Controladoria
revela negligência com estoques de medicamentos e vacina
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Sanitaristas analisam dados da Controladoria Geral da União sobre as perdas da pasta em medicamentos, vacinas e insumos, que chegam a um total de R$ 104 milhões apenas no primeiro semestre do ano passado. Os médicos sugerem improbidade administrativa.
Relatório
da Controladoria Geral da União aponta que o Ministério da Saúde perdeu R$ 104
milhões em medicamentos e vacinas no primeiro semestre de 2021. O documento
ainda indica R$ 20 bilhões em distorções contábeis, ocasionando a perda de 500
mil vacinas contra a hepatite B, 200 mil contra a varicela, 87 mil vacinas
tetraviral, 245 mil frascos de BCG e 800 mil kits de insulina não utilizados
que perderam a validade.
Os
impactos são analisados pelo infectologista Marcos Boulos que
chegou a qualificar como improbidade administrativa a inércia do Ministério da
Saúde no controle dos estoques. No entanto, com a reforma na lei de
improbidade, que só caracteriza essa atitude se houver dolo ou intenção.
Imperícia e negligencia não serão punidas além das penalidades terem sido
amenizadas.
Segundo o
médico, às vezes, perdem-se estoques porque não são utilizados, a procura não é
a esperada, e o produto acaba vencendo. “Mas não tudo isso aqui; até porque nós
sabemos que esse governo tem sido negligente com relação a vacinação. Quando se
perde tanto, é porque há um estímulo para que não se utilize o produto”, observa
Boulos, em entrevista.
Em se
tratando das perdas diante do discurso da falta de recursos para cobrir as
necessidades, ajuste fiscal, contingenciamentos e deslocamentos de verbas, é
inadmissível imaginar a perda de mais de R$ 100 milhões em recursos.
Veja: Será aceitável que 9 crimes tão
graves fiquem impunes? https://youtu.be/sJ2lSvc193E
Ele
admite que é difícil provar a intencionalidade, “porque sempre vai se encontrar
uma justificativa”. “Mas é claro que os gastos foram incompetentes e não se
dimensionou adequadamente”, afirma.
O
especialista em saúde pública, também relata que as negociatas no processo de
compras públicas são comuns, com oferta de vantagens para compras acima da
margem. “Por isso, [o excesso de estoque] pode ser até proposital para ter
lucro em cima. Isso é uma prática em várias áreas de governo. Buscar ter alguma
vantagem, até quando o produto está próximo do vencimento. Por isso, se fala em
improbidade administrativa”, explicou.
Boulos
também sente falta de campanhas públicas de vacinação que orientem as famílias
sobre quem deve se imunizar e que vacinas tomar. Uma negligência que pode estar
por trás desse desperdício de vacina. “Existe um risco enorme da volta de
várias doenças, entre elas a poliomielite mesmo. Falta uma campanha mais
contundente em relação a isso”.
Como
médico que já atuou na gestão pública da saúde, Boulos até compreende que, num
momento de pandemia, seja complicado conscientizar a população sobre tudo, mas
não pode haver total omissão da saúde pública. “É lamentável como as coisas
estão acontecendo no país, neste momento”.
Da mesma
forma, seria preciso investigar o que ocorre com a perda de 800 mil kits de
insulina, quando parte da população precisa recorrer à Justiça para ter acesso
ao hormônio. “É previsível que se tenha um consumo de insulinas. Não se trata
de uma epidemia em que a demanda é emergencial. Os diabéticos estão todos aí,
então não dá pra falar em erro de cálculo, por que o serviço público já dimensiona
isso”.
Evidências
de improbidade
Em
entrevista à Rádio USP, o sanitarista Fernando Aith, do
Centro de Direito em Saúde (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da USP,
considera que o relatório é “reflexo de uma perda de capacidade técnica do Ministério
para executar políticas nacionais estratégicas” no combate a doenças no
País. Isso, segundo ele, já vinha sendo demonstrado durante a pandemia,
quando ficou claro que o governo não tinha controle sobre quantitativos de
leitos de uti e estoques de oxigênio hospitalar, por exemplo.
Aith
lembra outros relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), que explicitavam
compras superfaturadas e a distribuição de medicamentos e insumos
desnecessários [como cloroquina e ivermectina]. Para ele, tudo isso é parte
de uma estratégia de desmonte do programa nacional de imunização, mesmo antes
da pandemia. “Já havia uma perda na capacidade de ação, que ainda não voltou ao
que era regularmente, desde a década de 1970”.
Durante a
pandemia, vários relatórios do TCU já vinham identificando compras sem
licitação, sem justificativa adequada e a preços exorbitantes. “Compras
desnecessárias e distribuindo de acordo com critérios políticos. Tudo isso já
estava no radar do TCU e foi ainda mais documentado com o relatório da
Controladoria”, lembrou.
Aith
também alertou para o risco da omissão do governo nas campanhas de imunidade da
população, não somente em relação à covid-19. Com o retorno de doenças como o
sarampo e a varíola, o quadro ideal seria a vacinação em massa da população, no
entanto, o que se vê é o desperdício de vacinas sem serem utilizadas.
As
vacinas estão presas no estoque, perdendo a validade, não porque a população
não queira tomar, mas porque o governo não quer fazer campanhas de imunização e
todos se perguntam “cadê o Zé Gotinha”. Em relação a diabetes, o sanitarista
salienta a dificuldade de acesso a insulina, sempre em falta nos postos de
saúde e hospitais.
Ao final,
Fernando Aith explica que o relatório possui a função de divulgar dados para
que órgãos de checagem e controle, como o Tribunal de Contas e Ministério
Público da União, identifiquem e punam eventualmente os responsáveis por
ações de improbidade administrativa. “Muito provavelmente, agentes públicos
sairão ilesos pelas barbaridades que cometeram”, lamentou o professor.
(por
Cezar Xavier)
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