Sobrecargas do professor
Marcelo Mário de Melo*
Um redobrar de sobrecargas e exigências
se impõe sobre o ofício de professor do ensino fundamental e médio. Sob o
império do discurso da educação como via condutora – ou varinha mágica - para
solucionar todos os problemas da vida. Da atualização econômica, segundo os
patamares da globalização, à redução da violência. Passando por educação
ambiental, sexual, no trânsito, para o mercado, a cidadania e a cultura de paz
etc.
Novas disciplinas obrigatórias
engrossam as exigências curriculares, a exemplo de linguagens artísticas,
cultura afro-brasileira, filosofia, sociologia. Multiplicam-se os temas
transversais a serem tratados no processo de ensino-aprendizagem, sob o
discurso da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade. Mas faltam
providências para que os professores sejam capacitados e tenham acesso aos
instrumentos e meios para atender às novas demandas.
A informática de constitui em adicional
de sobrecarga e tensão, pois, em geral, os professores são analógicos e os
alunos digitais, instalando-se aí uma séria dificuldade técnológico-cognitiva e
comunicativa no processo pedagógico. As escolas também estão defasadas na sua
infraestrutura de informática. Assim como sempre estiveram no que diz respeito
a bibliotecas escolares e laboratórios, nos tempos da máquina de escrever e do
audiofone. Acumulam-se as desatualizações.
Hoje, como ontem, as pressões empresariais
e tecnoburocráticas, requerendo mão de obra qualificada para as novas vertentes
da economia, reduzem o sistema de ensino a esse viés, amesquinhando o sentido
maior da educação, que é propiciar saberes para a formação de pessoas livres,
dotadas de espírito crítico e cosmovisão.
Paralelamente, a onda do gerencialismo
coloca a ênfase nos métodos de acompanhamento e controle, nas premiações por
resultados e na terceirização, descuidando da contratação e da formação do
professor, do salário, da dimensão cultural da escola, dos equipamentos
educativo-culturais, do compromisso mais amplo com a ilustração e a
libertação.
A recorrência aos espaços e atribuições
educacionais como moedas de troca de negociações políticas de cunho
clientelista, também se em constitui em componente negativo nesse
caldeirão.
Temos ainda a família desestruturada ou
estressada, com pais e mães sob o mesmo teto, separados ou solteiros,
trabalhando em dois ou três expedientes para atender às necessidades
elementares de sobrevivência e às seduções do consumismo que lhes envolve e aos
filhos. Questões ligadas a autoridade e limites, direitos e deveres,
pertencentes ao âmbito familiar, aí não são tratadas e se projetam para a
escola e a alçada do professor.
A escola inclusiva acolhe crianças
especiais. E há aquelas carentes de acompanhamento psiquiátrico e/ou
psicoterápico, assistidas ou não. Mas a escola não alarga a rede dos
profissionais necessários à efetivação dessa nova atitude. O problema atinge,
com maior ou menos gravidade, as escolas privada e pública.os alunos da
burguesia, da classe média e da periferia,.
O irrisório salário do professor
obriga-o a apertar o cinto, esticar as pernas, comprimir a agenda e multiplicar
as aulas, correndo de um lado para o outro, sem dispor de tempo e recursos
necessários ao estudo e à atualização, à aquisição de produtos culturais, à
participação em eventos ilustrativos e capacitações da sua área de
ensino.
Além disso, deformações e cacoetes
individuais de docentes são destilados no ambiente escolar sem nenhum controle.
A exemplo de um professor que, sendo muito dedicado ao ensino da sua matéria,
declarava considerar uma afronta pessoal qualquer desinteresse manifesto, e
reagia em consonância com isto, destilando ironias, depreciando e humilhando os
alunos. O que coloca em pauta a pergunta de Marx: "quem educa o
educador?"
Por tudo isto, mais do que nunca e
sempre, é necessário vivificar palavras como comunidade escolar, projeto
pedagógico, representação, democracia, libertação, formação, contratação,
ampliação, atualização. São palavras que pulsam e buscam pouso e pontos de
apoio para impulso, decolagem, enraizamento e florescimento nas searas da
educação.
E educação, não no sentido restrito e
instrumental, segundo as requisições da empresa e da tecno-burocracia. Mas
educação voltada para a libertação e a quebra de viseiras. Que exige a ação
obstinada de uma vanguarda de professores e pessoas afins e interessadas,
dispostas a remar contra a maré, posicionando-se na direção justa e resistindo.
Com estudo teórico, alinhamento político-programático, desenvolvimento e disseminação
de experiências que subsidiem uma prática crítica.
A aprovação do Plano Nacional de
Educação – PNE, depois de quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, vem
ressaltar a necessidade de serem adotadas medidas concretas para enfrentar
essas sobrecargas. Com atenção aos talhes dos detalhes.
(Publicado no Jornal do Comércio-Recife, nos tempos do governo Dilma, que reservou toda a renda do pré-sal para financiar o Plano Nacional de EducaçãO -PNE, aprovado no Congresso. O que foi desfeito por Temer, com a privatização)
*Jornalista, poeta
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