Vítor Pereira vive dificuldade
encontrada por Parreira em 2006
Sonho do técnico da seleção
na Alemanha era time com menos craques e mais previsível
Tostão/Folha
de S. Paulo
Aprendi na medicina
e na psicanálise que não devemos transportar o que está nos livros para todos
os pacientes. Estes, com a mesma doença, são diferentes. Os sintomas de cada um
é que devem ser comparados com o que está nos livros. O doente é que tem de ser
tratado, não a doença.
O mesmo ocorre na
vida. As experiências vividas, que parecem idênticas, são diferentes em cada
época. Por ser mais fácil e seguro, o ser humano costuma repetir
comportamentos, como se os instantes fossem iguais. No futebol, é parecido.
Cada jogo tem seus detalhes, sua história, e deve ser visto e conduzido de
variadas maneiras.
O sonho de muitos treinadores e analistas, extremamente
racionais, mesmo sem admitir, é fazer do futebol um esporte puramente
científico, técnico, tático, programado, ensaiado e calculado. A surpresa, os
detalhes subjetivos e o imponderável não teriam nenhuma importância.
O futebol que vi e que vivi, em épocas diferentes, têm
expressões diferentes. Resumindo, nos anos 1960 e 1970, havia um fascínio pelo
jogo mais livre, mais inventado, mais fantasioso. Os artistas e habilidosos
brasileiros eram endeusados em todo o mundo. Depois, progressivamente, especialmente
nas décadas de 1980 e 1990, o futebol ficou mais científico, planejado,
utilitário, físico, com poucos devaneios individualistas. Ficou também mais
feio e previsível.
Após a Copa de 2002,
houve uma transformação, que continua até hoje, para melhor. Construiu-se uma
união entre as duas épocas anteriores, uma mistura de pragmatismo, improvisação
e inventividade. O jogo ficou mais intenso, mais emocionante, mais bonito, mais
técnico e tático.
Aumentaram também as discussões sobre o que é mais importante, o
desempenho ou o resultado, a beleza ou a eficiência. As duas visões são
essenciais e necessárias. No futuro, que já chegou, os times alternam
estratégias diferentes a cada jogo e até em uma mesma partida, de acordo com o
momento.
Em todos esses períodos, os craques sempre estiveram presentes.
São eles que embelezam o futebol. Mas não é fácil juntá-los em um mesmo time. Antes da Copa de 2006,
o bom e pragmático técnico Parreira disse que escalar Ronaldo,
Ronaldinho, Kaká e Adriano seria o limite da ousadia. Parreira tentou
posicionar os craques de uma maneira diferente, e não deu certo. Imagino que o
sonho do técnico seria dirigir uma seleção com menos craques e mais previsível.
Vítor Pereira passa por algo parecido no Flamengo.
Gostaria de ter jogadores pelos lados que marcam e atacam, como exigia que
Róger Guedes jogasse no Corinthians, mas sabe que não pode abrir mão dos
melhores e de escalar juntos Everton Ribeiro, Arrascaeta, Gabigol e Pedro.
Seja qual for o esquema que vai usar no Mundial de Clubes, o
técnico será bastante criticado se o time não for campeão. Por estar no início
do trabalho, ainda falta a Vítor Pereira a definição e a segurança que tem Abel Ferreira no Palmeiras.
O passado está sempre junto com o presente. Existe um
saudosismo, uma tendência de achar que tudo no passado era melhor. O genial
Woody Allen, no filme "Meia-Noite em Paris", mostrou como a memória
afetiva do que foi vivido ou imaginado é mais prazerosa para a maioria das
pessoas do que o presente. O ser humano está sempre insatisfeito com o atual.
"Deve-se viver a vida olhando para a frente, mas só se pode
entendê-la olhando para trás." (Kierkegaard, filósofo dinamarquês)
[Ilustração: José da Silva]
Verso e reverso do que acontece https://bit.ly/3Ye45TD
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