Caminhos da
educação: a volta ao analógico?
Abraham
Benzaquen Sicsu
Um amigo me alerta. Na Suécia, país que adotou o digital como modalidade de ensino, há uma volta ao analógico em certas áreas. Como assim? Isso destoa do que tem sido visto, recentemente.
Em um programa de
inovação, no qual fiz parte como membro do comitê de avaliação, uma parcela
significativa dos projetos apresentados era na área de digitalização do ensino.
Bem formatados, bem estruturados. Só tenho dúvidas dos resultados práticos que
se alcançarão.
O Governo de São
Paulo, por exemplo, em fins de 2024, resolveu fornecer para os alunos do
Fundamental II e do Ensino Médio apenas material didático digital. Verdade que
gerou críticas e preocupações. Especialistas se manifestaram alertando para
riscos na formação e na compreensão lógica dos discentes. Alegavam não haver
experiências internacionais que comprovassem a eficácia de tal encaminhamento.
A posição mais usual
entre os especialistas da área é acreditar que a formação das gerações futuras
deve passar pela a adoção de sistemas mistos em que o digital se associe ao
analógico. Vai além da necessidade de capacitar os professores para os novos
processos e de ter infraestrutura adequada nas escolas para as novas propostas
pedagógicas. Experiências recentes, como a da Suécia, que tentou a
digitalização completa, têm voltado atrás. Outros países nórdicos parecem
trilhar o mesmo caminho.
Os resultados parecem
trazer problemas. A UNESCO, por exemplo, sugeriu a retirada dos celulares das
salas de aula, medida que também foi adotada no Brasil.
Na Suécia, por
exemplo, após a digitalização total, desde 2022 começa-se um recuo, retomando
livros didáticos impressos. A falta da prática da leitura em papel mostrou uma
queda de desempenho significativa e trouxe um desenvolvimento cognitivo das
crianças e adolescentes menor do que o esperado.
Vejam bem, o sistema
educacional sueco é reconhecido mundialmente pela sua qualidade e foco no
crescimento das habilidades do alunato. A tecnologia de informação e
comunicação é disponível em todas as instituições de ensino, há uma ampla disponibilidade
de recursos didáticos. Mesmo assim, voltou atrás e, em 2023, teve um orçamento
de quase 50 milhões de euros para a compra e distribuição de livros didáticos impressos.
Essa mudança de
postura em 2022 vem se chocar com a defesa quase cega de alguns técnicos
educacionais e governos regionais em nosso país. Esta mudança na Suécia não foi
ao acaso, teve razões concretas.
As notas nos exames
de avaliação do país, frente aos países da OCDE caíram significativamente. A
ministra da Educação chegou a afirmar que “estamos em risco de criar uma
geração de analfabetos funcionais”, baseada nas notas auferidas em exame de
avanço da leitura, o PIRLS - Estudo
Internacional de Progresso da Leitura. A implantação de maneira acrítica da
digitalização total levou a esse desempenho segundo as autoridades suecas. Os
alunos perderam o hábito da leitura, os pais não conseguiam acompanhar a
evolução dos filhos.
Notava-se, o
desempenho das crianças suecas ainda era superior à média européia, sua
habilidade de leitura, embora tenha caído, ainda mantinha padrões aceitáveis.
No entanto, os analistas confirmavam, quase por unanimidade, que o uso
exclusivo de telas nas salas de aula teve forte impacto para essa diminuição.
Pesquisas escolares e
redações eram feitas sempre em tablets e de maneira acelerada dificultando o
aprendizado. Pesquisas feitas com docentes mostraram que a grande maioria do
alunato jamais tinha redigido um texto manualmente.
Além disso, o uso
excessivo das telas, se comprova, traz um custo cognitivo significativo,
também, prejudicando o sono e mesmo a comunicação em grupos.
Reintroduzir maior
quantidade de livros para incentivar a leitura é estratégia importante. A crise
da leitura estudantil era facilmente observável. Incentivar um maior tempo para
a leitura em papel e diminuição da exposição às telas fazia-se necessário.
A UNESCO,
em relatório recente, “Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de
quem?”, chama a atenção para os impactos negativos da introdução de tecnologias
na educação sem uma reflexão crítica.
Analisando o caso peruano, por exemplo, alerta para que a distribuição de mais de um milhão de microprocessadores não trouxe vantagens significativas para a aprendizagem.
Em pesquisa realizada com alunos brasileiros de 15 anos,
mostra-se que o aprendizado apresenta fortes limitações no que tange ao
desenvolvimento da criatividade como habilidade para a resolução de problemas.
Esse aspecto, que tem
sido detectado nas pesquisas da área, como a PISA- Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes, uma
avaliação internacional de estudantes de 15 anos coordenada pela OCDE, mostra
que o preparo apenas digital para a vida acadêmica e para a vida fora dos muros
da escola, traz fortes restrições para o desenvolvimento pessoal e profissional
dos nossos jovens. Limita sua independência e capacidade de iniciativas.
Outro aspecto a resgatar na educação de base analógica é o
incentivo ao trabalho em grupos. A interação social aumenta, evita-se o
isolamento do relacionamento quase que exclusivo com a tela e prioriza-se uma
vida mais comunitária.
Perceber as vantagens da colaboração é fundamental,
compartilhar idéias e soluções aumenta a criatividade e a inserção social, o
trabalho em equipe faz parte da aprendizagem para a vida.
Por fim, deve-se ressaltar que é um perigo cair no oposto
do modelo de digitalização e falar simplesmente de volta ao analógico.
Não se podem negar os avanços que a área também deu. Há
vantagens claras nas novas ferramentas computacionais que devem ser
incorporadas. O mundo está mudando e não se podem desprezar os caminhos que têm
sido observados na área computacional, inclusive facilitando a aprendizagem e o
acesso à informação mais ampla e mais estruturada.
O que está sendo ressaltado, neste texto, é a importância,
para o sistema educacional, de não menosprezar os avanços da digitalização,
sem, contudo, deixar de lado o analógico e a cultura de aprendizagem que se
mostrou eficiente em diferentes campos.
Trabalho em equipe, incentivo à leitura de livros,
desenvolvimento de habilidades como criatividade, exigem um passo atrás nos
obcecados pelas novas ferramentas digitais, entendendo que é necessária uma
mescla de metodologias adequada para a formação do futuro cidadão.
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Programa China-América Latina projeta autonomia digital https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/chinaamerica-latina-versus-big-techs.html
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