Alvo de críticas internas, autora de artigo contra PEC dos gastos deixa
Ipea
Ricardo Senra, BBC Brasil em São Paulo
Coautora de
um artigo crítico publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) sobre o projeto do governo que altera a Constituição para limitar
gastos públicos pelos próximos 20 anos, a pesquisadora Fabiola Sulpino Vieira
pediu exoneração do cargo de coordenadora da área de saúde da instituição.
A informação
foi confirmada pelo Ipea à BBC Brasil nesta quinta-feira, dois dias após o
presidente do instituto, Ernesto Lozardo, enviar nota pública contestando a
posição da pesquisadora e declarando apoio do instituto à PEC (Proposta de
Emenda Constitucional) 241 - apresentada como principal projeto do governo Temer
contra a crise econômica.
O gesto foi
visto com surpresa por parte dos servidores da instituição, que classificaram a
exoneração como fruto de "pressão interna" e "intimidação"
- o instituto nega e ressalta que o pedido partiu da ex-coordenadora.
A nota técnica
que foi alvo da controvérsia, publicada em setembro e assinada por Vieira com o
pesquisador Rodrigo Benevides, aponta que a proposta aprovada pela Câmara dos
Deputados na última segunda-feira pode resultar em perdas de até R$ 743 bilhões
para a saúde.
Para os
autores, a PEC parte do "pressuposto equivocado de que os recursos
públicos para a saúde já estão em níveis adequados" e "impactará
negativamente o financiamento e a garantia do direito à saúde no Brasil".
Em resposta,
a presidência do Ipea afirmou que as conclusões são de "inteira
responsabilidade dos autores" e classifica parte da nota como
"irrealista e desconectada", enumerando dez pontos críticos ao
trabalho técnico.
"A
posição institucional do Ipea é favorável à PEC 241, por entender que ela
possibilitará o equilíbrio das contas federais e um novo círculo virtuoso de
crescimento", finaliza o texto assinado por Lozardo, que assumiu a
instituição após o afastamento de Dilma Rousseff, em junho, e tem relação
próxima ao presidente Michel Temer.
O texto
criticado publicamente por Lozardo, entretanto, havia sido apresentado a um
colegiado de diretores da instituição antes da publicação - incluindo o próprio
presidente do Ipea, que estava presente na ocasião.
Bastidores
A reportagem apurou que Vieira, especialista em políticas
públicas e gestão governamental, foi chamada pessoalmente por Lozardo para dar
explicações sobre o artigo. O pedido de afastamento aconteceu no dia em que a
contestação foi publicada pela presidência.
"Fabíola Vieira não faz parte dos quadros do
Ipea", segundo a instituição. O órgão afirmou à BBC Brasil que Vieira
"pediu, por sua iniciativa, exoneração do cargo de coordenação que ocupava
no Ipea, na última terça-feira, em caráter irrevogável". "Em virtude
do caráter do pedido, a administração do Ipea deu encaminhamento à exoneração,
como é praxe em qualquer caso semelhante."
Pessoas próximas afirmam que a pesquisadora prefere não
comentar o caso - a reportagem não conseguiu contato com ela nos últimos dois
dias.
Outros pesquisadores e coordenadores de diferentes
diretorias do instituto, no entanto, foram entrevistados sob condição de
anonimato. Eles afirmam que a contestação pública do artigo causou
"constrangimento" aos pesquisadores porque "fere a liberdade e a
pluralidade de visões" da instituição.
"Este não foi um artigo que saiu da cabeça dos
pesquisadores e foi publicado. Notas técnicas são fruto de um processo demorado
que envolve diversas conversas e aprovações", disse outro funcionário.
"O texto passou pelo crivo de vários diretores e teve a publicação
aprovada. Ele (Lozardo) resolveu desautorizar algo que ja havia sido
autorizado."
A contestação pública do presidente ao artigo da
ex-coordenadora foi classificada como "sem precedentes" por alguns
servidores. Questionado, o Ipea não respondeu se
episódios similares já aconteceram antes e afirmou que "não houve
desmentido", porque o texto da nota continua "acessível no portal
Ipea junto a todos os estudos que já foram produzidos pelo instituto".
"A nota da Presidência do
Ipea deixa claro que as conclusões são de inteira responsabilidade dos dois
autores e destaca que a direção do Ipea diverge das conclusões da nota técnica,
porque o texto desconsidera diversas variáveis cruciais para se projetar ganhos
ou perdas de recursos para a área de saúde até 2036, a partir da PEC 241",
afirmou a instituição.
Ética X Censura
A polarização nos corredores do Ipea se intensificou pela
discussão interna de um novo Código de Ética para a instituição, ligada ao
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
O ponto que mais gera polêmica
entre servidores é uma proposta incluída pela gestão atual, que limita
pesquisadores a comentarem apenas assuntos e relacionados a suas diretorias. O
item foi visto como "censura prévia" que abriria precedentes para
"retaliações" a artigos críticos ao governo.
O Ipea disse à reportagem que não comentaria as
críticas sobre o conteúdo da minuta e afirmou que a revisão do código
"começou a ser discutida em 2013, diante da constatação de que o código em
vigor (...) não tratava de questões como conflito de interesse e a ética na
pesquisa".
Segundo o instituto, um texto-base texto foi apresentado à
nova diretoria, "que recomendou um amplo debate interno e manifestação de
todos os servidores do Ipea sobre a proposta de código de ética".
"Este é o estágio atual", informou.
O prazo para manifestações de pesquisadores sobre o texto se
encerra em 31 de outubro - depois disso, um novo texto será enviado para
"análise da área jurídica para publicação do novo Código de Ética em
dezembro".
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