Discurso do presidente Lula em encontro com representantes da sociedade civil no Chile
Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro com representantes da sociedade civil em Santiago, no Chile, no evento Democracia Sempre, no dia 21 de julho de 2025
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Falar de democracia em Santiago e na companhia de tantas organizações e movimentos sociais me faz sentir em casa.
Como lembra o hino nacional chileno, este país foi “ASILO CONTRA A OPRESSÃO” para muitos latino-americanos perseguidos por ditadores.
Aqui, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Marco Aurélio Garcia, Emir Sader e muitos outros brasileiros receberam abrigo.
O golpe de estado contra o presidente Salvador Allende, há 52 anos, foi mais um capítulo sombrio de um período tenebroso de nossa história.
Nossos países conheceram os horrores dos regimes de exceção.
Recuperamos a liberdade nas ruas, lutando arduamente e sem tréguas.
Percorremos um longo caminho para construir sociedades mais justas, ampliar direitos e restaurar o primado da lei.
Hoje,essas conquistas estão novamente em xeque.
O extremismo político avança sobre as instituições e aprofunda a polarização.
A desinformação corrói a verdade.
Na Europa, 48% dos jovens acreditam que a democracia está em risco.
Apenas 33% dos latino-americanos estão satisfeitos com o modelo atual.
No Brasil, nova tentativa de golpe logo após as eleições de 2022 mostrou que a luta contra o fascismo deve ser permanente.
Sem questionar as razões que impulsionam o apelo por soluções autoritárias, andamos em círculos.
Em meio aos escombros do neoliberalismo, temos como legado uma massa de desertores e excluídos, presas simples de aventureiros que negam a política.
A extrema direita organizada internacionalmente oferece um novo Consenso de Washington (ou melhor, um novo Dissenso de Washington): antidemocrático, negacionista e intervencionista.
Os inimigos da democracia não recorrem mais à diplomacia dos tanques e das canhoneiras.
Eles controlam algoritmos, semeia o ódio e espalham o medo.
Promovam uma guerra cultural.
Utilizam o comércio como instrumento de coerção e chantagem.
Atacam como instituições, a ciência e as universidades.
Solapam a solidariedade entre as nações.
A extrema direita latino-americana é subserviente e saudosa das antigas hegemonias.
É antissoberana e abdica da autodeterminação dos povos.
Essa é a principal ameaça à construção de um continente integrado, desenvolvido e independente.
As forças progressistas precisam recuperar várias bandeiras que um dia já foram nossas.
E precisamos fazer isso unidos, sem dispersão.
Ninguém vive numa redoma, isolado dos dilemas da humanidade.
Somos herdeiros de longa tradição que vem das lutas pela independência, da abolição da escravidão, da conquista dos direitos trabalhistas e do voto universal.
Nossa missão histórica é ser portadores da esperança e promover a igualdade e o desenvolvimento sustentável.
Democracia não é só votar — é ter comida na mesa, ter uma casa, ver seus filhos na universidade, desfrutar de lazer e cultura.
Como afirmou o Papa Francisco, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza e nem justiça na desigualdade.
Um novo pacto social, que coloca as pessoas no centro das políticas públicas, passa pelo resgate do papel do Estado como instrumento para a conquista e efetivação de direitos.
O “Estallido Social” no Chile foi o grito de quem não aceita mais privilégios para poucos.
A concentração de renda é tão absurda que 1% das pessoas mais ricas do planeta controla 45% da riqueza global.
733 milhões de pessoas no mundo continuam passando fome e vida sem eletricidade e água.
Mas não falta dinheiro nem alimentos. O que falta é indignação e vontade política.
Recolocar o combate à fome e à pobreza no centro das prioridades da comunidade internacional é a principal tarefa da Aliança lançada pela presidência brasileira do G20, no ano passado.
Sem justiça tributária, as distorções continuarão se ampliando em favor do grande capital e dos bilionários.
Os super-ricos e os negacionistas andam de mãos dadas.
Os efeitos da mudança climática deterioraram a qualidade de vida em todo o mundo.
As situações mais vulneráveis são as mais atingidas.
Na COP-30, no coração da Amazônia, o Brasil quer discutir caminhos para uma transição justa.
A participação social será essencial para o seu sucesso.
Abaixo de cada copa de árvore existe um indígena, um quilombola, um ribeirinho e um seringueiro que precisa sobreviver.
Sem metas ambiciosas não impediremos que o aquecimento global supere um grau e meio.
É impossível seguir indefinidamente um modelo de crescimento baseado em combustíveis fósseis.
Durante séculos, a exploração mineral gerou riqueza para poucos e deixou rastros de destruição e miséria para muitos.
Proteger biomas como a Amazônia, o Atacama e os fundos marinhos é fundamental para evitar os efeitos danosos das práticas neocolonialistas e neo-extrativistas.
Não haverá democracia e desenvolvimento sustentável num mundo conflagrado.
Ano após ano, guerras e conflitos se acumulam.
Na Ucrânia, é preciso que as partes se sintam para falar de paz.
Nada justifica a matança indiscriminada de milhares de mulheres e crianças em Gaza.
Gastos militares consomem anualmente o equivalente a 2,7 trilhões de dólares.
Esse montante poderia ser investido no combate à fome e na transição justa.
Enfrentar a série de dilemas impostos pelo avanço das novas tecnologias é outra tarefa coletiva urgente.
Nossas sociedades estarão sob constante ameaça sem regulação das plataformas digitais e das “Big Techs”.
Esse é o grande desafio contemporâneo dos estados soberanos.
O que é crime na vida real deve ser crime no ambiente digital.
Liberdade de expressão não se confunde com liberdade de agressão.
As redes digitais não são uma terra sem lei em que é possível atentar impunemente contra a democracia, incitar o ódio e a violência.
A experiência brasileira mostra que o equilíbrio entre os poderes constituídos, a resiliência e o fortalecimento das instituições são cruciais.
Defender a democracia é uma tarefa de governos, sociedade civil, estudantes, trabalhadores, parlamentares, empreendedores, mulheres, afrodescendentes e os povos indígenas.
É uma tarefa que exige desprendimento e compromisso dos atores públicos.
Minhas amigas e meus amigos,
O momento é singular. E singular deve ser a nossa atitude.
Me inspirei em Violeta Parra para “VOLTAR A TER 17 ANOS, TODOS OS DIAS, DEPOIS DE VIVER UM SÉCULO”.
Eu tenho 79 anos e peço a Deus que me permita viver até os 120. Saio revigorado deste diálogo com os movimentos sociais.
Quem tem uma causa não envelhece.
A história nos ensina que nenhum retrocesso se sustenta diante da mobilização popular.
Viva a democracia! Viva o direito de viver em paz!
Muito obrigado.
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