09 agosto 2021

Cena política

Começa a se esboçar um cenário eleitoral sem Bolsonaro

Luís Nassif, Jornal GGN

 

O cenário político e econômico tornou-se particularmente complexo com um conjunto de eventos que está escancarando a incapacidade do governo Bolsonaro de administrar o furacão que se forma.

Crise política

Há possibilidade concreta de o Tribunal Superior Eleitoral cassar a chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão. As ações penais podem ser impedidas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e pelo Procurador Geral da República Augusto Aras. Já as decisões do TSE só podem ser questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF). É o que explica os ataques continuados de Bolsonaro contra o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. Há tempos, Bolsonaro percebeu no tribunal sua maior vulnerabilidade e tratou de abrir criar um fato político para declarar guerra antecipada contra a ameaça. Conseguiu juntar todo o TSE contra ele.

Além disso, entrou em uma armadilha complexa para seu tipo de raciocínio binário. A cada dia perde mais popularidade: n. Nas redes sociais, entre os bolsonaristas há o predomínio massacrante de robôs – identificados pelo nome, numeração, e poucos seguidores. De um lado, é obrigado a manter o discurso radical, para impedir a dispersão dos seguidores. Procedendo assim, aumenta a probabilidade de ação definitiva do TSE contra a chapa. 

Fator militar

Some-se o enorme desgaste da corporação militar com a parceria com Bolsonaro. Em pouco tempo liquidaram com as fantasias de que corporações militares são mais honestas, mais competentes e mais patrióticas que as civis. As revelações da CPI do Covid, somadas aos erros de cálculo do Ministro da Defesa, general Braga Neto,  esvaziaram a legitimidade das FFAAs para aventuras antidemocráticas.

Em outros tempos, havia teóricos capazes de desenvolver teses legitimadoras de golpes. E havia o apoio nos Estados Unidos. Hoje em dia, faltam ideias e falta apoio. Sequer têm claro a noção do interesse nacional. Em outros tempos, mesmo na ditadura, havia uma posição altiva em relação a interferências externas. Hoje em dia, há uma submissão total aos EUA e a completa ausência de teses legitimadoras para a própria existência do modelo atual de Forças Armadas.

A questão econômica

O horizonte econômico está nublado pela absoluta incapacidade do Ministro da Economia, Paulo Guedes, em adotar qualquer atitude proativa em relação a problemas cruciais que estão no radar.  São eles:

Crise energética

O Governo Bolsonaro adota o mesmo negacionismo adotado emem relação ao Covid. E, como à frente do Ministério das Minas e Energia há mais um militar, Bento Albuquerque, incapaz de enfrentar as loucuras de Bolsonaro. No site do MME, alerta-se para a gravidade da crise atual. Mas não foi capaz de planejar nenhuma campanha pública de redução do consumo. Segundo os especialistas, o quadro atual é mais grave que 2001. Os reservatórios atuais garantiriam energia até 24 de outubro. E o período das chuvas começa apenas no final de novembro, havendo ainda um bom espaço de tempo para fazer efeito nos reservatórios. 

Com menos energia haverá apagões cada vez mais frequentes, especialmente entre 18 e 21:30.

Se o governo tivesse iniciado o racionamento em maio, haveria a necessidade de economizar 5% da carga; com a demora, a necessidade subiu para 12%. Como o governo se recusa a falar em racionamento oficial, haverá um racionamento informal das distribuidoras. Algumas delas já enviam cartas a seus consumidores informando que não poderão se responsabilizar por apagões não previstos.

Inflação

Há sinais de pressão de preços em várias frentes, muitas delas fruto da enorme inação de Paulo Guedes. Por exemplo, a indústria automobilística enfrenta problemas com a oferta de chips. Na maioria dos países, os governos nacionais saem na linha de frente, entendendo o impacto do setor sobre a economia. Por aqui, não existe área econômica. A interrupção no fornecimento reduziu a produção de carros novos, para atender o crescimento da demanda, e levou a um aumento na procura por carros usados, pressionando diretamente os índices de preço. O preço do automóvel usado aumentou 8,5% em 12 meses – e o mercado acredita que a alta ainda está subestimada.

Outro terreno minado é o de produtos de construção. Em 12 meses, o cimento aumentou 20,81%, o tijolo 20,32%, material hidráulico 36,23%,

Some-se a falta de uma política de contenção das oscilações do câmbio e do petróleo e se tem o mercado já apostando em uma inflação próxima dos 10% ao ano.

Política monetária

Outro enorme motivo de insatisfação é a atuação do Banco Central. O presidente Roberto Campos Neto herdou o radicalismo liberal do avô, nas lides jornalísticas, e nenhum pouco do seu pragmatismo como ministro. A única ferramenta que sabe manejar é a política monetária o câmbio. Recebeu dos governos anteriores uma montanha de reservas cambiais. Com um canhão desses na mão, poderia desestimular qualquer corrida contra o real e a evitar oscilações na moeda. Mas não ousa, mesmo sabendo que o único impacto da política monetária é sobre o câmbio: sempre que aumenta os juros, aumenta a entrada de dólares no país (e a mídia comemora como se fosse sinal de fé na economia); e vice-versa.

Lá atrás, derrubou as taxas de juros a níveis históricos. O investimento externo reduziu, pressionando as cotações. Como não ousou impedir esse movimento, a explosão do câmbio impactou diretamente a inflação. Agora, aumenta os juros, com um profundo impacto na dívida pública e o faz de forma errática. A medida de eficiência da política monetária é quando o BC consegue aproximar a taxa longa de juros das taxas de curto prazo. É sinal de que o mercado acredita na estabilidade da inflação. No momento, a taxa longa está perto de 10%.

Contas públicas

Guedes entrou em outra armadilha. Criou-se um fetiche em torno da Lei do Teto. Guedes elevou-o à condição de dogma. Agora, precisa conseguir recursos para garantir os programas sociais no ano eleitoral. Seu recurso foi obrigar a Petrobras a antecipar R$ 21 bilhões em dividendos, para permitir ao governo juntar recursos para o próximo ano.

Com os dois movimentos, política monetária de Campos Neto e a distribuição inesperada de dividendos pela Petrobras, aumentou a desconfiança do mercado em relação a Bolsonaro.

O jogo da 2a e da 3a via

Esse conjunto de fatores começa a lançar dúvidas cada vez mais consistentes sobre o futuro do governo Bolsonaro. À medida que se fortaleça a convicção de que será cassado, setores ditos liberais – que, nos últimos tempos, abraçaram a causa democrática – voltarão seus canhões contra Lula.

Afinal, no Brasil, convicções são como as ondas do mar, ou as nuvens do céu: seguem apenas os movimentos dos ventos da opinião pública.

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Veja: Na relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, separar o joio e o trigo é necessário https://bit.ly/3xOWa13

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