02 maio 2022

Crônica do domingo

A mãe solo

Melka*

 

A maternidade é um vivência muito individual e particular, cada mulher de acordo com seu contexto financeiro, emocional, social poderá viver esse processo de uma forma. A maternidade é tida socialmente como uma questão (um problema) exclusiva da mulher, costumo falar em encontros feministas que os problemas privados das mulheres não podem ser privados, devem ser públicos e "coletivizados" por que as questões de uma mulher na verdade são as questões das mulheres e assim são porque foram condicionadas historicamente e estruturadas pelo machismo.

Considero a maternidade em si solitária, só você é mãe daquela criança, e isso traz uma carga gigante de responsabilidade para a vida das mulheres de todas as ordens, a maioria são condicionadas socialmente, mas nem todas, porque estou falando de um laço de amor e afeto eterno na vida de uma pessoa, e quando planejada ou desejada é realmente de uma indizível emoção. A maternidade é uma experiência maravilhosamente incrível, mas também pode colocar a mulher num lugar terrível de solidão, de culpa e de anulação, de forma inconsciente você vai sendo levada e buscando esses lugares, não podemos permitir isso.

Sou mãe faz 05 anos, há alguns poucos meses vivencio a experiência da "maternidade solo" e precisava registrar o que nesse curto período de tempo pude sentir e viver com toda dificuldade, dureza e cansaço que a minha realidade possibilita. Mãe solo é a expressão que se usa pra fazer referência às mulheres que como já diz o nome, são mães que tem a responsabilidade de sozinhas cuidar de suas crias. 

A questão central para essa realidade e precisa estar clara entre nós é que ela foi condicionada e naturalizada pelo machismo estruturado na nossa sociedade, independente do motivo ou da causa do segundo responsável não compartilhar igualmente dessa responsabilidade conjunta. A maternidade solo é a maior expressão do machismo em relação à condição da mulher como mãe. O machismo dá as mulheres de forma natural o papel de responsáveis oficiais pelos filhos, nos obrigada a sermos as principais cuidadoras, existe um consenso que devemos cuidar na doença, na higiene, na alimentação, no ensino escolar, no lazer, em absolutamente tudo objetivamente, e subjetivamente faz com que nós mulheres sintamos todo o peso como de fato uma responsabilidade nossa. O machismo é realmente cruel.

Uma mãe que cuida sozinha das crias assume diariamente demandas que exigem exclusivamente dela dedicação, paciência, saúde física e mental, disponibilidade de tempo, condições para trabalhar. É uma realidade dura, difícil, solitária e exaustiva. Não podemos adoecer, precisamos trabalhar, precisamos cuidar das crias, não podemos ter momentos de lazer individual. É então quando a gente tem certeza que a mãe solo não pode ser sozinha, senão não consegue dar conta. Na minha experiência duas coisas são fundamentais: rede de apoio e planejamento de cada segundo do dia.

Toda mãe solo ou não, entende a necessidade e importância de uma rede de apoio para poder exercer a maternidade de forma saudável, porque a maternidade em conjunto com as demais responsabilidades que a mulher independente de ser mãe carrega pode nos adoecer. Então quando se está sendo mãe solo, a rede é não só de apoio é também de sobrevivência, para que você possa trabalhar, se divertir, adoecer, viver e estar saudável para cuidar da sua cria com todo o cuidado que ela precisa.

Se antes eu já sentia necessidade de planejamento e controle da rotina, agora então tornou-se um meio de sobrevivência para dar conta de tudo, hora de trabalhar é hora de trabalhar, hora de dar atenção a cria é hora de dar atenção a cria, hora de jogar tudo pro alto é hora de jogar tudo pro alto. E assim a gente vai com coragem seguindo em frente.

Confesso que os dias não tem sido fáceis, mas agradeço aos apoios providenciais através de pessoas especiais que tem nos amparado, sem elas eu não daria conta, um apoio predominantemente feminino. 

Nós mulheres somos realmente (sem romantização nenhuma da opressão de gênero que a gente sofre) um poço de força e resiliência e as mulheres que apoiam outras mulheres são sem dúvidas um alicerce que transformam toda dureza dessa realidade em novas perspectivas, principalmente a de não só sobreviver, mas a de viver livremente. 

Seja apoio de uma mulher, peça apoio a outra mulher. É nós por nós, sempre.

[Ilustração: Jenner Augusto]

*Melka Pinto, ex-presidente da UEP, enfermeira, cronista

O sentido dos fatos em poucas palavras https://bit.ly/3n47CDe     

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