Sem democracia não há ciência e educação libertadoras
Universidades e sociedade se
unem em defesa do Estado Democrático de Direito
Soraya
Smaili, Maria
Angélica Minhoto e Pedro
Arantes, com a colaboração de Lu Sodré – Folha de S. Paulo
As tradicionais escolas e faculdades de
universidades públicas brasileiras, e mais especialmente a Universidade de São
Paulo (USP), sempre foram espaços de reprodução das elites brancas que se
alternam no comando do país - com raras exceções. Mas o ato deste 11 de agosto,
na Faculdade de
Direito, teve muitos simbolismos e nos mostrou como a
Universidade pode e deve se pintar de povo.
Um deles foi a presença de um mar plural de pessoas de
diferentes origens, classes, raças e faixas etárias tomando as famosas
"arcadas" da escola de Direito mais antiga e famosa do Brasil, que já
formou 13 ex-presidentes e 45 ex-governadores de São Paulo. Com diferenças
sociais e políticas, a multidão que rodeou a Faculdade São Francisco se uniu em
defesa da nossa democracia.
A leitura pública da "Carta às brasileiras
e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito" mostrou como
a organização coletiva é capaz de atrair e aglutinar segmentos diversos, tanto
da academia, quanto das artes, empresariado, sindicatos e movimentos estudantis
e populares. Dessa unidade ali vislumbrada é que pode e deve incidir a virada
histórica que almejamos, rumo à reconstrução (e reinvenção) do nosso país, com o
aprofundamento da democracia e da justiça social.
Em meio às constantes ameaças contra a ordem
democrática, a união de setores representativos da sociedade brasileira,
convocados pela universidade pública, é sinal de que a mobilização em defesa do
Estado Democrático de Direito é também um reconhecimento do papel social que as
universidades brasileiras podem cumprir nessa transição histórica. E de como as
instituições de ensino superior abertas a todos os setores, em especial aos
movimentos populares, ampliam a capacidade de imaginar outros futuros, mais
plurais e solidários.
As manifestações que aconteceram em diferentes
regiões brasileiras ecoaram a voz de quase 1 milhão de pessoas que assinaram o
documento, exigindo a lisura e o respeito ao resultado das urnas no pleito
eleitoral que se aproxima.
Os três coordenadores e diversos pesquisadores
do Centro SoU_Ciência estiveram
no ato na Faculdade de Direito. Estamos ao lado de todas as entidades e
instituições que se levantam contra as investidas autoritárias que estão nos
rondando e ameaçando.
Afinal, sem democracia não há ciência autônoma e
comprometida com o bem-estar da população. Os regimes autoritários derem origem
a concepções racistas, colonialistas e homicidas da ciência. Uma ciência
socialmente engajada, em especial com a melhoria de vida da população em maior
situação de vulnerabilidade, só pode ocorrer em ambientes democráticos, com
ampla participação popular nos destinos do país.
O mesmo vale para a Educação. Não há pluralidade
de ideias, liberdade de ensino e aprendizado emancipador sem democracia. Os
regimes autoritários não permitem que as escolas sejam ambientes críticos e
problematizadores, as transformando em espaços de doutrinação, violência e
subalternidade.
Leia
também: Como o Orçamento Secreto prejudicou diretamente 18 programas do MEC https://bit.ly/3zvl3CF
Por isso, uma democracia cada vez mais ampla e
plena é fundamental para o avanço da educação, para uma ciência e universidade
voltadas às demandas da população. Não há possibilidade de desenvolvimento
social inclusivo, com benefícios econômicos para todos e, acima de tudo,
desenvolvimento humano, sem liberdade de expressão, direito ao voto e ampla
participação popular.
O atual governo tem cerceado a democracia de
várias formas, com a extinção de conselhos participativos, o bloqueio de fundos
sociais, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT), a exoneração de funcionários comprometidos com as causas populares, o
desmanche da cultura, a indicação de reitores ilegítimos, não escolhidos pelas
comunidades acadêmicas, e com a criminalização geral de lideranças e movimentos
sociais.
No dia de ontem, reiteramos qual projeto de
Brasil precisamos e queremos. Defenderemos nossa democracia, ainda que frágil e
limitada, com unhas e dentes. Para que possa sair dessa encruzilhada histórica
mais forte, inclusiva e plural.
A iniciativa da Carta, gestada dentro do espaço
universitário, só reafirma o papel de professores, pesquisadores, servidores,
estudantes e das instituições públicas de ensino superior: é nossa missão
barrar retrocessos sociais e lutar por mais investimento em educação e ciência,
com a Universidade sempre de portas abertas à população.
As universidades públicas cumprirão seu papel
nessa luta, como fizeram em outros momentos decisivos para o país. Nosso futuro
está em jogo e as instituições brasileiras estão e seguirão atentas e fortes.
Não nos apequenaremos diante de ameaças e ataques por parte daqueles que querem
retrocessos em nossa história.
[Ilustração: Carlos Scliar]
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