Como o 11 de Agosto da Democracia ofuscou o 7
de Setembro golpista
Manifesto
idealizado na Faculdade de Direito da USP deve ultrapassar a marca de 1 milhão
de adesões, com destaque para professores, empresários e artistas
André Cintra, Vermelho www.vermelho.org.br
A “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!” – que está sendo lida publicamente nesta quinta-feira (11), em todos os estados do País – é o ponto alto (mas não único) de uma histórica contraofensiva da sociedade civil pela democracia. Em julho, o presidente Jair Bolsonaro vislumbrava que o feriado de 7 de Setembro, dia do Bicentenário da Independência, seria um marco autoritário no País. Não contava que, 27 dias antes, haveria este 11 de Agosto da Democracia.
Bolsonaro queria que a história se repetisse como farsa. Há 11 meses, na celebração do 7 de Setembro de 2021, o presidente mobilizou suas hordas em dois grandes comícios – um em Brasília, outro em São Paulo –, nos quais disparou ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O alvo preferencial foi o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha”. Nos “palanques do golpe”, Bolsonaro disse ainda que não mais reconheceria as decisões do magistrado. Dias antes, ele já havia pedido formalmente ao Senado que Moraes fosse impedido de permanecer no STF.
A escalada autoritária fracassou e isolou ainda mais o presidente. Houve reações generalizadas de todos os Poderes. O coro pelo #ForaBolsonaro cresceu, assim como a rejeição ao governo, forçando um recuo tão necessário quanto constrangedor. Até o ex-presidente Michel Temer (MDB) entrou em cena e, como um ghostwriter, redigiu uma “Declaração à Nação” para que Bolsonaro assinasse, comprometendo-se publicamente a “manter diálogo permanente com os demais Poderes”, sem “esticar a corda”.
Um ano depois, a pandemia refluiu, e alguns indicadores econômicos – como as taxas de inflação e desemprego – parecem em viés de melhora, ainda que lenta e tardiamente. Mas a rejeição a Bolsonaro persiste nas alturas, o que inviabiliza a reeleição. Num intervalo de um mês, duas pesquisas do instituto Datafolha – o de maior credibilidade nos meios políticos – indicavam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderia vencer as eleições de outubro já no primeiro turno, caso o quadro não se alterasse sensivelmente.
O governo apelou para medidas eleitoreiras desesperadas. Turbinou o Auxílio Brasil e o vale-gás, além de criar um voucher para caminhoneiros e taxistas. Tudo paliativo e oportunista, mas com potencial de melhorar as intenções de voto em Bolsonaro. Afinal, se dependesse apenas do legado de um governo de destruição, denunciado e desmoralizado publicamente durante a crise sanitária, o presidente já estaria eleitoralmente morto meses antes do pleito. Para piorar, é inevitável que, fora do cargo, o cerco da Justiça a Bolsonaro se amplie, com chances reais de condenação e prisão.
O temor de um fim melancólico fez o presidente se movimentar em várias frentes. Numa delas, supostamente por dentro da lei, aliados passaram a articular uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para blindar Bolsonaro, tornando-o senador vitalício e mantendo seu foro privilegiado. Para não pegar tão mal, esses aliados planejavam estender a manobra a todos os ex-presidentes. Mas não colou.
Foi sob essas circunstâncias adversas que Bolsonaro recorreu à farsa de mais um 7 de Setembro golpista. Durante a Convenção Eleitoral do PL, em 24 de julho, ele pediu às hordas que, no Dia da Independência, saiam às ruas “pela última vez” contra os ministros do STF – “esses pouco surdos de capa preta”. Na pauta da manifestação, sai a luta contra o inquérito das fake news, entra a mobilização contra a urna eletrônica e o sistema eleitoral. O plano maior: encher a orla da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, de tanques do Exército e de apoiadores fanáticos para acelerar o golpe.
Desta vez, no entanto, a opinião pública se preveniu, haja vista o êxito sem precedentes da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!”. O manifesto, idealizado na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), deve ultrapassar a marca de 1 milhão de adesões. Há signatários de todos os segmentos, com destaque para professores, empresários e artistas – sem contar milhares de militares e policiais.
Além do mais, embora haja nas redes sociais uma explosão de mensagens em defesa do novo 7 de Setembro golpista, o entorno de Bolsonaro está dividido. A ala política teme que o presidente perca o foco na campanha eleitoral. Conforme sublinhou a colunista Malu Gaspar (O Globo), “pesquisas qualitativas da campanha e de adversários mostram que, sempre que o presidente investe contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral, ele perde votos, além de passar a impressão de que já se considera derrotado”.
A cúpula das Forças Armadas avalia que a proposta de Bolsonaro, mais do que temerária, é inviável do ponto de vista logístico. Por sinal, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, já declarou que a tradicional parada militar da Independência será realizada no local de sempre – a Avenida Presidente Vargas, no centro carioca. E agregou: “Ninguém pediu para mudar o desfile de 7 de setembro de lugar. O Exército brasileiro continua solicitando para fazer na Presidente Vargas”.
O próprio Bolsonaro teria recuado. Nesta quinta-feira (10), ele comunicou a interlocutores que já tinha desistido de mudar o script da celebração do 7 de Setembro. Mais tarde, o presidente se encontrou com Alexandre de Moraes, em Brasília, sinalizando a busca de um cessar-fogo. É impossível confiar 100% em Bolsonaro, mas não há dúvida de que este 11 de Agosto da Democracia já ofuscou – e provavelmente esvaziou – o 7 de Setembro golpista.
Veja: Bolsonaro, os militares e a
democracia https://bit.ly/3NwQssg
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