Por que trabalho remoto pode ser 'tortura'
para quem pensa demais
Como os
trabalhadores remotos estão sozinhos em casa, muita coisa passa despercebida ao
longo do dia de trabalho
Bryan
Lufkin, BBC News
Qualquer pessoa pode sofrer com o isolamento causado pelo trabalho remoto.
Até para as pessoas menos sociáveis, passar os dias de trabalho
com apenas uma webcam ou uma plataforma de mensagens para fazer contato com as
mesmas pessoas que antes elas viam todos os dias pode acabar sendo prejudicial.
Mas esse isolamento pode ser particularmente difícil para um
tipo de profissional: o que "pensa demais". São indivíduos que tendem
a analisar excessivamente os eventos à sua volta e precisam ser frequentemente
tranquilizados de que tudo está correndo bem.
As pessoas podem pensar demais em qualquer ambiente que abra
espaço para a incerteza, como nas relações sociais ou no ambiente de trabalho.
Mas os especialistas afirmam que o trabalho remoto pode piorar a tendência a pensar
demais, pois a falta de comunicação presencial entre os colegas aumenta a
ambiguidade e a incerteza.
Esses fatores podem acionar espirais de pensamento excessivo,
como "o que quer dizer aquele e-mail de uma linha, vou ser demitido na
reunião por Zoom desta tarde?"
É claro que as pessoas podem tomar medidas para tentar evitar
esses pensamentos intrusivos. Mas os gerentes também precisam comunicar-se
melhor, para que os funcionários estejam a par do seu desempenho e não fiquem
sozinhos, tentando imaginar uma situação.
'PESSOAS QUE PRECISAM MUITO SABER DAS
COISAS'
Os psicólogos afirmam que as pessoas que pensam demais se
preocupam obsessivamente com coisas que podem dar errado. Mas pensar demais
pode também ter seu lado bom.
"As pessoas que pensam demais tendem a ser
superconscienciosas, tendem a ser indivíduos altamente responsáveis e um pouco
perfeccionistas", afirma Craig Sawchuk, psicólogo da Clínica Mayo, uma das
maiores organizações de pesquisa médica dos Estados Unidos. "Eles têm cuidado com o seu
trabalho e realmente querem fazê-lo bem feito."
Eles também tendem a ser "emocionalmente muito
antenados", segundo Jeffrey Sanchez-Burks, cientista do comportamento da
Escola de Negócios Ross da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
Por isso, funcionários que pensam demais podem ser um trunfo no
ambiente de trabalho. Eles são diligentes, trabalhadores e conscientes dos
sentimentos dos demais; e, como passam muito tempo pensando no seu desempenho e
no que as pessoas pensam deles, podem ser profissionais dedicados e
comprometidos. "É realmente um ponto forte", afirma Sawchuk.
Mas, se a ansiedade tomar conta, esse ponto forte pode virar uma
fraqueza —e estudos indicam que a ruminação, especificamente, pode trazer
efeitos prejudiciais até para a saúde física e mental das pessoas.
Sawchuk afirma que, quando essas pessoas começam a se preocupar,
elas tendem a seguir um dentre dois caminhos. Ou elas se desconectam da
situação, ou se dedicam a ela excessivamente, para ter reafirmações constantes
de que os seus temores são infundados.
As pessoas que pensam demais "são do tipo de pessoa que
'precisa muito saber das coisas'". Quando estão preocupadas com algo ou
sentem que uma situação é incerta, elas desejam 100% de confirmação de que tudo
está bem. "Essa incerteza é o combustível que mais alimenta a
ansiedade", segundo ele.
Um exemplo de pensar demais no ambiente de trabalho pode ser uma
pessoa que se senta em frente a um colega, observa seu rosto fechado e começa a
imaginar se o problema é com ela, ou se o colega está trabalhando mais do que
ela. Mas pode não ser o caso —"talvez o colega esteja jogando paciência no
computador", afirma Melanie Brucks, professora de marketing de negócios da
Columbia Business School, em Nova York (Estados Unidos).
Quando as pessoas que pensam demais ficam obcecadas por esses
pensamentos, elas "não estão fazendo isso para se sentir bem —elas estão
fazendo isso para sentir-se menos mal", segundo Sawchuck.
E, mesmo se os profissionais receberem a reafirmação temporária
de que precisam —abordando aquele chefe de expressão fechada para saber como
ele está, por exemplo—, "a dúvida volta: 'será que ele estava apenas sendo
gentil comigo?' Ou 'agora provavelmente ele me acha estranho porque fui falar
com ele para tentar esclarecer'."
AS DIFICULDADES DO TRABALHO REMOTO
Quando as equipes de trabalho se mudaram do escritório para o ambiente remoto durante a pandemia,
as pessoas que pensam demais perderam muitas das pequenas coisas que podiam
refrear suas preocupações.
No ambiente de trabalho físico, as pessoas que pensam demais
podem observar com mais facilidade as indicações da linguagem corporal ou
aproximar-se para fazer uma pergunta a um colega quando estão inseguras sobre
uma situação. Mas o trabalho remoto eliminou essas possibilidades.
