7 de Setembro: As lutas pela independência
História
das lutas sociais no Brasil demonstra de forma inequívoca a falsidade das teses
que atribuem ao povo brasileiro uma “índole pacífica”
José Carlos Ruy, Vermelho www.vermelho.org.br
Muita gente gosta de repetir o jargão conservador de que os brasileiros
são um povo pacífico, que não luta e aceita a opressão quase sem se rebelar.
Esta mentira, repetida por escritores e ideólogos conservadores, e pela mídia
patronal, não corresponde à verdade histórica, não resiste ao exame da história
a partir de um ponto de vista popular.
De acordo com o grande historiador José Honório Rodrigues, a história do
Império teria sido a crônica de uma guerrilha permanente. Ele poderia ter
ampliado esta avaliação para toda a história brasileira, que tem sido, desde o
desembarque dos portugueses nesta parte do mundo, a crônica de uma resistência
sem fim pela liberdade, contra a escravização, pela liberação da terra, contra
a opressão.
A história das lutas sociais no Brasil demonstra de forma inequívoca a
falsidade das teses que atribuem ao povo brasileiro uma “índole pacífica”. Como
todos os povos, de todos os lugares, o povo brasileiro defendeu-se, muitas
vezes de armas na mão, contra os opressores.
Tamoio e Xavante
A conquista portuguesa do Brasil enfrentou poderosa e decidida
resistência armada por parte dos ocupantes originários da terra. Os pontos
altos dessa resistência foram a “Confederação dos Tamoio” (1554-55 a 1567),
entre São Paulo e o Espírito Santo, ou a “Confederação dos Janduim” (conhecida
também como “Guerra dos Bárbaros“, de 1683 a 1710), no sertão do Nordeste.
Ao lado dessas grandes insurreições indígenas, ocorreram ações menores,
constantes em toda a história do Brasil. Nas primeiras décadas do século 20, os
Xavante tornaram-se célebres por sua ousada resistência à ocupação das terras
do Brasil Central. E hoje, na Amazônia, são escritas talvez as páginas mais
recentes dessa resistência heroica e desesperada. Basta ler os jornais e
acompanhar seu desenrolar.
Revoltas escravas
Desde os primeiros momentos da escravidão no Brasil os negros lutaram
contra o estatuto que os oprimia. Essa luta assumiu a forma de fugas para as
matas, com a formação de quilombos; guerrilhas; insurreições urbanas; revoltas
urbanas organizadas para a tomada do poder; e a participação em movimentos
políticos conduzidos por outras camadas sociais.
O Quilombo de Palmares é a manifestação mais marcante dessa luta. Já nos
fins do século 16 há notícias, na Serra da Barriga, de quilombos formados por
negros que escaparam dos engenhos de açúcar na região dos atuais estados de
Alagoas e Pernambuco. O quilombo cresceu a partir de 1630, ocupando uma área de
mais ou menos 60 léguas, abrigando cerca de 25 mil moradores – uma população
imensa para a época. Em 1694, comandada por Domingos Jorge Velho, a maior força
armada jamais vista em todo o período colonial destruiu o quilombo, depois de
quase um século de resistência.
Quilombos existiram por todo o tempo em que durou a escravidão. Em 1759,
Bartolomeu Bueno do Prado destruiu o quilombo de Campo Grande, em Minas Gerais
e Goiás. Por volta de 1770, formou-se o quilombo da Carlota, em Mato Grosso. E,
no Maranhão, o quilombo do Preto Cosme ficou famoso por sua participação na
Balaiada (1838/1843).
As insurreições armadas urbanas e as revoltas organizadas para tomar o
poder tem, entretanto, alcance social mais profundo, e ocorreram também em todo
o território nacional. As mais conhecidas compõem a série de revoltas urbanas
ocorridas em Salvador (Bahia) em 1807, 1808, 1809, 1813, 1814, 1822, 1823,
1826, 1827, 1830, 1835 e 1844.
A mais importante entre estas foi a de 1835 – com um planejamento
meticuloso e envolvendo todos os escravos do Recôncavo, teve seu início
precipitado por uma delação. Na prisão, alguns deram exemplo de grande
dignidade, como o nagô Henrique que, sob tortura, e já com as primeiras
contrações do tétano que o mataria, recusava-se a delatar seus companheiros
afirmando que “não dizia mais nada porque não é gente de dizer duas coisas, e o
que disse está dito até morrer”.
