07 janeiro 2022

Crônica da quarta-feira

Gente que vai em frente

Luciano Siqueira

 

Lembro que da primeira vez que fui a São Paulo, para uma reunião clandestina, em 1969, chamou-me a atenção o silêncio predominante em ônibus lotados de passageiros.

"Parece um féretro", pensei comigo mesmo.

No polo oposto, à mesma época, o jornalista Carlos Azevedo, que militava na AP, em visita ao Recife, se disse impressionado com a verdadeira algazarra que presenciara num ônibus da linha de Nova Descoberta. 

Em não tão longo trajeto — comentou —, ouvira pelo menos quatro histórias contadas em voz alta por passageiros que conversavam entre si, aparentemente sem se conhecerem... 

São diferenciações do jeito de ser do povo brasileiro, num território tão amplo e marcado por diversidades regionais expressivas.

O modo de vestir também revela diferenças.

Outro paulista, Dyneas Aguiar, ex-dirigentes nacional do PCdoB, se surpreendera com a presença de cidadãos de camisa regata, bermuda e chinelos em fila de banco cá no Recife.

“Vocês estão certos, o clima aqui favorece a descontração no modo de vestir”, ponderou.

Ultimamente, com ligeiro abrandamento das restrições sanitárias em razão da Covid, tenho usado cafés de shopping centers como “escritório” eventual, onde trabalho com 2 ou 3 interlocutores.

Há poucos dias, lembrei do Dyneas. Num final de tarde, no Patheo, em Olinda, verdadeiro desfile de homens e mulheres de todas as idades trajando bermudas e absolutamente à vontade nos seus tênis ou sandálias.

Uns alegres, conversando em voz alta. Outros caminhando em silêncio e a passos rápidos como quem tem pressa e muito a resolver. 

Um jovem casal parecia dar voltas em torno de cafés, pequenas lojas de utilidades e quiosques de camisetas e assistência técnica e acessórios para smartphones. 

Namoro novo? 

Parece que sim. Pois contei pelo menos cinco voltas, quase que em círculo, e repetidas trocas de carinho. O casal parava diante de vitrines sem nada ver. Ensaiava o retorno em sentido contrário, mas repetia o roteiro original...

Cena oposta a pouco mais de quatro metros, ao meu lado. Ele e ela, talvez por volta dos trinta anos, se sentaram de mãos entrelaçadas, porém logo após sorverem um cappuccino, silêncio perturbador. Sequer em seus smartphones mexiam. algo estranho no ar. Parecia filme de Pier Paolo Pasolini ou Ingmar Bergman.

Gosto de ambientes movimentados. Enquanto aguardo meus interlocutores, ponho-me a imaginar histórias de vida, humores e expectativas no semblante dos que por ali transitam.

Afinal, nossa luta é pela felicidade dessa gente, que – como na canção de Chico Buarque e Vinícius – “vai em frente/Sem nem ter com quem contar”.

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Fique sabendo, em cima dos fatos https://bit.ly/3n47CDe

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