20 outubro 2020

Eleições municipais: dispersão

Eleições em ambiente de baixa visibilidade

Walter Sorrentino

 

As eleições de novembro desafiam prognósticos como nunca. O quadro brasileiro está profundamente desarranjado em qualquer sentido que se queira e a política partidária está no zênite de dispersão e fragmentação. A crise sanitária e suas terríveis consequências econômicas e sociais fazem o resto. Onde se situará, nas urnas, o sentimento de insatisfação dos eleitores? Ou seria de continuidade, dada a vantagem que têm os que vão à reeleição, numa campanha curta em meio ao isolamento social frente à pandemia? Enfim, é de se crer que as urnas revelarão um ponto fora da curva histórica.

A dispersão dificulta a polarização da disputa no primeiro turno, mas o mais provável é que isso venha com tudo no segundo turno. Só se pode apreciar os resultados políticos das urnas em perspectiva ligadas à disputa entre campos políticos de 2022. As capitais serão a vitrine decisiva do balanço de forças – nelas ponteiam São Paulo e Rio que, seguramente, serão vitórias políticas expressivas. Isto não apenas pelas vitórias eleitorais em si, como também pela derrota do campo adversário, polarizados no caso entre PSDB-DEM e o bolsonarismo, em ambas a esquerda correndo na outra raia.

As mais de 30 legendas partidárias dificilmente poderão alegar uma vitória incontrastada, o caso é de examinar os campos políticos em disputa. São três os grandes campos políticos, tendo de permeio o fabuloso Centrão, distribuído segundo as conveniências, parte em Bolsonaro, parte na direita-liberal.

Serão as primeiras eleições com Bolsonaro na presidência, vindo de uma vitória em 2018 numa onda conservadora avassaladora. Neste momento, a mudança de conduta política e institucional de Bolsonaro na presidência, apesar dos descalabros do desgoverno brasileiro, mais o efeito provisório do auxílio-emergência, o fortalece. A extrema-direita faz o jogo do velho transformismo político, mas tem o rabo mais sujo que poleiro de passarinho, só engana incautos. Tudo está montado para adiar definições no campo econômico e social, de modo a que não incidam nas urnas. A crise é gravíssima, não há consenso quanto a enfrentá-la, Bolsonaro só busca sua reeleição e o país não tem perspectivas de superar o impasse econômico e social gravíssimo.

O presidente por ora está fortalecido nas pesquisas, espraiou sua influência mais vastamente e penetra, em especial, no Nordeste. Porém, ao mesmo tempo, aumenta a rejeição a ele e seu governo nas grandes metrópoles. Bolsonaro pode apoiar abertamente candidatos no primeiro turno ou, simplesmente, navegar com aliados vitoriosos que cheguem ao segundo turno, provavelmente muitos. Isso ocorre em capitais como as já citadas além de outras como Fortaleza e São Luís, p.ex. Em muitas outras esse é o campo que lidera as pesquisas.

Sem um partido para chamar de seu, o fato é que os partidos do campo do Centrão, hoje base do governo e aliados nas eleições, são os que mais cresceram em números de candidatos nas maiores cidades (além de PSL e PSC, há Republicanos – que lideram o número de candidatos a vereadores nas 95 maiores cidades -, o PP, PL, PSD, PODE, PRTB, Avante e Patriota). Pode-se dizer, lato senso, que essas legendas serão as que mais crescerão eleitoralmente.

O arco da direita liberal – principalmente DEM e PSDB – será outro forte protagonista. Quer recuperar-se da duríssima derrota de 2018. O campo mais definido até agora, neoliberal, mas contra Bolsonaro para 2022, é Dória e corre por fora (bem por fora…) Moro. O governador não pode ser derrotado em SP e Rio, para manter a possibilidade de um projeto presidencial. Para isso agregou em torno de si em 2020, além do PSDB, o DEM, MDB, PSD e outros mais. Será um embate marcante que inclui, além de SP e Rio, Salvador e Curitiba entre as grandes capitais, mais Macapá e outras onde pode disputar o segundo turno, como Recife e São Luís. O PSD lidera em Belo Horizonte. O MDB tem chances principalmente no Centro-Oeste e, apesar de recuo com respeito a 2016, ainda lidera o ranking do número de municípios em que disputa. Quer dizer, também está disperso em diversas legendas.

E há o campo da esquerda e centro-esquerda. Nas capitais há candidatos do PSOL em 23, PT em 21, PCdoB e PSB em 12 e PDT em 8. O PT aumentou sua presença com candidaturas no país, PCdoB e PSOL diminuíram. No campo da Centro Esquerda, PDT, REDE e PSB mantêm números aproximadamente iguais a 2016.

