Hora de voltar para o calor do lar?
Enio Lins
Enfim, um dos raros e preciosos mantos tupinambá voltará a sua terra de origem, o Brasil; virá do Museu Nacional da Dinamarca, onde essa maravilha está guardada em total segurança, sob delicados cuidados, desde 1699.
Nas asas do que poderia ter sido a Panair, o manto raríssimo voará até o Rio de Janeiro onde aterrissará no Museu Nacional. Sim, aquele que virou cinzas há menos de cinco anos, no grande incêndio de 2 de setembro de 2018.
Aí dá um frio no espinhaço! Ôxe, e os riscos? Não seria melhor esse manto maravilhoso seguir cuidado pelas mãos dinamarquesas por mais 324 anos? Vai que uma nova faísca, brasileiríssima, faz novo fogaréu na Quinta da Boa Vista...
Bom, é um ato de nacionalismo reivindicar, lutar, para que uma peça importante à nacionalidade volte a seu local de origem, que os nativos possam conhecer e interagir com essa relíquia (especialmente os descendentes diretos dos tupinambás).
NACIONALISMO DAS CINZAS?
Mas ser nacionalista de verdade, acho eu, é querer que o patrimônio histórico nacional seja preservado – em primeiro lugar, em segundo lugar e em terceiro lugar. Pouco ou nada representam as cinzas de um objeto importantíssimo que tenha sido.
Ter medo de que algo tão fantástico e vulnerável como um manto tupinambá vire cinza é patriotismo, em minha modesta concepção. Trazer um objeto extraordinário desse quilate para os riscos de maus tratos é egoísmo e não nacionalismo.
Mas podemos esperar que a vinda do manto provoque o Estado brasileiro para que seja definida uma política permanente, de amplitude nacional, para os museus e centros históricos, arqueológicos, antropológicos e artísticos.
Reconheça-se o esforço tremendo, mais das vezes solitário, feito pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), desde sua fundação em 1936, para preservar, reconhecer e restaurar monumentos e obras de arte em todo país.
DESCASO HISTÓRICO COM OS MUSEUS
Dependendo do humor político, do modestíssimo quinhão que lhe cabe no orçamento nacional e da boa vontade dos parlamentares, lutando pelo apoio extra de prefeituras e governos estaduais, o IPHAN pena para fazer seu trabalho.
Penar mais sofrido por ser filho único, pois o IPHAN não tem uma entidade-irmã que cumpra tarefas que não fazem parte de suas atribuições originais, como a manutenção dos monumentos, museus e órgãos semelhantes espalhados por todo Brasil.
Existe o IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), entidade valorosa, mas limitada aos museus federais propriamente ditos, deixando ao relento toda a gama de entidades museológicas que - destemidamente - se espalham por este Brasil afora.
Restaurar é importante, mas manter é essencial. E, considerando inclusive o IBRAM, qual é a política nacional para manutenção dos museus? Que dispositivos o Museu Nacional terá a sua disposição, e que não dependam da concepção de quem esteja na presidência da República?
Quando o Museu Nacional pegou fogo, em setembro de 2018, ano de eleição presidencial, o então favorito declarou: “Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê? O meu nome é Messias, mas eu não tenho como fazer milagre”.
CONCEPÇÃO CRIMINOSA
Apoiado pelo então presidente Temer, Jair era o candidato do governo, se apresentava como o continuador da gestão em curso, mas nem se preocupou em dizer alguma frase que, ao menos, demonstrasse simpatia com a causa.
Ele não fez isso à toa, enquanto as chamas varriam a memória depositada no Museu Nacional. Jair expressava, fielmente, a opinião de muitos milhões de brasileiros que acham museus, e coisas do tipo, perda de tempo e dinheiro.
Se consideramos que um pouco menos da metade do eleitorado brasileiro – há menos de um ano – votou novamente no político que deu essa declaração criminosa, que tipo de País vai receber e cuidar desse tesouro fragilíssimo?
Obras de arte que impressionaram a Europa desde que lá chegaram, os mantos tupinambás, aqui usados em cerimônias religiosas autóctones e destroçados pelos colonizadores, foram devidamente valorizados no Velho Mundo como preciosidades.
BEM-CUIDADO NA CASA ALHEIA
Princesas europeias foram retratadas, séculos atrás, em pinturas usando os mantos como símbolo exótico de realeza, alto luxo e extremo bom gosto; exemplares foram recolhidos à segurança de seculares museus europeus, como patrimônio histórico universal.
Composto por cerca de dez mil penas de guará vermelho, amarradas por delicados fios de algodão rústico, esse manto que será enviado ao Brasil tem um pouco mais de um metro de altura e é acompanhado por um gorro.
Sobre suas origens sabe-se apenas que foi daqui enviado para a Europa e que “tupinambá” era o termo que os portugueses designavam todas as tribos que falavam variações da língua tupi e seus dialetos, desde o Pará até o sul da colônia.
Em 1689 esse conjunto (manto e capuz) chegou à Copenhague e dez anos depois foi recolhido ao hoje denominado Danmark på Nationalmuseet, o Museu Nacional da Dinamarca, que o preservou maravilhosamente até hoje. E agora, José?
Há diferentes caminhos até a essência das coisas https://bit.ly/3Ye45TD
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