10 julho 2023

O futuro do nosso futebol

A vida é sonho

Há no imaginário dos brasileiros a ilusão de que a seleção voltará a seus melhores momentos
Tostão/Folha de S. Paulo



A CBF, por causa do imenso desejo, uma obsessão, de trazer Carlo Ancelotti, como se com ele fosse quase certa a conquista do Mundial de 2026, teve uma boa sacada, com o apoio do Fluminense, ao anunciar a contratação de Fernando Diniz até junho de 2024, quando assumirá Ancelotti. A CBF passa a ter um bom treinador no lugar de um interino sem preparo para o cargo. Fernando Diniz vai fazer a dupla função de treinador da seleção e do Fluminense.

O conflito de interesses e de agendas será inevitável. Certamente surgirão muitas criticas como as de que o técnico deu mais atenção ao clube ou à seleção ou que convocou ou não um jogador do Fluminense. Os problemas poderão ser amenizados se Fernando Diniz tiver bons auxiliares na CBF e no clube. Além disso, quando houver jogos do Brasil, não ocorrerão partidas do Fluminense e das equipes brasileiras.

Fernando Diniz vai precisar assistir a jogos da Europa e do Brasil no mesmo horário. Terá de ter duas televisões. Antes de dormir, vai pensar mais na seleção ou no Fluminense?

A maior dificuldade é que são dois ciclos separados, um de Diniz e outro de Ancelotti. Não haverá passagem de bastão para o companheiro. Os projetos dos dois não são os mesmos.

A CBF ainda não confirmou oficialmente o contrato com Ancelotti porque ainda há dúvidas ou porque não é permitido pelas leis esportivas, o que só poderá acontecer em janeiro de 2024, seis meses antes de terminar o compromisso de Ancelotti com o Real Madrid? Ou seriam as duas razões?

Os dois técnicos possuem algumas ideias diferentes. Um conceito comum entre os dois é o de valorizar a posse de bola. Uma das principais virtudes de Ancelotti é utilizar várias estratégias de acordo com o momento, o talento e as características de seus jogadores e dos adversários. Como a seleção brasileira não tem meio-campistas excepcionais, como Modric e Kross, para atuar ao lado de Casemiro, nem um centroavante artilheiro e que facilita as jogadas para todos os companheiros, como Benzema, a seleção deverá atuar diferentemente do Real Madrid.

Fernando Diniz prioriza a aproximação de vários jogadores em um pequeno espaço para trocar passes curtos e envolver os adversários. Nas últimas partidas, o Fluminense atuou muito mal por causa da ausência de alguns titulares e, principalmente, porque os outros times passaram a marcar com muita pressão e intensidade a saída de bola desde o goleiro. Por ser um comportamento moderno, utilizado em todo o mundo, a seleção brasileira deverá também com Diniz ter muitas dificuldades. O técnico deveria criar variações.

Antes, o Fluminense, quando perdia a bola, deixava enormes espaços na defesa. Agora, o time volta todo para marcar perto da área. Melhorou a defesa, mas piorou o ataque, pois os jogadores ficam muito longe do outro gol quando recuperam a bola.

Será que Fernando Diniz vai convocar o Ganso e reviver a dupla Ganso e Neymar, que encantou no Santos, chegou a ser formada na seleção, mas não continuou por causa da queda técnica de Ganso?

Há no imaginário dos brasileiros, dos mais idosos que costumam lembrar e adorar coisas que, às vezes, nunca existiram, e dos mais jovens, que escutam as histórias de seus pais e avós, a ilusão, o desejo, de que, com Fernando Diniz ou Ancelotti, tudo será maravilhoso, de que a seleção voltará a jogar como nos seus melhores momentos, quando, supostamente, só havia craques, belíssimos gols, dribles espetaculares e um amplo repertório de efeitos especiais. A vida é sonho. Assim viveu José Celso Martinez, o maior dramaturgo brasileiro.

[Ilustração: Glauco Rodrigues]

Também no futebol o excesso cansa. E enjoa https://bit.ly/3yPARyY

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