Quibes pretos e a verde-amarela crença na impunidade
Enio Lins*
Em andamento, as investigações sobre as (várias) tentativas de golpes bolsonaristas, para a felicidade geral da nação, e para infelicidade dos grupelhos envolvidos, comprovam a solidez institucional do Brasil contemporâneo, com o Poder Judiciário, a Polícia Federal e a as Forças Armadas cumprindo seus papéis. Entrevistada pela BBC, Adriana Marques, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, declarou: “Isso é inédito na história do Brasil. Precisamos lembrar que o Brasil não tem tradição de investigar e punir militares que tentaram desestabilizar a democracia".
VELHOS VÍCIOS
É o bolsonarismo algo além de uma direita alucinada. O bolsonarismo é uma organização criminosa de alta capilaridade, infiltrada na sociedade civil, nos círculos castrenses, na política, nas polícias, nas elites, nas classes médias e nas periferias. Precisa ser tratado não como tendência política, mas como a quadrilha que de fato é – formada por subgrupos estruturados em torno de ideias autoritárias, golpistas e terroristas cuja referência central é o submundo do Regime Militar de 64. Os marcos icônicos para essa turma são os porões da ditadura, ambientes onde se lobrigam dejetos do tipo Coronel Ustra como “herói” e generais de extrema-direita da estatura de Geisel e Golbery como “comunistas”. Esse caldo de cultura exsudado no ocaso ditatorial dos anos 80 foi responsável por atos terroristas como a bomba no Rioce ntro e o assassinato de Dona Lyda Monteiro, e é onde prolifera o ideário de Jair Messias e seus seguidores. Essa gente não aceita a democracia, nem ganhando as eleições. Imagine perdendo.
EVIDÊNCIAS
Todas as investidas golpistas bolsonaristas foram frustradas, em primeiro lugar, pela oposição da imensa maioria das Forças Armadas. Em 2023, o Correio Braziliense noticiou: “o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni foi condenado, nesta quinta-feira (23/11), pela 1ª instância da Justiça Militar por injúria. Em vídeo gravado no 8 de janeiro deste ano, em Brasília, ele ofendeu colegas das Forças Armadas”. O cidadão em tela, fantasiado de seleção brasileira, apoplético pela derrota do golpe, divulgou um vídeo de si próprio onde insultava pesadamente oficiais que haviam se recusado a apoiar a intentona, berrando nomes e postos dos “traidores”. Em verdade, o injuriado coronel constatou que, salvo raras exceções, o oficialato brasileiro recusou a quartelada, mesmo os eleitores do ex-capitão. Mas – antes, durante e depois das ten tativas golpistas –, até a Polícia Federal bater na porta da casa de um general, anteontem, 19 de novembro, os meliantes mais graúdos sempre tiveram absoluta certeza da impunidade.
FAZENDO HISTÓRIA
Carlos Fico, professor titular da UFRJ, declarou à BBC News que “Essa ação no STF é uma investigação com características inéditas, sobretudo porque envolve alguns oficiais generais. No Brasil, a regra geral era de que oficiais generais nunca eram investigados ou punidos por crimes contra a democracia. Mas como historiador, temos cautela para dizer se isso será ou não algo histórico”. Está certo o pesquisador, pois a formação de Forças Armadas estritamente profissionais, perfeitamente integradas ao Estado Democrático de Direito, é um processo doloroso para quem entende farda como privilégio e sinônimo de intangibilidade. Em verdade, desde a eleição de Tancredo Neves e José Sarney, em 1985, esse caminho democrático está sendo trilhado com sucesso pelas instituições militares – apesar das re calcitrâncias de uma minoria (perigosa) ainda fã dos porões. Isso é algo histórico, sim, pelo menos até agora. Que assim prossiga.
*Arquiteto, jornalista, cartunista e ilustrador
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