11 fevereiro 2022

Pela verdade histórica

Censura ao relatório da Comissão Verdade é atentado à memória do país
O juiz Hélio Silvio Ourém Campos determinou a exclusão do nome do ex-coronel da PM Olinto de Souza Ferraz do relatório da Comissão Nacional da Verdade. O militar é acusado da prática de grave violação de direitos humanos
Iram Alfaya, portal Vermelho

 

Diversas entidades e personalidades repudiaram mais um episódio de censura que atinge diretamente as famílias e vítimas da ditadura militar, além de uma violação ao direito à memória. Trata-se da determinação do juiz Hélio Silvio Ourém Campos, da 6ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, para excluir o nome do ex-coronel da PM Olinto de Souza Ferraz do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

“Olinto de Sousa Ferraz foi diretor da Casa de Detenção do Recife à época em que o militante Amaro Luiz de Carvalho foi morto no local. A CNV aponta em seu relatório a sua responsabilidade pela gestão de estruturas e condução de procedimentos destinados à prática de graves violações de direitos humanos”, diz o manifesto das entidades. 

A sentença, segundo o manifesto, é ofensiva aos familiares e vítimas da ditadura, fere a Lei de Acesso à Informação (LAI) que proíbe a restrição de acesso a informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas.

Os signatários responsabilizam o governo Bolsonaro pela omissão da Advocacia-Geral da União (AGU) que não apresentou recursos contra a decisão. “As motivações formais e públicas para a não interposição de recurso devem ser transparentes e explicadas pela AGU e, se necessário, apuradas pelos órgãos de controle da administração pública.”

A anistiada política Eneida Guimarães dos Santos, 78 anos, representante da União Brasileira das Mulheres (UBM) no Conselho de Direitos Humanos, a sentença desrespeita a dor dos familiares de pessoas presas e submetidas à tortura e até à morte. “Os delitos do passado resultaram em 62 mil brasileiros encarcerados, 22 mil torturados, 10 mil exilados, centenas de assassinatos sob tortura, forma adotada pelo comando militar imposto”, criticou.

“Difícil medir tamanha gravidade, pois referidas medidas contam com a anuência do Judiciário. Concluo dizendo que, não somente indigna e preocupa, mas ao mesmo tempo, nos instiga a convocar a unidade das forças progressistas para, com urgência, juntarmos energias à altura do Brasil para varrermos o retrocesso instalado no país, em todos os campos, setores e áreas, desde o golpe de 2016”, finalizou.

Confira o manifesto na íntegra: 

Censura judicial ao relatório da Comissão Nacional da Verdade é inadmissível e um atentado ao direito à verdade e à memória no Brasil

Censura judicial ao relatório da Comissão Nacional da Verdade é inadmissível e um atentado ao direito à verdade e à memória no Brasil.

A decisão do Juiz Hélio Silvio Ourém Campos, da 6a Vara da Justiça Federal de Pernambuco, determinando a retirada de trechos do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) é censura inaceitável e uma violação ao direito à memória e à verdade das vítimas da ditadura, de seus familiares e de toda a sociedade brasileira. Segundo informação pública, menções ao nome de Olinto de Sousa Ferraz, ex-coronel da Polícia Militar de Pernambuco, foram censuradas judicialmente no relatório final da CNV disponibilizado no Arquivo Nacional.

Olinto de Sousa Ferraz foi diretor da Casa de Detenção do Recife à época em que o militante Amaro Luiz de Carvalho foi morto no local. A CNV aponta em seu relatório a sua “responsabilidade pela gestão de estruturas e condução de procedimentos destinados à prática de graves violações de direitos humanos”. 

Já havíamos acompanhado um outro precedente de 2017, no qual o juiz Friedmann Anderson Wendpap, responsável pelo último despacho do caso, determinou a modificação de documentos custodiados em caráter permanente pelo Arquivo Nacional e não apenas decidiu que a instituição deveria suprimir trechos de documentos, como também impôs a inclusão de novas páginas em relatório recolhido meses antes. O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da ditadura. Neste caso, a União conseguiu reverter, pelo menos, a decisão de suprimir partes do relatório. A apelação, no entanto, não foi capaz de deter a decisão pela inserção de documentos no dossiê oficial.

Este tipo de sentença judicial é ofensiva aos familiares e vítimas da ditadura, fere a Lei de Acesso à Informação (LAI) que proíbe a restrição de acesso a “informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas” e determina que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”. As decisões judiciais ofendem também a ampla jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de memória, verdade e justiça, além das sentenças especificamente dirigidas ao Brasil (Caso Gomes Lund e Caso

Vladimir Herzog) que determinou a todas as autoridades de todos os poderes do país a adotar medidas para garantir o direito à memória e à verdade. Ademais, a ação judicial da Vara de Pernambuco foi conduzida sem a necessária intervenção do Ministério Público Federal, obrigatória em matéria de justiça de transição, especialmente quando se discute o direito à verdade e à memória.

Frente a esse novo e gravíssimo precedente, responsabilizamos o governo de Jair Bolsonaro, notório negacionista da ditadura e abjeto defensor da repressão, pela omissão da Advocacia-Geral da União em seu dever de defender o direito fundamental de acesso à informação, à memória e à verdade, ao não apresentar recurso contra a decisão e emitir parecer interno pela sua imediata execução, inclusive, determinando ao Arquivo Nacional uma execução excessiva da sentença. As motivações formais e públicas para a não interposição de recurso devem ser transparentes e explicadas pela AGU e, se necessário, apuradas pelosórgãos de controle da Administração Pública. 

Demandamos ao sistema de justiça brasileiro a anulação da sentença, e que as autoridades pertinentes proponham uma ação rescisória pois se trata de decisão atentatória às leis nacionais, que viola os compromissos internacionais do Brasil e, principalmente, viola os direitos das vítimas e dos familiares de vítimas.

Para que não se esqueça. Para nunca mais aconteça.

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