Formolmente, o coração é de Pedro IV
Chegou ao Brasil o coração de Pedro de Alcântara, aqui
Imperador Pedro I e alhures Rei Pedro IV de Portugal. Foi monarca de dois
tronos independentes: o brasileiro de 1822 a 1831, e o português entre março e
maio de 1826. Mergulhado em formol desde 1834, quando parou de bater no peito
de seu dono, na portuguesa cidade do Porto, o inanimado conjunto de músculos
cardíacos que aterrissou em solo tupiniquim é, oficialmente, o de Pedro IV, Rei
de Portugal.
Que jamais lhe seja esquecida a glória de liderar a
independência brasileira, apesar de tê-la feito “antes que algum aventureiro o
fizesse”, como recomendou seu pai, Dom João VI, preocupado com a inevitável
perda da mamata tropical. Conforme desejo paterno, Pedro manteve as duas coroas
sobre as mesmas cabeças, familiarmente, como se nada tivesse acontecido.
Pedro merece homenagens. Mas seu papel na história é
merecedor de mais avaliações. Além dos benefícios da independência, os
malefícios da forma como foi feita necessitam de mais estudos e de serem
levados à balança da História. Naquele coração reinol, morto e formolizado,
cujos primeiros e derradeiros batimentos se deram em solo lusitano, vive parte
significativa das contradições e dos longevos problemas brasileiros.
Foi um golpe a Independência do Brasil? Se visto pela ótica
de quem avalia a Proclamação da República como um golpe, sim. Ambas as rupturas
se deram sem significativa participação popular e sem alteração radical no
tocante aos sistemas políticos/administrativos do antes e depois. Mas,
inegavelmente, foram rompidos laços essenciais nos dois casos.
Pedro I garantiu a continuação da dependência econômica do
Brasil ao modelo de Portugal, aonde retornou como Pedro IV, para segurar sua
filha – Maria II – no trono. O mesmo grupo, naqueles momentos, seguiu no poder
nos dois lados do Atlântico, reduzindo a desenvoltura brasileira nos primeiros
e essenciais passos para a construção de um país soberano de fato.
Fato é que o Brasil, entre as três maiores e mais ricas colônias
europeias no Novo Mundo, é a menos desenvolvida. Os Estados Unidos dispensam
apresentações sobre seu sucesso depois da separação (revolucionária) da
Inglaterra. O Canadá, cujos progresso e riqueza ombreiam-se a seus vizinhos
estadunidenses, ainda tem como soberana a coroa britânica. Ao Norte, portanto, dois
caminhos (opostos) de sucesso. Ao Sul, uma via tortuosa, travada, indo e
voltando eternamente ao “país do futuro”. Culpa do coração de Dom Pedro?
[ILustração: Miguel Paiva]
Nem
tudo o que reluz é ouro https://bit.ly/3n47CDe
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