16 outubro 2021

Justiça de classe

Caso de mulher faminta que furtou em supermercado expõe onde está o perigo

A Justiça seletiva é velha conhecida da opinião pública
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo

 

Cuidado. Um perigo não identificado transita pela cidade de São Paulo, se não saiu daí para outros ares hospitaleiros. Sua liberdade de ameaçar o país foi assegurada pelo Superior Tribunal de Justiça. Contra um dos mais aceitos costumes jurídico-sociais, contra o Ministério Público e contra a decisão de uma juíza e seu senso de justiça.

A ameaça está dimensionada sem subterfúgios nas palavras em que a juíza concorda com o pedido de prisão preventiva, longa e severa, feita pelo Ministério Público para a fonte da ameaça, já na cadeia: a prisão preventiva, no caso, "é a mais adequada para garantir a ordem pública, porquanto, em liberdade, a coloca em risco, agravando o quadro de instabilidade que há no país".

Uma força tão nefasta, portanto, quanto Bolsonaro e o furor destrutivo do bolsonarismo. Basta-lhe, o que não ocorre a Bolsonaro, o desfrute da liberdade de ir e vir para agravar a instabilidade do país. Logo, é também uma força de alcance nacional. Que pode ser assim descrita: mulher, 41 anos, cinco filhos entre 2 e 16 anos, faminta e famintos, e por isso furtou dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó, que o supermercado na Vila Mariana avaliou em R$ 21,69.

Questão interessante, dentre as muitas suscitadas pelo episódio, seria identificar qual das suas três partes é a mais representativa do Brasil. O olhar em que se esperaria ao menos algum discernimento, devido pela magistratura, refletiu a paranoia feita, além do mais pessoal, de séculos de discriminação, Justiça seletiva, indiferença aos desservidos da sorte.

Só na tão cantada originalidade brasileira uma magistrada, do alto dos seus códigos, é capaz de ver em uma mulher —mãe paupérrima— as condições para pôr em risco a ordem pública, a ponto de agravar a instabilidade criada por generais, um celerado e seu bando de aproveitadores.

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