É
difícil compreender palavras e expressões estranhas, como 'quebrar linhas'
Nas últimas décadas, houve grande
evolução científica na maneira de jogar, e isso é importante, não a nova
linguagem
Tostão*, Folha de S. Paulo
A maioria
das pessoas, geralmente jovens e adolescentes, que começam a gostar de futebol
não querem apenas torcer. Querem também entender. Assim, o jogo fica mais
prazeroso. Porém elas têm muita dificuldade de compreender a terminologia, as
explicações técnicas e táticas, os clichês, as milhares de regrinhas da
arbitragem, as incertezas do futebol e tantas outras coisas.
Mais
difícil ainda é compreender algumas palavras e expressões estranhas, que não se
explicam, repetidas dezenas de vezes, como "quebrar linhas",
"atacar espaços", "atacar a bola", "trocação", e
muitos verbos, como "espetar" e "espirrar".
Nas
últimas décadas, houve uma grande evolução científica na maneira de jogar. Isso
é novo, moderno e importante, não a nova linguagem.
Alguns
conceitos e explicações são confusos. Em todas as equipes brasileiras e
estrangeiras que atuam com três zagueiros, os três jogam em linha. Não há
zagueiros na sobra nem líberos, como gostam tanto de dizer. O líbero do passado
atuava atrás dos dois zagueiros, para fazer a cobertura, e se transformava em
meio-campista quando a equipe recuperava a bola.
Nas
equipes que jogam com três zagueiros e com dois alas, estes costumam atuar na
linha do meio-campo, deixando muitos espaços nas costas. Os zagueiros tentam
sair para a lateral, para fazer a cobertura, e costumam chegar atrasados.
A moda é
fazer uma linha de cinco atrás (três zagueiros e dois defensores pelos lados).
Poucos times conseguem, como o Chelsea, defender com cinco e avançar com muitos
jogadores quando recuperam a bola. São times defensivos e ofensivos.
Com
frequência, tratam o trio do meio-campo, com dois volantes em linha e um meia
de ligação à frente dos dois —assim jogam quase todos os times brasileiros—,
como se fosse igual ao trio formado por um volante centralizado e um
meio-campista de cada lado, que jogam de uma intermediária à outra e que
marcam, constroem e atacam. Assim atuam quase todas as equipes europeias.
Uma
terminologia frequente no futebol é a do falso centroavante, que seria o
jogador mais adiantado e que não se limitasse a atuar próximo à área, para
finalizar ou para ser um pivô. Deveria ser o contrário. O verdadeiro
centroavante é o que se movimenta, que participa das jogadas ofensivas e que
ainda faz gols.
Habilidade,
técnica e talento são tratados, muitas vezes, como se fossem sinônimos. Cristiano
Ronaldo possui a habilidade de um bom jogador e uma técnica
exuberante, dos grandes craques. A técnica é a execução dos fundamentos da
posição, além da lucidez para fazer as escolhas certas e entender o jogo
coletivo.
Vinicius
Junior tem evoluído porque, além de ser bastante hábil e veloz, tem melhorado a
técnica. No Brasil, adoram exaltar os meias hábeis, dribladores, velozes, mas
com pouca técnica. Depois, não entendem por que não se tornaram craques. O
talento é a síntese da habilidade, da técnica, da criatividade e das condições
físicas e emocionais.
Cada
profissão tem uma linguagem e uma terminologia, que, muitas vezes, são
incompreensíveis para as pessoas de outras atividades. De vez em quando,
aparece, nas coberturas policiais, um falsário, criminoso, chamado de
antissocial, que, sem diploma, decora os atos e a linguagem de uma profissão
para exercê-la. Soube de um que chegou a ser chefe de um setor importante de um
hospital, antes de ser descoberto e preso. Dizem até que era competente.
[Ilustração: Francisco Eduardo]
*Médico, cronista, ex-jogador campeão mundia de futebol pela seleção brasileira
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