Há uma clara divisão entre esquerda e centro-esquerda, que reflete táticas próprias de cada força com vistas a candidaturas presidenciais e aumento das bancadas federais em 22. 

PDT e PSB (mais REDE e PV) fizeram aliança preferencial no país e o PDT fez acordo separado com DEM. Brandem o “antipetismo”, buscando pôr-se como merecedor do voto da direita e centro-direita bem como do petismo desiludido – estratégia mais que estranha no atual panorama politicamente saturado. Podem manter Fortaleza e Aracaju (PDT) e Recife e Rio Branco (PSB), mas estão em jogo também Macapá e João Pessoa (PSB).

A esquerda, do ponto de vista político, pode ostentar uma vitória política conquistando governos em Porto Alegre e São Luís (PCdoB), Belém e Florianópolis (PSOL). Até o momento o PT não lidera em nenhuma capital, mas tem expectativas maiores em Salvador e Rio, difíceis, mas no campo das possibilidades, e vai disputar em Teresina, mais Recife e Fortaleza correndo por fora. O PT enfrentou relativo isolamento e fez uma política de alianças mais larga, apoiando outras legendas na cabeça de chapa. Mesmo assim, em grande parte dos casos sai sem alianças (nas 95 maiores cidades, 40% delas sem aliados), sendo o caso mais emblemático a candidatura de São Paulo. De todo modo, está posta a perspectiva de recuperação, buscando retomar maior diálogo com os amplos setores de massa, reconquistar a confiança perdida de parte de sua base eleitoral, como é o caso do PT.

No caso do G96 (capitais e cidades com segundo turno), o PSL não existia; o PSDB tem sob o seu comando 30 municípios; MDB em 2º lugar, com 15 prefeituras; PSB, DEM e PSD aparecem em seguida, com 7 cidades cada. A esquerda em 2016 perdeu posições amplamente com relação ao pleito de 2012: o PT foi de 18 a 1; PCdoB de 4 a 1; PSOL de 1 a 0; PDT e PSB menos 50%.

Pouco provavelmente os resultados globais de cada um desses partidos serão muito diferentes dos atuais – não obstante o provável crescimento global do campo do bolsonarismo e do centrão e eventuais vitórias políticas nas capitais, já citados.

Então, nesse ambiente disperso de legendas partidárias, provavelmente vão se dar duas chaves de disputa política. Por um lado, a disputa dos eleitores bolsonaristas e a disputa dos eleitores petista, por parte de quase todos; por outro lado, disputa-se quem será mais derrotado com respeito à acumulação para 2022 – se o bolsonarismo (revertendo em parte a mensagem antissistema agressiva), a direita liberal (mas PSDB parece em certa recuperação) ou a esquerda e centro-esquerda(mais precisamente voltando o alvo ao PT, se não recuperar nenhuma capital e não se fortalecer no G96). Nesse sentido, é uma campanha de negatividade.

Alguns desafios velhos e novos estão postos às forças progressistas de esquerda. O mais importante é o eixo tático de derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo, onde o quadro ainda está embolado. Elas podem pressionar e mobilizar-se pela unidade do referido campo, ao menos no segundo turno ou, em caso de não presença desse campo, manter o objetivo de derrotar Bolsonaro. Ao lado disso, em uníssono, as forças progressistas deveriam combater abertamente o anticomunismo com que Bolsonaro envenena suas tropas, na qual tomam carona, às vezes, outras forças e setores oportunistas. Essa é uma forma de ataque à democracia!

No primeiro turno é de dar importância também à eleição de vereadores, espaços para acumulação das forças desse campo para 2022, o que pode motivar campanhas suprapartidárias, por exemplo, de indicação do voto. Há muitas candidaturas coletivas, uma inovação interessante, que pode facilitar esse esforço.

As campanhas pelo voto popular precisam falar ao povo, de modo direto, incidir sobre as questões candentes do cotidiano das famílias e das cidades. Também chacoalhar qualquer sentimento de resignação que se manifeste. Quando Bolsonaro volta para o campo da política, a economia tende a ser o problema central das mensagens de campanha – e como se vê, as contradições do campo conservador aí são antagônicas e sem perspectivas face à crise econômica e social. Assim, propostas concretas são necessárias nas áreas de emprego, renda, saúde e educação, objetivas, sem muitas firulas, debatendo o orçamento necessário e a democratização das cidades. A “nacionalização” dos discursos decorrerá naturalmente desses enfoques.

A apenas quatro semanas do pleito, a ninguém é dado deixar as eleições em segundo plano, ao contrário, vê-las como batalha destacada vinculada à grande luta política em curso no país, oportunidade imperdível de politizar o sentimento popular.

Veja: Está faltando algo precioso na campanha eleitoral https://bit.ly/2TatLA8

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