Independência
As primeiras manifestações de uma dinâmica autônoma frente aos
interesses coloniais ocorrem na luta contra os holandeses que, em 1624, atacam
Salvador, (BA), cuja população fugiu para o interior. Dom Marcos Teixeira,
bispo da cidade, organizou a resistência para expulsar os invasores.
Em 1630, os holandeses ocuparam Pernambuco e em seguida uma faixa do
território entre Alagoas e o Rio Grande do Norte. Quando a exploração holandesa
mexeu com os interesses dos grandes proprietários rurais, eles mobilizaram
todas as forças sociais da Colônia – clero, camadas pobres, índios e até mesmo
os negros – e, em 1654, forçaram os holandeses a assinar a rendição.
Nos últimos anos do século 18, houve várias conspirações pela
independência, como as Inconfidências Mineira (1789), do Rio de Janeiro (1794)
e a Revolução dos Alfaiates (1798), liderada por soldados e alfaiates negros de
Salvador e envolvendo padres, profissionais liberais, funcionários públicos,
oficiais das milícias, sapateiros, pedreiros, além de muitos escravos.
Em 1817, comerciantes brasileiros, grandes proprietários, parte do clero
e pobres sem acesso à terra instalaram em Recife (Pernambuco) o primeiro
governo nacional brasileiro, abrangendo Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio
Grande do Norte e Ceará. A falta de coesão política entre os dirigentes
(causada por divergências sobre a abolição da escravidão e a mobilização do
povo em defesa da revolução) tornou o novo governo muito frágil. Em maio de
1817, tropas portuguesas desembarcaram em Recife, os revolucionários saíram
para o interior e o sonho de independência teve fim.
Mas serviu, contudo, para mostrar que o jugo português tinha seus dias
contados. Em junho de 1822, os liberais baianos iniciaram no interior um
movimento contra as tropas portuguesas. A luta durou até julho de 1823, com a expulsão
do colonizador. No Piauí e no Maranhão, a luta contra o domínio português foi
até março de 1823.
Os levantes da Regência
As lutas entre nacionalistas e portugueses marcaram todo o primeiro
reinado. Em 1823, D. Pedro 1º dissolveu a Assembleia Constituinte,
atribuindo-se poderes absolutos. Os liberais em Pernambuco não aceitaram a
Constituição outorgada e, com apoio da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e
Piauí, proclamaram a Confederação do Equador, em 1824.
Em 1831, um levante popular no Rio de Janeiro, com apoio da tropa,
obrigou Pedro 1º a abdicar, abrindo-se assim o período agitado da Regência, com
revoltas em diversas províncias: a Setembrada, no Maranhão, a Novembrada e a
Abrilada, em Pernambuco, as Revoltas Federalistas, na Bahia, a Guerra dos
Cabanos (1832 a 1835) nos sertões de Alagoas e Pernambuco.
Em 1835, houve uma revolta em Ouro Preto, Minas Gerais; em, 1834-35, a
Carneirada, em Pernambuco; em 1837, a Sabinada tentou instaurar uma república
independente na Bahia. No Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha instaurou
uma república independente que durou de 1835 a 1845. Ocorreram também a
Cabanagem (1835-1840), no Pará, onde pela primeira vez as camadas populares
conquistaram e mantiveram o poder por longo espaço de tempo.
Em 1838, houve a Balaiada, no Maranhão, reprimida por Caxias com apoio
dos liberais que, tendo aderido à revolta, foram anistiados pelo mesmo
repressor com a condição de aderirem à luta contra camponeses e ex-escravos,
que haviam sido seus aliados. Em 1842, houve a Revolução Liberal, em São Paulo
e Minas Gerais, também reprimida por Caxias. E, de 1848 a 1850, houve a
Revolução Praieira, em Pernambuco, um movimento democrático e
antilatifundiário, com grande apoio popular.
NOTA DA REDAÇÃO
Este artigo é uma adaptação do ensaio “As lutas do povo brasileiro”,
escrito pelo autor em 2020.
Revista 'Princípios' publica dossiê de 200 anos de uma
independência incompleta https://bit.ly/3Rv2FAw
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