Uma mulher como Cássia
Cícero Belmar*
Passava
das 19h30 daquele sábado, 29 de dezembro de 2001, quando a televisão deu, em
edição extraordinária, a notícia que me impactou: a cantora Cássia Eller
morrera, após várias paradas cardíacas, em decorrência de um repentino infarto
no miocárdio. Com que medida se conta o tempo? No dia 29 do mês passado fez 20
anos de sua passagem.
Custou-me
acreditar naquela notícia. Ela estava no auge da carreira, com 39 anos. É
estranho encarar a morte de um artista de sucesso, que você admira. Havia pouco
mais de um mês que eu fora a um show dela numa casa de espetáculo do Recife.
Parece
esquisito ter o sentimento de tristeza profunda por causa da morte de uma
pessoa famosa, que sequer conhecia pessoalmente. Apesar de não ser próxima, a
presença de Cássia Eller podia ser sentida em minha vida de alguma forma. Foi a
minha cantora favorita.
Ela
tinha muita coisa com que eu me identificava. Detonou rebeldias com bom humor e
criatividade. Era uma celebridade que fazia a linha gente como a gente,
totalmente avessa ao glamour, e muito importante como modelo de expressão e
presentificação na vida.
Aquele
vozeirão, a interpretação, as provocações, “pintas” e sarcasmos da artista no
palco não combinavam com a ideia de morte. Ainda assim, não vi registros dos 20
anos do falecimento dela.
No
dia do aniversário da morte só o Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição (Ecad) fez uma homenagem, no site. Um levantamento entre as 337
gravações de Cássia, cadastradas no banco de dados do Ecad, mostrou as músicas
interpretadas por ela, que são as mais tocadas nos últimos 10 anos.
A
pesquisa revela “as 20 mais” de Cássia. Copio e colo, aqui, o ranking com as
dez primeiras. São: O segundo sol, Malandragem, Por enquanto, Palavras ao
vento, All star, Relicário, E.c.t., O meu mundo ficaria completo, Gatas
extraordinárias e Luz dos olhos. A lista completa está no site do Ecad.
Coincidência:
quando Cássia Eller morreu fazia 19 anos que outra cantora, Elis Regina, tinha
se encantado. Em 5 de novembro do ano passado, Marília Mendonça faleceu, quando
decorriam 19 anos da morte de Cássia. Só no final de dezembro é que faria 20.
Não
estou comparando Marília com Elis ou com Cássia, tampouco gosto do gênero
sertanejo. Mas é inegável que MM era dona de uma voz potente. As três morreram
no auge, se encantaram de forma trágica, deixando milhares de fãs
traumatizados. É grande a lista de artistas talentosos da música que partiram
precocemente. Lembro-me, agora, de Amy Winehouse, Kurt Cobain, Jimi Hendrix,
Janis Joplin. Há outros.
Eu
gostava, de Cássia Eller, da voz, em primeiro lugar; o jeito de cantar, mas
também o estilo bem humorado que sempre me proporcionava umas risadas; a
maneira verdadeira e informal com que se apresentava.
Era
moleca, um tipo que a gente achava que poderia deparar num boteco para trocar
umas ideias e tomar umas doses. Ela tinha uma conexão com a alegria do
cotidiano. Claro, cantava umas músicas tristes também. Mas não era comum a
tristeza em suas interpretações.
A
morte repentina de Cássia Eller me fez repensar várias coisas. Sobre a leveza
da existência, o sentido do tempo, a capacidade de se dispor ao que produzimos.
Quem trabalha com o artístico precisa daquela entrega. Na arte, como na vida, é
fake se distanciar das verdades mais íntimas.
* Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário