09 maio 2020

Confraternização macabra


O que festejar?
Por José Ambrósio*

É possível que enquanto você esteja lendo essa crônica neste sábado (09.05) o presidente Jair Bolsonaro se encontre em meio a um churrasco com outros 30 convidados, em Brasília. O que o presidente festeja se o Brasil agoniza? O país amanhece contabilizando 9.997 mortos pelo novo coronavírus e 145.328 casos confirmados da doença.

Enquanto o senhor presidente festeja, centenas de famílias choram a perda de entes queridos (mais 751 mortos nas últimas 24 horas) que vão se somar aos outros milhares já sepultados. O que festejar?

Enquanto o senhor presidente abraça festivos convidados, outros milhares de brasileiros e brasileiras se despedem à distância de parentes e amigos que não resistiram à letalidade do "resfriadinho" e estão sendo enterrados em cemitérios abarrotados pelo país afora. O que festejar?

Enquanto o senhor presidente dá possíveis gargalhadas no churrasco, milhares estão em enfermarias e UTIs arfando em busca de ar, sob o olhar aflito de profissionais da saúde numa luta frenética e desesperada para salvar vidas. O que festejar?

Enquanto o senhor presidente escolhe os melhores cortes de carnes para saborear no seu farto churrasco, milhões de brasileiros não têm o que comer, situação agravada com a pandemia. O que festejar?

E no domingo, Dia das Mães, quantas delas estarão chorando a morte de filhos e filhas vitimadas pelo coronavírus? E, do mesmo modo, quantos filhos e filhas estarão se despedindo de suas mães?

É muito desprezo!

Enquanto o senhor presidente, ministros e convidados encontram razões e tempo para comemorar, o Brasil já é o oitavo país do mundo com mais casos de infecção pela Covid-19. O que festejar?

E daí?

E daí, senhor presidente, é que são atitudes como essas desse seu churrasco que vem fazendo com que o Brasil esteja entre os países com maior índice de desorganização na política de isolamento social defendida pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Muitos brasileiros se perguntam como ficar em casa se o próprio presidente vive chamando o povo para as ruas e considera a pandemia que assola o mundo apenas uma "gripezinha"? Como não convidar amigos para um churrasquinho no jardim, no quintal, na laje, seja onde for, se o presidente junta a sua turma para festejar sabe-se lá o quê?

Daí o crescimento acelerado da contaminação que faz com que algumas cidades, capitais e estados decretem lockdown.

Daí que o Brasil é o epicentro da Covid-19 na América Latina e o país já é visto como um risco grande para a América do Sul, como alertou na última quarta-feira (06) o presidente da Argentina, Alberto Fernández. Um dia antes o governo do Uruguai anunciou um maior controle na fronteira, já fechada desde março, e a criação de um protocolo para fluxo de pessoas nas cidades binacionais. (AFP).

E não venha nos mandar calar a boca (coincidentemente também sou jornalista), recurso utilizado muitas vezes por quem, sem argumentos, tenta intimidar interlocutores aos gritos por não poder "sair no braço", como se diz em Pernambuco.

Aliás, em Pernambuco, como em vários estados brasileiros, há fila de infectados pela Covid-19 à espera de vaga em UTI, enquanto, por outro lado, cai a adesão ao isolamento social tão necessário para se conter a pressão sobre o sistema de saúde já saturado. E o governo alerta que ainda teremos dias piores. "Infelizmente, não chegamos ao pico da epidemia ainda, em nosso estado. É provável que a doença chegue a muitos outros lugares em Pernambuco", disse à imprensa, hoje, o secretário estadual de Saúde, André Longo.

Se puder, fique em casa. E deixe o churrasquinho para depois, bem depois.


Candeias, 08 de maio de 2020.
*José Ambrósio é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras
[Ilustração: Giovanni Battista Tieplo]

Fique sabendo https://bit.ly/2Yt4W6l

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