A feijoada azul
Luciano Siqueira
Como todos os anos, a gostosa algazarra
do réveillon.
No ano passado a pandemia não permitiu.
Porém agora, cuidados sanitários resguardados, voltamos a reunir a família e
agregados.
- Qual será o almoço do dia 31?
- Uma baita feijoada feita a muitas
mãos.
Enquanto uma parte da turma toma birita
na varanda, outra parte — pelo menos 5 entre veteranos e jovens — se amontoa na
cozinha, todos se autoproclamando competentes no ofício.
Com uma boa cota de divergências.
Polêmicas incompreensíveis para um
observador como eu, absolutamente ignorante na matéria.
A intenção é preparar um caldeirão de
feijoada de véspera, para que ela curta o suficiente e seja degustada dia
seguinte, "no ponto".
Alguém tem a ideia meter colorau na
feijoada, sob protestos generalizados.
- O colorau é para que ela fique com
uma boa aparência, justifica o transgressor.
- Como assim, se colorau é vermelho!?
- Depois que ferve fica escuro, ora!
Todos os que estão na cozinha se
consideram expert e cada um a seu critério acrescenta algum ingrediente.
Lá pras tantas alguém denuncia:
- A feijoada está ficando azul!
Perplexidade de alguns, tranquilidade
de outros.
Eu mesmo, em minha irrecuperável
ignorância, jamais ouvira falar em feijoada azul.
- Foi o colorau, protestou alguém.
- Garanto que amanhã ela amanhecerá
preta, asseverou o dito especialista.
O fato é que a feijoada amanheceu preta
como naturalmente é, para alegria de todos.
E na hora prevista, alguns saboreando
uma lapada de uma boa cachaça, outros optando pela cerveja convincentemente
gelada, houve concordância unânime quanto a qualidade da feijoada.
- Arretada!
- Porreta!
- Eu não disse!?
- Nesses anos todos em que nos juntamos
para o réveillon, nunca vi uma feijoada assim tão gostosa, proclamou alguém com
a voz enviesada pela quantidade de hidroxilas consumidas.
Fiz meu prato em silêncio, pois quem
sabe apenas lavar a louça não deve se imiscuir entre cozinheiros.
Falei baixinho para mim mesmo:
- O sabor é razoável, mas a variedade
das carnes deixa a desejar...
- E aí, concorda que é a melhor
feijoada de todos os tempos?
Apenas fiz um leve aceno de
concordância, meio que em cima do muro, para não me comprometer.
E assim todos devoraram a dita cuja em
clima de comemoração — e de expectativa de um 2022 pleno de lutas e
vitórias.
.
Veja: Respostas a várias questões
resumidas em 2 pontos https://bit.ly/3ppTPqL
Nenhum comentário:
Postar um comentário