07 julho 2025

BRICS: Trump ameaça

Fortalecimento do Brics sob a liderança de Lula provoca reação agressiva dos EUA
Trump prometeu punir com tarifa extra de 10% os países que adotarem políticas “antiamericanas” do Brics. Declaração ocorre após bloco consolidar avanço da agenda do Sul Global
Lucas Toth/Vermelho  

Horas depois da conclusão da 17ª Cúpula de Líderes do Brics no Rio de Janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi às redes sociais para lançar uma nova ameaça comercial contra países do Sul Global.

Sem mencionar nomes, afirmou que “qualquer país que se alinhe com as políticas antiamericanas do Brics” será punido com uma tarifa adicional de 10%, “sem exceções”. O anúncio é interpretado como uma resposta indireta à crescente projeção internacional do bloco, liderado atualmente pelo Brasil.

A ameaça tarifária ocorre em meio ao avanço de uma nova articulação global. Com a presidência exercida por Luiz Inácio Lula da Silva, o Brics aprovou no domingo (6) a Declaração do Rio de Janeiro, documento que defende reformas profundas na arquitetura multilateral, com propostas concretas em áreas como comércio, clima, soberania digital, saúde, ciência e combate à fome.

Ao mesmo tempo em que denuncia sanções unilaterais e o uso político das instituições financeiras dominadas pelo Norte, o bloco propõe mecanismos próprios de cooperação e financiamento — incluindo o comércio em moedas locais, fundos verdes e infraestrutura digital autônoma.

O incômodo da Casa Branca com esse movimento não é novo. Desde que retornou à presidência em 2024, Trump tem escalado sua retórica contra o Brics, especialmente diante das discussões sobre desdolarização do comércio internacional. Em declarações anteriores, chegou a ameaçar tarifas de 100% aos países que adotassem uma moeda alternativa ao dólar.

Agora, a nova ofensiva tarifária coincide com o encerramento de uma cúpula em que o Brics, pela primeira vez, formalizou propostas em nome de uma governança multipolar baseada na cooperação e na equidade.

Apesar de não ter citado o Brasil diretamente, a fala de Trump é vista como um ataque velado ao governo Lula, que tem exercido papel central na reconfiguração do bloco.

A resposta dos países do Brics à pressão de Trump veio rápida, ainda que com diferentes tonalidades. A Rússia afirmou que o bloco “nunca foi e nunca será direcionado contra quaisquer terceiros países”. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reiterou que os países do grupo compartilham “uma visão comum sobre como cooperar com base em seus próprios interesses”.

Já a China, por meio de sua chancelaria, criticou diretamente o uso de tarifas como ferramenta de coerção internacional. “O uso de tarifas não beneficia ninguém”, disse a porta-voz Mao Ning. A África do Sul adotou um tom mais cauteloso, reafirmando que não é antiamericana e que segue comprometida com negociações bilaterais.

A Malásia, parceira do Brics desde 2024, também respondeu que sua política externa é independente e voltada à facilitação do comércio, e não a alinhamentos ideológicos.

As reações indicam que, mesmo diante da pressão econômica dos EUA, os países do Brics e seus parceiros mantêm a disposição de seguir construindo uma ordem internacional baseada na soberania, na cooperação e no multilateralismo — pilares centrais da Declaração do Rio.

A realização da cúpula no Rio, a presença de mais de 20 países e a ênfase do presidente brasileiro na reforma da ONU e na defesa da Palestina sinalizam uma inflexão estratégica: o Sul Global também quer presença no centro do debate global. Na contramão, a resposta norte-americana não veio por meio do diálogo, mas por meio da coerção econômica.

Nos bastidores da diplomacia, o momento também é de tensão. Fontes ouvidas pelo UOL confirmaram que delegações do Brasil e dos EUA se reuniram por videoconferência na sexta-feira (4) para tentar negociar um acordo comercial e evitar a nova rodada de tarifas.

O governo brasileiro ofereceu a redução de tarifas sobre o etanol norte-americano, desde que os EUA suspendessem barreiras ao açúcar brasileiro. Até agora, no entanto, não houve resposta formal da Casa Branca. No Palácio do Planalto, cresce o pessimismo de que o Brasil será deixado de fora da lista de acordos a serem anunciados por Trump nesta semana.

A pressão tarifária afeta diretamente setores estratégicos da economia brasileira. Desde abril, os EUA impuseram tarifa geral de 10% e taxaram o aço brasileiro em 50%. Dados da Câmara de Comércio Brasil-EUA mostram que cinco dos dez produtos mais exportados do Brasil aos EUA registraram queda, e o superávit comercial norte-americano com o Brasil subiu para US$ 1 bilhão. Em vez de corrigir distorções, a medida amplia a dependência e fragiliza a balança comercial do lado brasileiro.

A ofensiva tarifária também deve ser interpretada sob uma ótica geopolítica. Ao retaliar países que se aproximam do Brics, Washington tenta conter o surgimento de alternativas ao seu domínio.

Mas, ao contrário de isolar o bloco, a retaliação reforça a necessidade de consolidar instrumentos próprios de desenvolvimento, como o Banco do Brics, o Acordo de Reservas de Contingência e a Parceria para a Restauração de Terras. Para o Sul Global, a resposta à coerção é mais integração.

Na Declaração do Rio, os países-membros foram categóricos: o sistema internacional atual é disfuncional, excludente e anacrônico.

Reafirmaram a defesa de um multilateralismo inclusivo, com reforma do Conselho de Segurança da ONU, rejeição ao uso político do FMI e ampliação do papel da OMC. Apoiaram o Irã diante dos ataques militares, denunciaram o genocídio em Gaza, propuseram regulação democrática da inteligência artificial e lançaram compromissos inéditos em saúde, ciência e combate à pobreza.

Ao reagir com ameaças, Trump escancara a fragilidade da posição norte-americana frente à emergência de uma ordem multipolar. A tentativa de punir o Brics não é apenas um gesto de hostilidade, mas o reconhecimento de que o bloco, sob a liderança de Lula, ocupa hoje um lugar central na disputa pelo futuro da governança global. Em vez de recuar, os países do Sul Global parecem dispostos a avançar — com cooperação, soberania e solidariedade.

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BRICS no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/brics-nova-governanca-global.html 


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