O dilema da ciência brasileira
Nem sempre o interesse dos pesquisadores coincide com os do Brasil
Rogério Cezar Cerqueira Leite/Folha de S, Paulo
"Dois caminhos divergirão em um bosque amarelo", diz o poeta (Robert Frost). Sim, para todos nós, um dia enfrentamos a difícil escolha. Qual caminho tomar?
A administração Lula se encontra ou vai se encontrar diante de uma escolha intransponível: a própria natureza ou a imposição desenvolvimentista, o distributivismo de um lado ou a concentração de outro.
Tomemos por exemplo o dilema da eleição de uma política para ciência, tecnologia e inovação.
Há quase cem anos percebeu-se que a concentração de atividades em pesquisa é essencial para um rápido desenvolvimento de um projeto de pesquisa, a bomba atômica. Depois vieram o Vale do Silício, a Rota 128 e, mais tarde, Coreia do Sul, China, Vietnã etc. Hoje encontram-se parques tecnológicos por toda a parte. Os primeiros foram espontâneos, mas hoje e recentemente são planejados.
Pois bem, o primeiro tecnopolo planejado do planeta ocorreu no Brasil, em Campinas, tendo como inspiração o Vale do Silício, em que a Universidade de Stanford atuou como âncora. Pretendeu-se fazer com que a Unicamp viesse a ser uma Stanford, mas parece que a ideia de concentração era prematura. Outros centros surgem timidamente, sem apoio financeiro suficiente.
Hoje vemos que os países tecnologicamente desenvolvidos são aqueles que adotaram, em certa medida, a concentração.
Pois bem, a gestão Lula atua hoje como o tal avestruz que esconde a cabeça. Enquanto EUA, China, Coreia do Sul e Vietnã aplicam entre 3,5% e 5% do PIB em pesquisa, o Brasil distribui menos que 1% (incluindo alguns factoides). Pois bem, é evidente que não se pode condenar a fraternal inclinação para o distributivismo, embora quando dominante seja um mal definitivo para o país.
Lembremos que o distributivismo é exigido pela comunidade científica. Acadêmicos e sociedades científicas colocam, por vezes, e confundem os próprios interesses com os da ciência e do conhecimento e esquecem os do Brasil.
Nem sempre o interesse dos pesquisadores coincide com os do Brasil. E isso é tão mais verdadeiro quanto mais numeroso for o conjunto de pesquisas a deliberar, "cada um puxando a brasa para a sua sardinha".
Assim sendo, proponho que os recursos disponíveis sejam divididos em duas partes: 80% ou tanto seriam reservados para projetos obviamente necessários ao desenvolvimento nacional e 20% para aqueles escolhidos pelos cientistas. E sugiro ainda que ambas as parcelas sejam nitidamente separadas, para que não continuem as disputas.
Deve-se reconhecer que, havendo poucos recursos orçamentários, só podemos escolher poucos projetos. Não há dúvida de que a ameaça de diferentes levas de vírus impõe a pesquisa em virologia como uma das escolhas. É também evidente que estamos a entrar em um período de atividade especial. Será também uma atividade acentuada inevitável a informática, com seus vários aspectos.
Energias renováveis aparecem agora como incontornáveis devido às variações climáticas e suas catastróficas consequências. O Brasil pode facilmente se livrar de combustíveis fósseis, mesmo nos limites tecnológicos atuais. E aqui um novo dilema. Petróleo e gás natural representam recursos financeiros, mas também haverá consequências nefastas para as próximas gerações.
A administração Lula terá que decidir entre o progresso da presente geração e o futuro das próximas.
Não basta a linha do tempo https://bit.ly/3Ye45TD
Nenhum comentário:
Postar um comentário