Sua Excelência a patroa brasileira
Cristina França*
Neste sábado, 2 de outubro, a cidadã do título irá à praia. Cansou dos empregados desobedientes e aguardará sob o sol o dia de demiti-los. Levará consigo as filhas, filhos, marido e ex, sogro, sogra, papagaio e cachorro. Os empregados todos estarão onde sempre estiveram: num lugar imaginário chamado Estado, em crise tanto quanto o capital que o mantém. Esta descrição é idílica, irreal, surreal, patética, impossível, tola, empírica, inútil. Não ajuda. Atrapalha a real compreensão dos fatos e embaça a análise da conjuntura.
Será? Não creio. O óbvio é tão ululante que nem gostamos dele. Um tapa na cara que faz cambalear e se perguntar: que diabos me esbofeteou tão diretamente no ponto G da minha alma cidadã? É camarada, você é patroa. Sente o gostinho doce descendo goela abaixo, saboreia este adjetivo tão gostoso, tão inebriante, tão desejado. E acorde para a realidade. Você não está na praia. Você está sendo chamada a descer para o parquinho e brigar por... o quê mesmo?
A questão é que você não compreendeu por uma iluminação divina, e ninguém te explicou na escola, que você é patroa. Do capital, do social, do Estado, do STF, do presidente (este que está aí, saiba a responsabilidade é tua) senador, deputado, prefeito, vereador, varredor de rua, médico do SUS. Toda massa de empregados (e está tudo no masculino para que você se sinta ainda mais poderosa e empoderada) é tua, te serve. Agora, que tipo de patroa você é?
Não dá para ser patroa e sair chamando todos de excelência, meritíssimo, doutor, nobre, vossa senhoria. Esta coisa da palavra é poderosa. Você de tanto repetir vai se convencendo de que estes adjetivos significam alguma coisa acima da tua humilde existência. Aliás, patroa humilde nos atos e palavras é o que nos trouxe até aqui. Não. Sejamos patroas elegantes, esclarecidas, educadas, tratemos nossos empregados com respeito, em especial aqueles que nos possibilitam conhecer o mundo.
A excelência do título é só para chamar atenção mesmo. A superbia não é uma virtude. Excelentes devem ser os serviços prestados pelos empregados. E convém entender que empregados são patrões de si mesmos, ou seja, reunidos sob a égide do Estado em crise, precisam estar impregnados desta dualidade. Neste 7 de setembro são trinta anos do Grito dos Excluídos. Mais do que na hora cara patroa de gritar e agitar a bandeira que nos levará ao paraíso: SALVE A DEMOCRACIA PATRONAL. Empregados maus vão tremer na base.
[Ilustração: Alfred Stevens]
*Jornalista
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