PC do Chile: vitória que fortalecerá a resistência latino-americana
Uma eventual vitória do PCCh em 2025 pode se tornar um poderoso símbolo de resistência a ecoar para além das fronteiras chilenas e inspirar as Américas e o mundo
Thiago Modenesi/Vermelho
A esquerda chilena escolheu, em 29 de junho, Jeannette Jara, do Partido Comunista, como sua candidata para o primeiro turno das eleições presidenciais em 16 de novembro. Quatro candidatos disputaram a indicação na coalizão; Jara recebeu 60,2%, enquanto Carolina Tohá, do Partido Social-Democrata, ficou com 28,3%. Gonzalo Winter, da Frente Ampla (do atual presidente, Gabriel Boric), obteve 9% dos votos, e Jaime Mulet, da Federação Social Regionalista Verde, ficou com 2,9%.
Com a sua vitória, é a primeira vez desde a volta da democracia, em 1990, que o Partido Comunista vence a indicação unificada da esquerda e emplaca o candidato à Presidência. O resultado também é uma derrota do agrupamento liderado por Boric, que havia derrotado os comunistas na indicação de 2021 nas primárias quando estes tinham como candidato Daniel Jadue que era considerado o favorito na época.
Com isso, a paisagem política chilena, ainda reverberando os ecos do Estalido Social de 2019 e o turbulento processo constituinte subsequente, prepara-se para um momento crucial: as eleições presidenciais de 2025. Nesse cenário, uma possibilidade histórica ganha contornos cada vez mais nítidos: o da vitória, de um candidato presidencial do Partido Comunista do Chile (PCCh).
Mais do que uma conquista partidária, uma eventual vitória do PCCh representaria um poderoso símbolo de resistência ao duplo avanço da extrema direita e do neoliberalismo exacerbado, ecoando além das fronteiras chilenas para inspirar as Américas e o mundo.
A revolta popular de 2019 foi um grito coletivo contra as profundas desigualdades geradas pelo modelo neoliberal chileno, herdado da ditadura e aprofundado nas décadas seguintes. O PCCh, historicamente crítico desse modelo e ativo nas lutas sociais, posicionou-se como uma voz consistente na demanda por transformações estruturais. A frustração com a rejeição da primeira proposta constitucional progressista e a persistência dos problemas sociais mantêm essa demanda viva.
A forte votação de José Antonio Kast em 2021 e a influência crescente de seu agrupamento, o Partido Republicano, realizou uma polarização clara. O discurso autoritário, negacionista, antidireito e ultraliberal de Kast funciona como um poderoso acontecimento para a mobilização de setores progressistas e de esquerda. O medo do retrocesso que Kast representa atua como um fator de união em torno de alternativas capazes de derrotá-lo.
As pesquisas apontam Matthei (da coalizão Chile Vamos, expoente da direita mais tradicional) liderando, mas com Kast colado. Após a indicação de Jara, o ambiente político-eleitoral do país se polarizou ainda mais.
Após períodos de divisão e fragilidade, o PCCh emerge como uma força organizada, com forte inserção social (especialmente através de figuras como Karol Cariola, Iraci Hassler e Daniel Jadue) e uma mensagem clara de defesa dos direitos sociais, do meio ambiente e da soberania nacional.
As experiências de Jadue como prefeito da Recoleta e de Hassler como prefeita de Santiago, somadas à habilidade política de Cariola, deram ao partido uma visibilidade e renovaram inéditas governativas. A capacidade de dialogar com movimentos sociais e outras forças de esquerda é um trunfo essencial.
A advogada Jeannette Jara se soma a essas lideranças e conseguiu melhorar apoios e cimentar a unidade do campo progressista chileno; elaborou o consenso na coalização que inclui os demais ex-candidatos e já teve a sinalização pública do atual presidente do qual foi ministro, inclusive.
O governo de Gabriel Boric, apesar de representar uma ruptura com a direita tradicional, enfrentou dificuldades na implementação de transformações profundas dentro das restrições do sistema político e econômico vigente. Isso pode gerar desencanto em parte do eleitorado que anseia por mudanças mais radicais, abrindo espaço para uma proposta mais ousada como a do PCCh, numa vitória presidencial em 2025 que transcenderia enormemente a política interna chilena. Seu significado positivo seria profundo, com um contraponto ao avanço da extrema-direita global.
