23 outubro 2022

Futebol entre a técnica e o prazer

Brasil deve tratar bola com carinho, divertir-se com responsabilidade

A fantasia transita pelo espaço imaginário, entre a brincadeira e a seriedade
Tostão, Folha de S. Paulo

 

O Brasil, daqui a 32 dias, em 24 de novembro, às 16h, na quinta-feira, vai estrear na Copa do Mundo, contra a boa seleção da Sérvia.

O Mundial é a maior festa do futebol e também uma celebração de heróis e de vilões e a espetacularização das coisas boas e ruins, de exageros nas conquistas e nos fracassos, compatível com o mundo atual, de vulgaridades, fake news, parcialidades, ódios, violência, hipocrisia e ausência de projetos e de ações.

O Brasil é um dos candidatos ao título mundial porque possui ótimos jogadores e pelo bom e eficiente trabalho de Tite e da comissão técnica. Porém tenho receios e preocupações, algumas previsíveis e outras que podem surgir de repente, sem avisar. A vida é um sopro, como diz a letra de um tango argentino.

Tite deve usar várias opções na escalação e na estratégia, de acordo com o momento e com o adversário. Há boas alternativas, e é preciso usá-las. Contra seleções mais fracas, que vão atuar com nove a dez jogadores recuados e próximos à área, será necessária a presença de um centroavante, bom cabeceador e que saiba jogar em pequenos espaços, como Pedro ou Richarlison, já que haverá um grande número de cruzamentos para área. O Brasil é também muito forte nas bolas paradas ofensivas, com Thiago Silva e Marquinhos.

A seleção corre riscos, contra grandes equipes, de ter dificuldades no meio-campo, pois poderá jogar com dois pontas sempre abertos, com um centroavante, com Neymar, pelo meio, mas que não participa da marcação, e com apenas dois jogadores para desarmar, Casemiro e Fred ou Paquetá. Várias seleções europeias se destacam pela aproximação de jogadores no meio, para trocar passes e envolver o adversário. Uma opção seria não ter o centroavante, adiantar Neymar e formar um trio no meio-campo, com Casemiro, Fred e Paquetá.

A situação atual é bem diferente, mas me lembra o confronto com a Alemanha, no 7 a 1, quando o Brasil tinha apenas dois jogadores no meio-campo, e a seleção alemã, com a aproximação de vários meio-campistas brilhantes, tomou conta do jogo.

Vinicius Junior, pelo que joga no Real Madrid e pelo reconhecimento ao ser eleito o oitavo melhor jogador do mundo, não pode ser reserva. Tite deveria aproveitá-lo mais nos contra-ataques, como faz Ancelotti no Real Madrid. O time espanhol, mesmo contra adversários inferiores, costuma recuar a marcação, atrair o outro time, para recuperar a bola e lançá-la rapidamente a Vinicius Junior. Ele, com espaço, com sua velocidade e com seus dribles, é imarcável.

Independentemente da escalação e da estratégia, será necessário ter a bola, tratá-la com carinho, divertir-se com ela, com responsabilidade. A fantasia transita pelo espaço imaginário, entre a brincadeira e a seriedade.

A forma esférica da bola fascina as crianças. Antes de gostar de futebol, elas gostam da bola. Minha primeira bola foi de meia. A bola deve ter surgido antes da roda. Segundo a teoria do Big Bang, a vida começou com uma bola de fogo. O químico britânico Harold Kroto ganhou o Prêmio Nobel, em 1996, pela descoberta de uma nova fórmula molecular para o carbono, fulereno, que tinha o formato de uma bola.

Mario Prata, em seu recente e delicioso livro "O Drible da Vaca", mistura de ficção, história, realidade e humor, mostrou como foi a criação do formato da bola no início do futebol, inspirada nos desenhos de Leonardo Da Vinci, o maior gênio da humanidade. O mundo é uma bola.

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