Sanchez-Burks afirma que os profissionais que pensam demais
"podem ser os que estão tendo mais dificuldades" na era do trabalho
remoto, pois eles "dependem muito do contexto".
O trabalho remoto aumenta a ambiguidade. Muita coisa passa
despercebida durante um dia de trabalho típico em ambiente remoto — quem está
se reunindo com quem, os projetos em que os demais estão trabalhando, o que os
colegas estão dizendo para o chefe.
Para um profissional que pensa demais e fica preocupado, isso
pode gerar um "ciclo de ruminação", que pode fazer com que ele
"releia trocas de emails diversas vezes" para decifrar as
entrelinhas, explica Sawchuk. Ou, se um gerente se esquecer inocentemente de
adicioná-lo a um convite para uma reunião pelo Zoom, ele começa a pensar o
pior.
Depender apenas de emails e salas de bate-papo pode piorar o
problema. Para Sanchez-Burks, "o texto é realmente uma forma pobre de
comunicação". Ele afirma que, nas comunicações digitais, pode haver uma
distância substancial entre o que as pessoas querem dizer e como os demais
interpretam a mensagem. Por isso, um e-mail que pareça ser muito breve pode
causar ruminação em quem o recebe.
Já no escritório, podemos interromper esse ciclo de pensar
demais com uma simples conversa.
"Talvez estejamos nos sentindo um pouco ansiosos, até que
encontramos [aquela pessoa] no bebedouro ou no caminho para o banheiro. E temos
aquele momento, aquele sorriso ou [ouvimos] 'como vai você?' e você pode sentir
o calor humano", afirma Brucks.
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Mas, no mundo do trabalho em casa, isso não é fácil.
É claro que, embora o trabalho remoto possa exacerbar as
tendências a pensar demais, trabalhar pessoalmente não é a panaceia para esses
pensamentos nocivos. Ainda existem muitos cenários ambíguos no escritório que
podem acionar espirais de pensamento excessivo. Mas a ambiguidade maior do
trabalho remoto traz o potencial de fazer as pessoas pensarem demais.
'CURTO CIRCUITO' DE PENSAMENTOS
INTRUSIVOS
Seja no ambiente remoto ou no presencial, pensar demais pode
prejudicar o bem-estar do profissional.
Ciclos de pensamento negativo e preocupação sobre possíveis
resultados ruins podem abrir as portas para mecanismos de defesa desajustados,
incluindo o abuso de substâncias. E um estudo com mais de 32 mil participantes
em 172 países demonstrou que concentrar-se demais em eventos negativos é o
maior indicador de depressão e estresse.
Mas existem ações que as pessoas que pensam demais podem tomar
para livrar-se dos pensamentos obsessivos.
Quando alguém ficar preso em um ciclo excessivo de pensamentos,
pode ser útil dar um passo atrás e observar a situação objetivamente, para
fazer um "curto-circuito" dos padrões de pensamentos intrusivos,
segundo Sawchuk.
Ele sugere que as pessoas escrevam seus medos e dúvidas sobre a
situação e perguntem "existe uma forma diferente de olhar para isso?
Existe uma forma menos ruim em que isso pode suceder? Eu acho que isso é
verdade ou eu sei que isso é verdade? Tenho alguma prova objetiva que
confirme?"
Aqui, o objetivo, segundo ele, é "questionar os
pensamentos" que o fazem pensar demais.
MAIS E MELHOR COMUNICAÇÃO
Mesmo com o trabalho remoto, os profissionais podem programar
conversas mais informais com os chefes e os colegas. Eles podem criar janelas
para possibilitar comunicações mais contextualizadas (como uma ligação
telefônica ou chamada de vídeo), que oferecem uma melhor leitura do humor da
outra pessoa para reduzir a ambiguidade, que é a geradora da ansiedade.
Mas os especialistas também afirmam que os gerentes remotos
precisam comunicar-se com mais eficiência, para eliminar qualquer ansiedade que
venha a prejudicar os funcionários.
"Mesmo antes da pandemia, os gerentes superestimavam sua
clareza e o volume das suas comunicações", afirma Jeffrey Sanchez-Burks.
Ele explica que, se os gerentes não fizerem contato com os funcionários —
especialmente os remotos — com mais frequência, podem causar sentimentos
corrosivos entre os profissionais, como o de não pertencimento ao grupo.
Os gerentes precisam realmente "aumentar sua comunicação
para poder comunicar-se o suficiente", orienta Sanchez-Burks.
Para Melanie Brucks, a forma como as pessoas se comunicam por
texto também pode ser melhorada. Agora é o momento de alterar as normas e
"inserir [na comunicação por texto] mais informações e reduzir a
ambiguidade".
As equipes remotas devem comunicar-se não apenas com mais
frequência, mas de maneira mais informativa do que emails bruscos de uma linha.
E estudos demonstram que até os emojis podem ajudar nesta tarefa.
Mas, ainda que as comunicações possam sempre ser melhoradas, as
pessoas que pensam demais precisam ter um lugar onde possam fazer as pazes com
a ambiguidade — especialmente nos tempos atuais.
"Uma das consequências" do trabalho remoto, segundo
Craig Sawchuk, "é que nós também trouxemos mais incertezas ao
cenário."
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