METADE DO CERRADO SUMIU
Governo esconde dados do aumento do
desmatamento na fronteira agrícola onde mais cresce a produção de grãos
Marta Salomon, revista piauí
Faltavam
poucas horas para a virada de 2022 quando o governo Bolsonaro divulgou
discretamente o tamanho da devastação ambiental no Cerrado, bioma que concentra
ao mesmo tempo nascentes de importantes bacias hidrográficas e a maior expansão
da produção de grãos no país. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, período de
coleta da taxa oficial de desmatamento, o Cerrado brasileiro perdeu 8.531 km²
de vegetação nativa, um aumento de 7,9% em relação à taxa de 2020. Como acontecera
recentemente com o desmatamento recorde na Amazônia,
o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações decidiu esconder os dados por
quase um mês, sem explicar os motivos.
A nota
do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) com os dados sobre o
tamanho da devastação estava pronta desde 6 de dezembro, conforme apurou a piauí. Em 12 meses, o
Cerrado perdeu em vegetação nativa o equivalente a cinco vezes e meia o tamanho
da cidade de São Paulo. Foi a maior taxa de desmatamento do bioma desde 2015,
já consideradas as mudanças nos limites do território do Cerrado, que se
estende por áreas de doze estados, além do Distrito Federal. O desmatamento foi
maior nos estados do Maranhão, Tocantins e Bahia, que compõem, junto com o
Piauí, a fronteira agrícola do Matopiba (nome formado pelas primeiras sílabas
desses quatro estados).
O
aumento da devastação no Cerrado é uma má notícia diante da crise hídrica que o
país atravessa e que impôs um aumento nas tarifas de energia elétrica e da
inflação em 2020. O desmatamento elimina, junto com a vegetação aparente, suas
raízes profundas, que fizeram o bioma ser conhecido como uma floresta de cabeça
para baixo. Depois do desmatamento, as chapadas do Cerrado são convertidas em
plantações de soja e milho, que parecem um imenso deserto no período de espera
de um novo plantio. A consequência é a menor disponibilidade de água em
importantes bacias hidrográficas, cujas nascentes se localizam no Cerrado.
O aumento da devastação nesse bioma também faz aumentar a
pressão de consumidores, sobretudo na União Europeia, contra a importação de
produtos brasileiros oriundos de áreas desmatadas. Essas pressões cresceram
depois da notícia de mais um recorde de desmatamento da Amazônia, em novembro. E
é o Cerrado que concentra a produção de grãos como a soja, o segundo maior
produto de exportação do Brasil em 2021, atrás somente do minério de ferro.
O
atraso na divulgação dos dados ocorre ao final de um ano em que, por falta de
verba, o Inpe quase paralisou o monitoramento do desmatamento no Cerrado.
Segundo o instituto, os sistemas de detecção do corte de vegetação por
satélites só foram mantidos graças a um financiamento do Programa de
Investimento Florestal (FIP), do Banco Mundial. O dinheiro disponível neste ano
é suficiente para apenas seis meses de monitoramento, apurou a piauí.
O Inpe
não distingue o desmatamento legal do ilegal, mas um levantamento da rede
MapBiomas identificou indícios de irregularidade em 97,78% dos alertas de
desmatamento em 2020 no Cerrado, que corresponderiam a áreas desmatadas sem a
devida autorização do órgão ambiental. Ainda de acordo com o MapBiomas, a
maioria das terras desmatadas no Cerrado viraram lavoura ou pasto.
Desde 2000, o Inpe
identificou o corte raso de 995.462 km² de vegetação nativa do Cerrado. Isso
significa que o bioma perdeu metade de sua vegetação nativa original, já
considerados os novos limites do bioma, alterados pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2019. Com o novo cálculo, a área
total do Cerrado passou de 2.039.776 km² para 1.984.592 km².
Diferentemente
da Amazônia, onde a legislação ambiental só admite o desmatamento de até 20% da
extensão das propriedades rurais, no Cerrado esse limite varia de 65% a 80%.
Mesmo com regras mais flexíveis, o desmatamento no bioma preocupa sobretudo
pelo risco que impõe à oferta de água em todo o país.
As
negociações para replicar no Cerrado a chamada Moratória da Soja, que ajudou a
conter o desmatamento na Amazônia desde 2006, foram suspensas no início do
governo Bolsonaro devido a uma forte resistência de produtores rurais e à falta
de um acordo entre as principais empresas que comercializam o grão, inclusive a
chinesa Cofco. A soja liderava a pauta de exportações do Brasil até 2020. Seu
principal destino era, e ainda é, a China.
Na
avaliação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a região
conhecida como Matopiba continuará puxando o aumento da produção de grãos no
país na próxima década. A mais recente edição das Projeções do Agronegócio
prevê a expansão da área plantada de pouco mais de 8 milhões de hectares para
algo entre 9,3 e 11,6 milhões de hectares até a safra de 2030/2031. Esse
território seria responsável por produzir de 36 milhões a 46,7 milhões de
toneladas de grãos, segundo o documento.
.
Às vezes são pequenas nuances na imagem que chamam a
atenção da gente https://bit.ly/3E95Juz
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