Como a Cibersegurança do Exército serviu para ataque de
Bolsonaro às urnas
Patricia
Faermann, Jornal GGN
Essa reportagem faz parte da investigação
do projeto Xadrez da ultradireita mundial à
ameaça eleitoral, sobre
o avanço da ultradireita mundial e a ameaça às eleições.
Face direta do
governo de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas são hoje um dos pilares de
sustentação do mandatário. No país em que a recente ditadura do regime militar
não contemplou a transição experimentada por outras democracias mundiais, o
primeiro alarme soou quando o presidente, ainda em 2019, anunciou a entrada de
militares na política, em cargos de ministros, assessores, servidores.
Mas, de lá para cá, foi banalizado o
protagonismo político de generais e outras patentes que assumiram postos que
desde a redemocratização pertenciam a civis, estendendo-se a outras esferas não
tão visíveis do governo, como o delicado setor de inteligência e de
cibersegurança.
Hoje,
dominados por militares – ao todo mais de 6 mil -, não só Ministérios são
inteiramente formados pelas Forças Armadas, como a Segurança Institucional e a
própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência), também a Inteligência e
Defesa Cibernética do Exército são extensões de gabinetes presidenciais.
Detalhamos,
abaixo, como um destes órgãos atua, o convite do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) a um representante militar e em que momento as Forças decidiram atuar
ostensivamente, mantendo o véu de suposta distância do Planalto.
O
comando cibernético
O Comando
de Defesa Cibernética (chamado de ComDCiber) foi criado em 2016. A
diferença do CDCiber, que é o Centro de Defesa Cibernética do Exército,
criado em 2010, é que o ComDCiber é formado por militares
da três Forças Armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica, mas integra a
estrutura de regimento interno do Exército.
O ComDCiber
está inserido no Escritório de Projetos do Exército, sendo
o principal órgão militar de inteligência cibernética, servindo tanto
às Forças Armadas – que são um órgão do Estado – quanto ao Ministério da
Defesa, que é um órgão de governo. Atua com tecnologias,
desenvolvimento, pesquisas, acompanhamento e fiscalização de sistemas em
todos os níveis, principalmente em setores estratégicos.
Curiosamente, ele se apresenta como a estrutura central de cibernética de toda a sociedade e dos órgãos de governo, incluindo a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), empresas estratégicas do Brasil e Universidades.
A imagem acima foi exposta no 15° Congresso Acadêmico sobre Defesa Nacional, em agosto de 2018. A apresentação informa que o ComDCiber tem papel direto no nível operacional do que chamam de Guerra Cibernética e no nível estratégico junto ao Ministério da Defesa. Em uma terceira camada, também mostra atuar a nível político, junto à Presidência da República.
Os generais
O general da Reserva do Exército Paulo Sergio Melo de Carvalho foi o primeiro comandante do ComDCiber, ainda em 2016.
Nos dois anos anteriores, ele havia sido chefe do CDCiber.
Na atual
composição, Heber Portella é o comandante do Comando de Defesa Cibernética
(ComDCiber), posto que assumiu em março de 2021. Abaixo
dele, assumiu a chefia do CDCiber o general de Brigada, Paulo Sérgio Reis Filho. E acima de Portella, está o chefe do Departamento de Ciência e
Tecnologia, general do Exército Guido Amin Naves.
Na cadeia hierárquica do Exército, acima dos
órgãos setoriais está o chefe do Estado-Maior do Exército, general Valério Stumpf Trindade.
Entretanto, apesar dessa linha hierárquica do Exército, o ComDCiber responde diretamente ao Ministério da Defesa, por meio da Chefia de Assuntos Estratégicos, e atua como consultor do Departamento de Segurança da Informação, órgão de Assessoria Especial de Segurança da Informação do Gabinete de Segurança Institucional.
O GSI é comandado pelo general Augusto Heleno. Além disso, quase todos os integrantes do GSI – órgão do governo –
são militares, como o próprio assessor especial de Segurança da
Informação Antonio Carlos
de Oliveira Freitas, que é general de Brigada
da Reserva do Exército.
Do Exército ao governo e ao TSE
Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu convidar um integrante das
Forças Armadas para a Comissão de Transparência das
Eleições, Portella foi o indicado.
Seu nome
recebia o aval do ex-ministro da Defesa, general Braga Netto, hoje pré-candidato
a vice de Jair Bolsonaro nas eleições. À época, o ministro pediu a
recomendação do chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia, Guido
Amin Naves, que indicou Portella. Na pasta, Braga Netto incisivamente
defendeu o voto impresso e chegou a ameaçar, em julho de 2021, que as eleições só
ocorreriam em 2022 se houvesse o “voto impresso e auditável”.
A suposta rixa
com Portella
Recentemente, a mídia relatou suposta rixa entre o escolhido e o atual ministro
da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, depois que ele pediu ao TSE os
relatórios também entregues a Portella. Não há confirmação de uma eventual
disputa, porque o general participou de todas as etapas da Comissão de
Transparência, desde setembro de 2021, emitindo ofícios aos técnicos do TSE,
mas sem alardear, de forma pública, suspeitas contra as urnas, pedindo,
inclusive, o sigilo de documentos com informações delicadas, do ponto de
vista de segurança, sobre o sistema eleitoral.
Foi
a partir de uma reunião do presidente Jair Bolsonaro
com Heber Portella, Guido Amin e o ministro da Defesa, no dia 3 de maio, que o tom dos militares
migrou para uma tática ofensiva, e o ministro encontrou a faísca na
divulgação dos questionamentos e sugestões dos militares ao TSE.
A simples
liberação dos documentos permitia alimentar os discursos esbravejantes de
Jair Bolsonaro de receios às urnas. Não restou a Portella, que antes
havia pedido o sigilo dos documentos, nada mais que ficar em
silêncio.
Imediatamente
depois daquele encontro, o ministro da Defesa pediu ao presidente do
TSE, Edson Fachin, a divulgação dos arquivos. Alegou que recebeu pedidos
de acesso aos dados pelo deputado bolsonarista Filipe Barros
(PL-PR), relator da proposta de voto impresso que já havia sido derrubada
na Câmara, e que era de “amplo interesse público”. Fachin cobrou
esclarecimentos da Defesa, pela mudança de planos, mas autorizou a
divulgação no dia 6 de maio, três dias após a reunião de Bolsonaro.
O suposto afastamento
de Portella
Paulo Sérgio Nogueira tampouco pediu a retirada
de Heber Portella da Comissão de Transparência das Eleições.
O
ministro buscava o envolvimento de representantes de todas as Forças
Armadas e, por isso, pediu que as comunicações do TSE fossem enviadas a
ele. Também estava particularmente incomodado com outras negativas do
então presidente da Corte, Edson Fachin, de um encontro privado.
Com uma equipe
de integrantes do Exército, Marinha e Aeronáutica sob o comando do general
Portella no ComDCiber, a estratégia do ministro era a de provar
suposta imparcialidade nos questionamentos, com o aval de diferentes militares.
Ainda, naquela
mesma semana de maio, foi divulgada a notícia de que Heber Portella
contratou uma empresa israelense de cybersegurança, a CySource, de
um ex-diretor de Tecnologia da Informação da Secretaria-Geral do
governo Bolsonaro.
A notícia virou
um pedido de investigação do TCU (Tribunal de Contas da União). Em boa
hora, a dissociação ao nome de Portella na participação militar nas
eleições.
Leia também: A influência do
general Inflação https://bit.ly/3Oa6IAz
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