Mário de Andrade, 130 anos: singularidade na cultura nacional
Sua influência na cultura nacional atravessa gerações e continua referenciando novos artistas, ao tornar o Brasil universal em sua cultura tão única.
Cezar Xavier/Vermelho
Mário de Andrade, um dos nomes mais icônicos da cultura brasileira, completaria 130 anos de idade neste 9 de outubro de 2023. Sua importância para a cultura do Brasil transcende gerações e permanece relevante até os dias de hoje.
A singularidade de Mário de Andrade (1893-1945) na cultura brasileira está no fato de ter sido fascinante em suas multifaces como colecionador de arte, antropólogo, professor de música, crítico de arte, de música, de literatura, poeta, romancista e pensador. Tudo isso em apenas 51 anos de vida.
Mário de Andrade é considerado o artista mais importante e influente da Vanguarda Modernista brasileira devido ao seu papel de liderança no movimento, suas contribuições multifacetadas às artes e à cultura brasileira, e seu compromisso com a criação de uma identidade cultural autêntica para o Brasil.
Embora não fosse rico, como alguns contemporâneos modernistas, ele conseguiu ter uma extraordinária coleção de arte erudita e popular. Nas paredes de sua casa havia quadros de Candido Portinari (1903-1962) e Tarsila do Amaral (1886-1973), artistas cujas obras, na época, não tinham grande valor, mas hoje valem uma fortuna. Esse acervo, hoje, pertence ao Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
O professor Carlos Augusto Calil, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, diz que, além do pioneirismo na valorização de artistas que viriam a se tornar ícones do movimento modernista, Mário de Andrade inovou ao praticamente inventar uma crítica da arte na ausência dela, desdobrando-se ele mesmo. “Quando percebeu que sua geração era composta de criadores e não de críticos, ele abandonou sua própria obra como poeta e romancista para militar na crítica artística, de artes plásticas, de música, de tudo que pudesse fazer, e chegou a influenciar até Heitor Villa-Lobos (1887-1959), o maior músico do País”, conta Calil.
Mário de Andrade também foi o primeiro secretário municipal de Cultura do Brasil ao se envolver na política, e assumir o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Com isso, participou de um processo inicial de democratização da cultura e da arte. em 1937, fez um anteprojeto para que o patrimônio da humanidade não fosse só o patrimônio material. Ele ainda inovou ao colocar como patrimônio cultural as casas de pescadores, as cruzes de beira de estrada, os instrumentos de trabalho e indígenas. E depois ele criou uma outra categoria, a de patrimônio imaterial – que ele dizia que tinha mais potência que os outros – como as cantigas, as receitas, o samba, entre outros, algo que a Unesco só foi reconhecer em 1960.
O modernista também guarda uma importância na comunicação e na evolução da língua portuguesa por ter escrito por volta de 7 mil cartas, criando uma rede de sociabilidade inédita no Brasil. Cartas trocadas entre seus amigos Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade são consideradas um monumento literário raro em qualquer língua. Em suas cartas é possível perceber uma mudança na norma culta com o abandono de ornamentos portugueses e abrasileiramento da língua, tornando-a mais próxima da fala popular.
Em seu livro mais conhecido, Macunaíma, ele imprimiu na ficção seus estudos antropológicos, mostrando sua maneira peculiar e original de pensar o Brasil. Por outro lado, em seus poemas, segundo o professor Calil, o artista expõe traços de sua personalidade. “Sua lírica é dilacerada, e ele era um homem dilacerado”.
O estudioso diz que Mário tinha problemas de personalidade, por ser feio e muito vaidoso ao mesmo tempo. “Tinha problemas com a rejeição à sua própria figura, o que tentava compensar e nem sempre era bem-sucedido”.
Embora viesse de uma família de elite, teve que lidar com as dificuldades do racismo. Na última semana, entre 5 e 9, o Sesc SP e o Fliaraxá apresentaram o Ciclo de Debates Virtuais “Mário de Andrade, Negro, 130 Anos”, no qual 6 especialistas negros discutiram, entre outros assuntos, a questão da identidade racial do autor de “Macunaíma”.
Além disso, tinha tendências sexuais nada ortodoxas para a época. “Provavelmente tinha diversas tendências sexuais, não uma única, e isso nunca pôde ser assumido, o que era muito complicado, porque levava-o a se movimentar afetivamente em direções conflitantes”, relata Calil.
“Além disso, ele vivia o dilema brasileiro que perdura até hoje, de um país desencontrado, com um complexo de inferioridade, sobre o qual Mário de Andrade falava antes mesmo de Nelson Rodrigues.”
Segundo Calil, Mário de Andrade pensava o Brasil para os brasileiros. Nunca viajou à Europa. Decidiu descobrir o Brasil, analisando as manifestações folclóricas nortistas e nordestinas, valorizando tudo aquilo que era verdadeiramente brasileiro. “Não por nacionalismo, mas por autenticidade. Se tivesse nascido na África, optaria por ser africano”, diz o especialista.