Em um contexto mundial onde forças de extrema direita ganham terreno (EUA, Europa, América Latina), uma vitória de uma força de esquerda histórica, antifascista e claramente oposta ao projeto de Kast, seria um sinal contundente de que esse avanço não é alcançado. Mostraria a força da mobilização popular e da organização política progressista para barrar projetos autoritários e regressivos.
O Chile foi o laboratório do neoliberalismo na região com Pinochet, a primeira experiência real nesse sentido no mundo, antes mesmo de Tatcher no Reino Unido e Reagan nos EUA. Uma vitória do PCCh, partido que sempre o combateu, representaria o eliminado popular mais contundente possível a esse modelo em sua terra natal. Seria um exemplo prático e poderoso para outros países das Américas e do mundo que lutam contra a precarização da vida, a privatização de direitos básicos e a concentração de riqueza. Enviaria uma mensagem de que alternativas ao mercado como Deus não são apenas possíveis, mas eleitorais viáveis.
Uma vitória fortaleceria os governos progressistas na região (como os de Petro, Lula, Orsi e Sheinbaum), criando um eixo sul-americano mais forte em defesa da democracia, dos direitos sociais, da justiça ambiental e da integração soberana. Daria novos esforços para iniciativas como a Celac, Mercosul e Brics, além de fortalecer a voz da América Latina em fóruns globais.
Simbolicamente, será uma vitória da resistência histórica. O PCCh, perseguido ferozmente durante a ditadura de Pinochet, alcançando a presidência pela via eleitoral burguesa, seria um poderoso símbolo de superação e esperança para forças populares em todo o mundo que lutam contra a opressão e por um futuro mais justo.
A possibilidade é real, mas os desafios são imensos, a fragmentação da esquerda foi fatal nas eleições passadas. O PCCh precisa ser o núcleo aglutinador de uma frente ampla (semelhante à Dignidade de Apruebo, mas ampliada) capaz de conquistar desde o seu eleitorado mais fiel até setores moderados de descontentes. A habilidade de construir alianças sólidas e apresentar uma candidatura viável e unificadora é crucial, algo que Jara tem conseguido costurar muito bem até o presente.
A direita e a extrema direita explorarão ao máximo o estigma histórico do fantasma do comunismo, associando o PCCh ao autoritarismo e ao colapso econômico em outros países, como tem feito nas eleições recentes por toda a América Latina. O partido precisará fortalecer eficazmente essa narrativa, apresentando um programa concreto, democrático e viável, enfatizando sua defesa intransigente das instituições democráticas e sua luta por justiça social dentro do marco constitucional (seja o atual ou um futuro reformado).
A direita chilena (UDI, RN) e a extrema direita (Republicanos) podem buscar uma união pragmática no segundo turno para derrotar o candidato do PCCh, replicando a estratégia que levou Boric à vitória contra Kast. Orado eleito de centro-direita e até moderado poderá ser mobilizado pelo medo de uma vitória comunista.
Além disso, o desempenho da economia chilena e a capacidade do governo Boric de entregar melhorias tangíveis até 2025 influenciarão o clima eleitoral para o bem ou para o mal. Uma situação econômica difícil pode tanto ser transferida para a busca por alternativas mais radicais quanto alimentar o discurso de insegurança da direita.
A possibilidade do Partido Comunista do Chile conquistar a presidência em 2025 é mais do que uma hipótese eleitoral; é um reflexo do profundo mal-estar social e da busca por alternativas ao neoliberalismo e à ameaça da extrema-direita que assolam o Chile e o mundo. A resistência ao projeto de José Antonio Kast e a destruição do modelo que gerou tanta desigualdade são os motores centrais dessa oportunidade.
Se o PCCh e Jeannette Jara conseguirem superar os desafios internos da esquerda e dos setores do centro, apresentarem um programa capaz de unir amplos setores e enfrentar eficazmente a campanha do medo, sua vitória não apenas fará história no Chile, mas ascenderá como um farol de esperança.
Será a demonstração palpável de que a organização popular, a defesa intransigente da democracia e a busca pela justiça social podem triunfar sobre o autoritarismo e a ganância desregulada do mercado.
Nas Américas e no mundo, um Chile governado por Jara e pelo PCCh, nucleando uma ampla frente de centro-esquerda, se tornará um símbolo poderoso, uma prova de que outra via, de resistência e transformação radical dentro da democracia, não só é possível, mas pode ser vitoriosa nas urnas. A batalha está postada, e seu estágio terá repercussões que irão muito além dos Andes.
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