30 outubro 2020

Estratégia da China

A resposta chinesa à guerra comercial

Como num jogo de weiqi, China busca vantagem relativa em vez da confrontação

Tatiana Prazeres, Folha de S. Paulo

 

Chineses jogam weiqi, e os ocidentais, xadrez. Henry Kissinger, no seu livro "Sobre a China", recorre aos jogos de tabuleiro ao analisar as visões diferentes dos dois lados a respeito de estratégia e confrontação.

Se o xadrez valoriza a batalha decisiva, o weiqi —ou go, como também é conhecido— consiste numa campanha prolongada. O jogador de xadrez quer a vitória absoluta, o xeque-mate. O de weiqi busca gradualmente acumular vantagem relativa para cercar o oponente.

O tabuleiro guarda paralelo com a vida real, segundo Kissinger. Sua reflexão faz pensar na resposta dos chineses à guerra comercial.

Pequim evitou confrontação direta, respondeu de maneira relativamente moderada à sequência de medidas americanas. Diante de barreiras tarifárias por parte dos EUA, os chineses retrucaram com tarifas, mas sempre num tom menor que o dos americanos.

Não restringiram investimentos dos EUA na China. Seguiram abrindo o mercado a conta-gotas, mas permitiram acesso, por exemplo, ao seu cobiçado setor financeiro por parte de gigantes como Mastercard e JPMorgan.

Pequim jogou o jogo ao permitir que o presidente-candidato Trump cantasse vitória com seu chamado acordo fase 1 em janeiro de 2019 —um proto-acordo anunciado com fanfarra, mas de resultados duvidosos.

Com tudo isso, a China está apenas administrando as tensões. Em paralelo, busca caminhos que lhe deem vantagem relativa e a longo prazo.

A mais importante reunião anual do Partido Comunista Chinês termina nesta sexta-feira (30). Autoridades do Partido —que são também do Estado— se reúnem para estabelecer o plano quinquenal 2021-2026, além de tratar de objetivos para 2035.

O plano quinquenal não é uma resposta aos EUA ou à guerra comercial, mas é uma peça que ajuda a explicar como o partido vê o jogo nos próximos anos.

Sob o novo plano, a expressão críptica “estratégia da circulação dual” vira palavra de ordem. Trata-se de ênfase na autossuficiência, no consumo doméstico e nos investimentos em tecnologia e inovação.

Pequim estará imbuída do propósito de fazer a China menos dependente do exterior —incluindo do humor de autoridades estrangeiras e de países mais resistentes a produtos, investimentos e influência chineses.

Xi Jinping já havia apontado nessa direção em visita recente a Shenzhen, cidade que sedia Huawei, Tencent (do WeChat) e outras tantas afetadas por medidas americanas.

Disse que a China deve elevar a autossuficiência a um outro patamar. Quer que o país enfrente os gargalos que o deixam vulneráveis a medidas de outras capitais —por exemplo, restrições americanas às exportações de semicondutores para empresas chinesas.

A China apressa-se em dizer que segue aberta a investimentos estrangeiros. No entanto, vai olhar mais para dentro agora. O exercício é convencer os demais de que isso não significa fechar-se para o mundo.

A verdade é que, depois de ter surfado a onda da hiperglobalização, Pequim sabe que o tempo fechou e a maré virou. Sente o impacto das medidas americanas, vê ícones da inovação nacional sob ameaça não apenas nos EUA. Com a guerra comercial, os americanos fizeram mal a si mesmos —empresas, consumidores e contribuintes—, mas também atingiram os chineses.

Na sua reação à guerra comercial, a China evita confrontação direta com os EUA. Responde à sua maneira para mitigar os riscos de um ambiente externo desfavorável. Busca aproveitar as vantagens do seu mercado doméstico e investe em tecnologia para tornar-se mais competitiva que seus oponentes.

Como poucos, tem capacidade de mobilizar recursos para implementar um plano. Pequim joga com as peças que tem, no tabuleiro em que sabe jogar.

* Tatiana Prazeres Senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do diretor-geral da OMC.

Veja: Novo desenho geopolítico mundial https://bit.ly/35goKxb  

Nenhum comentário: