Lula: ‘temor de uma catástrofe nuclear voltou’
Na abertura da 17ª Cúpula do BRICS,
presidente disse que é 'mais fácil' investir na guerra do que na paz, citando
que OTAN 'alimenta a corrida armamentista'
Opera Mundi
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou neste domingo
(06/07) na abertura da 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro.
Leia o discurso na íntegra:
Pela quarta vez o Brasil sedia uma Cúpula do
BRICS.
De todas, esta é a que ocorre em cenário
global mais adverso.
A ONU completou 80 anos no último dia 26 de
junho e presenciamos colapso sem paralelo do multilateralismo.
O advento da ONU marcou a derrota do
nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva.
A grande maioria dos países que hoje integram
o BRICS foram seus membros fundadores.
Dez anos depois, a Conferência de Bandung
refutou a divisão do mundo em zonas de influência e avançou na luta por uma
ordem internacional multipolar.
O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado.
Com o multilateralismo sob ataque, nossa
autonomia está novamente em xeque.
Avanços arduamente conquistados, como os
regimes de clima e comércio, estão ameaçados.
Na esteira da pior crise sanitária em
décadas, o sistema de saúde global é alvo de investida sem precedentes.
Exigências absurdas sobre propriedade intelectual
ainda restringem o acesso a medicamentos.
O direito internacional se tornou letra
morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias.
Nos defrontamos com número inédito de
conflitos desde a Segunda Guerra Mundial.
A recente decisão da OTAN alimenta a corrida
armamentista.
É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos
militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao
Desenvolvimento.
Isso evidencia que os recursos para
implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de
prioridade política.
É sempre mais fácil investir na guerra do que
na paz.
As reuniões do Conselho de Segurança da ONU
reproduzem um enredo cujo desfecho todos conhecemos: perda de credibilidade e
paralisia.
Ultimamente sequer é consultado antes do
início de ações bélicas.
Velhas manobras retóricas são recicladas para
justificar intervenções ilegais.
Assim como ocorreu no passado com a
Organização para a Proibição de Armas Químicas, a instrumentalização dos trabalhos
da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um
órgão fundamental para a paz.
O temor de uma catástrofe nuclear voltou ao
cotidiano.
As violações recorrentes da integridade
territorial dos Estados, em detrimento de soluções negociadas, solapam os
esforços de não-proliferação de armas atômicas.
Sem amparo no direito internacional, o
fracasso das ações no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria tende a se
repetir de forma ainda mais grave.
Suas consequências para a estabilidade do
Oriente Médio e Norte da África, em especial no Sahel, foram desastrosas e até
hoje são sentidas.
No vazio dessas crises não-solucionadas, o
terrorismo encontrou terreno fértil.
A ideologia do ódio não pode ser associada a
nenhuma religião ou nacionalidade.
O Brasil repudiou os atentados na Caxemira.
Absolutamente nada justifica as ações
terroristas perpetradas pelo Hamas.
Mas não podemos permanecer indiferentes ao
genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis
inocentes e o uso da fome como arma de guerra.
A solução desse conflito só será possível com
o fim da ocupação israelense e com o estabelecimento de um Estado palestino
soberano, dentro das fronteiras de 1967.
O governo brasileiro denunciou as violações à
integridade territorial do Irã, como já havia feito no caso da Ucrânia.
É urgente que as partes envolvidas na guerra
na Ucrânia aprofundem o diálogo direto com vistas a um cessar-fogo e uma paz
duradoura.
O Grupo de Amigos para a Paz, criado por
China e Brasil e que conta com a participação de países do Sul Global, procura
identificar possíveis caminhos para o fim das hostilidades.
Gravíssimas crises em outras partes do mundo
seguem ignoradas pela comunidade internacional.
No Haiti tivemos a MINUSTAH, mas a comunidade
internacional abandonou o país antes da hora. O Brasil apoia a ampliação
urgente do papel da Missão da ONU no país, que combine ações de segurança e
desenvolvimento.
Senhoras e senhores,
Nas oito décadas de funcionamento das Nações
Unidas, nem tudo foi fracasso.
A organização foi central no processo de
descolonização.
A proibição do uso de armas biológicas e
químicas é exemplo do que o compromisso com o multilateralismo pode alcançar.
O sucesso de missões da ONU no Timor-Leste
demonstra que é possível promover a paz e a estabilidade.
A América Latina fez a opção, desde 1968, por
ser uma Zona Livre de Armas Nucleares.
A União Africana também consolida seu
protagonismo na prevenção e resolução de conflitos que afligem aquele
continente.
Se a governança internacional não reflete a
nova realidade multipolar do século XXI, cabe ao BRICS contribuir para sua
atualização.
Sua representatividade e diversidade o torna
uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos.
Podemos lançar as bases de uma governança
revigorada.
Para superar a crise de confiança que
enfrentamos, é preciso transformar profundamente o Conselho de Segurança.
Torná-lo mais legítimo, representativo,
eficaz e democrático.
Incluir novos membros permanentes da Ásia, da
África e da América Latina e do Caribe.
É mais do que uma questão de justiça.
É garantir a própria sobrevivência da ONU.
Esse é o espírito do “Chamado à Ação sobre a
Reforma da Governança Global” lançado pela presidência brasileira do G20.
Adiar esse processo torna o mundo mais
instável e perigoso.
Cada dia que passamos com uma estrutura
internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves
crises que assolam a humanidade.
Muito obrigado.
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BRICS
no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/brics-nova-governanca-global.html
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