O professor caracteriza Mário de Andrade como uma figura mundial, “um homem de dimensões planetárias” e que projeta o Brasil a dimensões universais, apesar de nunca ter se preocupado em fazê-lo. “É um homem tão grande que você descobre mais sobre ele a cada dia que passa. Você se debruça sobre um assunto novo e, de repente, percebe que Mário de Andrade já passou por ali.”
Mário é frequentemente considerado um dos artistas mais importantes e influentes da Vanguarda Modernista brasileira por várias razões:
- Papel de liderança no movimento modernista: Mário de Andrade foi uma das figuras de liderança do movimento modernista no Brasil, desempenhando um papel crucial na organização e promoção do movimento. Ele esteve envolvido na Semana de Arte Moderna de 1922, um evento fundamental que marcou o início do modernismo no país.
- Renovação artística: Mário de Andrade e seus contemporâneos modernistas buscaram romper com as tradições culturais e artísticas do Brasil, que eram fortemente influenciadas pelo academicismo europeu. Eles procuraram criar uma nova identidade artística brasileira, incorporando elementos da cultura popular, indígena e afro-brasileira nas artes. Mário tinha um forte compromisso com a construção da identidade cultural brasileira. Ele acreditava que a valorização das raízes culturais locais era fundamental para o desenvolvimento artístico do país e para uma compreensão mais profunda de sua identidade. Seu trabalho enfatizou a importância de valorizar as raízes locais e a diversidade cultural do Brasil. Esse foco na construção da identidade nacional ainda ressoa entre os artistas contemporâneos, que explor am a riqueza da herança cultural brasileira em suas obras.
- Contribuição à literatura brasileira: Mário de Andrade é conhecido por seus trabalhos literários, incluindo “Macunaíma”, uma obra-prima que combina elementos da cultura popular brasileira com uma narrativa moderna e experimental. Seu trabalho literário ajudou a inaugurar uma nova era na literatura brasileira, caracterizada por uma linguagem mais coloquial e uma exploração criativa de temas nacionais. A Semana de Arte Moderna de 1922 marcou o início de uma nova era na literatura brasileira, caracterizada pela rejeição do academicismo europeu em favor de uma abordagem mais autêntica, que incorporava elementos da cultura nacional, como o folclore e a língua coloquial. Macunaíma influenciou inúmeras gerações de escritores brasileiros, incluindo os contemporâneos e os atuais.
- Promoção da música popular brasileira: Além da literatura, Mário de Andrade também desempenhou um papel importante na promoção da música popular brasileira, como o samba e o folclore musical do país. Ele coletou e pesquisou músicas populares brasileiras e fez esforços significativos para preservar e divulgar essas tradições. Era um músico talentoso e seu engajamento na música e nas artes plásticas enriqueceu o panorama artístico do Brasil. Hoje, músicos, compositores e artistas visuais brasileiros continuam a se inspirar em sua abordagem inovadora e multidisciplinar.
- Exploração das artes visuais e da antropologia: Mário de Andrade também se envolveu em artes visuais e antropologia, explorando temas culturais e étnicos. Sua atuação nessas áreas contribuiu para uma compreensão mais profunda da diversidade cultural do Brasil e ajudou a destacar a riqueza das influências indígenas e afro-brasileiras na cultura nacional.
- Legado duradouro: O legado de Mário de Andrade não se limita ao passado, mas continua a inspirar artistas e escritores brasileiros. Sua abordagem inovadora e seu compromisso com a autenticidade artística continuam a influenciar o cenário cultural do Brasil, encorajando a renovação e a exploração de novas formas de expressão. As contribuições de Mário de Andrade à literatura, música, artes visuais e antropologia ainda são estudadas e celebradas até hoje. Sua influência se estende para além da Vanguarda Modernista e continua a moldar a cultura brasileira contemporânea.
- Pesquisa e Preservação da Cultura Popular: Mário de Andrade também se destacou como etnógrafo e folclorista. Sua pesquisa e documentação minuciosa das tradições culturais do Brasil, incluindo a música popular e a cultura afro-brasileira, ajudaram a preservar e promover essas tradições. Artistas subsequentes se inspiraram em seu trabalho e continuaram a explorar e celebrar a riqueza da cultura popular brasileira.
- Educação e Promoção Cultural: Mário de Andrade também se destacou como educador e promotor cultural. Sua atuação na direção do Departamento de Cultura de São Paulo contribuiu para a disseminação das artes e da cultura. Seu compromisso com a educação e a promoção da cultura influenciou políticas culturais subsequentes no Brasil.
Com informações do Jornal da USP
[Ilustração: Mário de Andrade retratado por Lasar Segall, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti]
As emoções dão cor à vida https://bit.ly/3Ye45TD
Nenhum comentário:
Postar um comentário