A solidez das relações Brasil-China
É possível afirmar que as relações Brasil-China são extremamente
sólidas e têm um futuro promissor pela frente
Luís Antônio Paulino, Vermelho www.vermelho.org.br
A estabilidade e a solidez das estruturas são avaliadas quando
submetidas a algum teste de estresse. Na área da engenharia é comum a aplicação
desse tipo de teste em componentes críticos de estruturas e equipamentos que,
se falharem, podem provocar prejuízos e até mesmo grandes tragédias. Vez ou
outra ouvimos falar que as autoridades monetárias estão realizando um teste de
estresse no sistema bancário para verificar a resiliência dos bancos em
possíveis situações de crise. Até na área da saúde também é comum falar-se em
testes de estresse.
Nas relações internacionais, entretanto, não é possível realizar
testes de estresse para saber se determinada organização multilateral ou se as
relações entre dois ou mais países resistem a situações de crise. Ou
melhor, os testes se realizam na prática. Assim, por exemplo, a ONU em seus já
quase 80 anos de existência tem se mostrado uma estrutura de governança
internacional bastante sólida e estável, tendo garantido até agora a “Longa
Paz”, ao conseguir evitar guerras entre as grandes potências nas últimas sete
décadas. Já não foi o caso de sua predecessora, a Liga das Nações. O mesmo se
poderia dizer da OMC, do FMI, do Mercosul e daí por diante. Todas essas
organizações em situações de crise, pelo menos até agora, não só têm
sobrevivido, como contribuído para contornar as crises. E as relações
Brasil-China e suas estruturas de governança, como têm se saído?
As relações entre Brasil e China foram submetidas, nos últimos
quatro anos, a um rigoroso teste de estresse do qual se saíram muito bem. Os
ataques feitos à China por autoridades chave no governo tinham potencial para
descarrilhar as relações bilaterais. Entretanto, apesar dos solavancos a que
essas relações estiveram submetidas, notadamente nos dois primeiros anos de governo
Bolsonaro, com certeza é possível afirmar que as relações Brasil-China são
extremamente sólidas e têm um futuro promissor pela frente. E isso se deve
basicamente a três fatores.
Leia também: Solenidade da Independência no
Congresso é marcada por ausência do presidente do Brasil
Em primeiro lugar, ao profissionalismo do Ministério das
Relações Exteriores e outras áreas do governo encarregadas de tratar das
relações bilaterais. Como marinheiros experimentados, nossos diplomatas
perceberam que diante da tormenta, o melhor a fazer era levar o navio para
águas mais calmas e não o lançar no olho do furacão.
Destaque-se o papel da Comissão Sino-brasileira de Alto Nível de
Concertação e Cooperação (Cosban) que, no último mês de maio, realizou sua VI
Sessão Plenária, com a participação do vice-presidente Hamilton Mourão e do
vice-presidente da China, Wang Qishan. Criada em 2004, a Cosban é o
principal mecanismo bilateral entre Brasil e China e sempre liderada pelos
vice-presidentes de parte a parte. No encontro realizado em maio foram lançados
um Plano Estratégico com diretrizes para balizar as relações bilaterais entre
2022 e 2031; e um Plano Executivo, com as medidas voltadas até 2026 em áreas
como política, economia e ciência e tecnologia. As duas partes manifestaram a
disposição de aprofundar e ampliar a pauta comercial entre os dois países no
longo prazo.
Não menos importante tem sido o Ministério da Agricultura, dado
o seu papel na ampliação e aprofundamento da pauta de exportações do Brasil
para a China. No final de julho, segundo informações da Secretaria de Comércio
e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, foi anunciado que o
Brasil poderá exportar farelo de soja para a China. O aval foi obtido durante
uma reunião bilateral de subcomissão da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível
de Concertação e Cooperação (Cosban). Conforme informou o jornal o Estado de S.
Paulo, em 27/07, além do farelo de soja, a China autorizou também a importação
de amendoim sem casca, polpa cítrica, proteína concentrada de soja e soro fetal
bovino do Brasil. Destaque-se que a possibilidade de exportar o farelo de soja
para a China era uma demanda antiga da cadeia de soja, em razão do maior valor
agregado do produto em relação à soja em grão. Até então, a China importava
soja em grão e não permitia a entrada de farelo de soja brasileiro.
Em segundo lugar, é preciso destacar a visão estratégica da
China em relação ao Brasil. A parte chinesa sempre deixou claro que a relações
da China com o Brasil, para além de relações entre governos, são relações entre
países e que todo os esforços de construção das relações bilaterais entre os
dois países que começou com o reatamento das relações diplomáticas, em 1974,
são o referencial maior que deve balizar a condução de curto-prazo das relações
bilaterais. Também contribuem para isso os cinco princípios da política externa
chinesa ancorados na ideia de não-interferência em negócios internos de outros
países e no respeito mútuo.
Leia também: A inconclusa Independência do Brasil
Por último, mas não menos importante, é preciso destacar a
complementaridade entre as duas economias. Embora o peso da China no comércio
exterior brasileiro seja muito maior que o peso do Brasil no comércio exterior
da China, o fato é que se a China é hoje um parceiro praticamente
insubstituível do Brasil, o Brasil é também a principal fonte externa de
diversos produtos essenciais para a China. Basta olhar os principais produtos
que o Brasil exporta para o mercado chinês: soja, minério de ferro, petróleo,
celulose e carne, para verificar que as outras opções que a China tem à mão
também são limitadas. No setor agrícola, que certamente é onde a demanda
chinesa deverá crescer mais devido ao enriquecimento do País e o consequente
maior consumo de proteínas, o Brasil é, entre os grandes produtores agrícolas
mundiais talvez o único país com possibilidade de expansão da área plantada sem
promover o desmatamento, apenas incorporando áreas de pastagem degradadas.
Segundo matéria publicada pelo jornal Valor Econômico, em 18/08,
“A China é o principal mercado das exportações brasileiras e é também de onde o
Brasil mais importa mercadorias. Os chineses são nosso principal parceiro
comercial desde 2009. No intercâmbio, o saldo é bastante favorável ao Brasil
(US$ 40,3 bilhões), portanto, a República Popular da China ajuda a equilibrar
nossas contas externas. Segundo a Camex, o estoque de investimento chinês neste
país, acumulado entre 2003 e 2019, somou US$ 80,5 bilhões. Há uma
complementaridade entre as duas economias. A China demanda fortemente alimentos
(soja e carne bovina, por exemplo) e matérias-primas (minério de ferro,
petróleo e celulose), produtos que o Brasil produz com grande competitividade –
na verdade, nesses setores, com exceção de petróleo, nossas empresas são
campeãs globais. Já as empresas brasileiras vão buscar na China bens
industriais, como equipamentos de telecomunicação, válvulas e tubos termiônicos
(usados em amplificadores de radiofrequência e em transmissores), adubos,
fertilizantes etc. Curiosamente, embora estejamos “felizes” com esse comprador
voraz de nossos produtos, queremos vender produtos industrializados aos
chineses, e estes, mesmo “contentes” com o fato de serem o principal exportador
ao Brasil, gostariam de vender mais ao país com dois objetivos: reduzir o
déficit comercial que acumulam na parceria e entrar em setores de nossa
economia em que sua presença ainda é modesta, se comparada à de bancos
europeus, por exemplo”.
Veja:
Paul Kennedy sobre a ascensão e a derrocada das grandes potências https://bit.ly/2YxEk2Q
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