estava ferrado.
Aí eles
pegaram e falaram assim: ‘Você quer mesmo prejudicar a Polícia Federal?
Prejudicar o nome da Polícia Federal? Você sabe a encrenca que você está
entrando? Você sabe o que pode causar isso para você?’ Foi uma ameaça. Eu me
senti ameaçado na hora e vi que estava ferrado.
Aí ele falou assim para
mim: ‘Olha…’ — entrou um advogado nesse momento lá — ‘Olha, esse aqui é o
advogado do Youssef’. Eu não sei se era advogado ou não do Youssef. ‘O Youssef
já fez um acordo com nós para a gente interromper essa sindicância, vai ser
interrompido, seu nome não vai aparecer mais, não vai aparecer mais nenhum
documento de declaração sua nos autos, não vai aparecer mais nada. Só vai
aparecer o que a gente for falar agora, a partir de agora, se você está
disposto a nos ajudar, vai sair agora.
Aí eu entendi a ameaça e
falei assim: ‘Não, eu não sei do que o senhor tá falando, eu não dei
depoimento, eu não fiz reconhecimento, eu não fiz nada’. Ele falou: ‘Tá bom
então, então você vai falar da seguinte forma que eu vou te dizer agora’. E ele
pediu para eu falar o seguinte: que eu estava numa situação muito difícil, que
eu estava alterado psicologicamente, psiquiatricamente, que a cabeça toda… que
eu não vi nada, que eu me enganei, sobre a identificação do policial que colocou
a escuta, e assim foi feito.
Conforme ele terminou de
falar, ele mandou ligar os computadores, o escrivão ligou, ligaram os
celulares, ligaram tudo, e eu dei o depoimento dessa forma.”
Onde cabe quase tudo - sem
preconceito nem sectarismo https://tinyurl.com/3y677r7f
Nenhum comentário:
Postar um comentário