Bolsonaro diz que
‘molecada’ não morreu por Covid-19, mas dados oficiais indicam 2,5 mil óbitos
até 17 anos
Em entrevista,
presidente afirmou que casos de mortes nesta faixa etária foram fraude: ‘Se o
cara morreu de traumatismo craniano, o garoto, tinha que botar Covid’
Daniel Gullino e Melissa Duarte, O Globo
O presidente Jair Bolsonaro
(PL) afirmou nesta sexta-feira que a “molecada” não morreu por Covid-19.
Repetindo parte do discurso que adotou na pandemia, o candidato à reeleição
negou dados oficiais do Ministério da Saúde que apontam 2,5 mil mortes pelo vírus
em crianças e adolescentes de zero a 17 anos — 1.807 entre zero e 11 anos — e
disse que estes casos foram fraudes:
— A molecada não sofre com
o vírus. Também é que você não viu moleque morrendo de vírus por aí. Alguém
conhece o filho de alguém que morreu de vírus? Não tem — afirmou Bolsonaro a
três canais de Youtube que fizeram uma transmissão conjunta.
Sem apresentar provas, o presidente afirmou que governo locais registraram mortes de crianças e adolescentes por Covid-19 para receberem mais recursos federais.
— O que aconteceu, em grande parte, o moleque tinha um traumatismo
craniano. Caiu de bicicleta. Levava para o hospital e botava no leito da UTI,
UTI Covid. Por quê? Ele recebia por dia, meu (governo federal), R$ 2 mil.
Enquanto a UTI para traumatismo era R$ 1 mil. Botava lá. Botou lá, se o cara
morreu de traumatismo craniano, o garoto, tinha que botar Covid.
Ao contrário do que disse o candidato à reeleição pelo PL, o Brasil
registrou ao menos 2.573 mortes pela doença entre pessoas de 0 a 17 anos — em
média, são 83 por mês. Ao todo, 68,6 mil ficaram internadas, mostram números do
Ministério da Saúde.
Segundo a pasta, pelo menos 37.125 mil bebês e crianças de 0 a 11 anos
ficaram internados por Covid-19, dos quais 1.807 tiveram as vidas ceifadas pela
doença. Com isso, a taxa de letalidade hospitalar alcança 4,86%. Já entre
adolescentes de 12 a 17 anos, pelo menos 31.478 ficaram hospitalizados e 766
morreram — uma letalidade menor, de 2,43%.
As estatísticas oficiais constam no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do Ministério da Saúde. A base de dados reúne casos de internação (quadros graves) e mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), na qual a Covid-19 se inclui.
O GLOBO filtrou apenas as
infecções e os óbitos confirmados por coronavírus desde 26 de fevereiro de
2020, quando o Brasil notificou o primeiro diagnóstico da doença, até 25 de
setembro deste ano, a atualização mais recente dos dados. Os registros foram
compilados pela Rede Análise Covid-19.
‘Não desejo isso a ninguém’, disse mãe
Em dezembro, durante o
debate para a autorização da vacina para crianças de 5 a 11 anos, O GLOBO mostrou alguns casos de
menores de idade afetados pela doença. A comerciante Socorro da Silva, de 51
anos, lembrou do neto Guilherme, que morreu aos 10 anos, após contrair a
doença.
— Ele era como o ar que eu
respiro, ele era tudo para mim. Eu me sinto cega, porque ele era a luz dos meus
olhos — contou Socorro.
Guilherme, que tinha Síndrome de Down,
apresentava comorbidades, como cardiopatia e hipertensão pulmonar, além de
estar com anemia. Após ter contato com um parente infectado, a febre foi o
primeiro sintoma que o menino manifestou, segundo a avó. No dia seguinte,
Guilherme precisou ser internado e chegou a ficar 12 dias intubado na UTI do
Hospital da Criança, em Brasília.
Em fevereiro, outra
reportagem mostrou que uma criança morreu a cada três dias enquanto o
debate sobre vacinação infantil se arrastava ao longo de 20 dias no
governo federal. É o caso de Ana Luísa dos Santos Oliveira, de 8 anos.
— Minha filha foi forte
até o fim. Não desejo isso a ninguém. Tenho certeza de que, se ela tivesse
tomado a vacina bem antes, ela poderia ter pegado, mas não tanto (tão grave) —
contou a mãe, Valquíria Alice dos Santos.
Dados do consórcio de
imprensa do qual o GLOBO faz parte apontam que pelo menos 14.353.848 crianças
de 3 a 11 anos tomaram a primeira dose de vacina contra a Covid-19 até a última
quinta-feira, o equivalente a 54,32% do público da faixa etária. Desse total,
só 9.830.840 (37,2%) completaram o ciclo de vacinação com a segunda dose.
No ano passado, Bolsonaro
anunciou que não vacinaria sua filha caçula, Laura, de 11 anos, contra a
Covid-19. Além disso, o governo tem demorado a liberar o imunizante para idades
mais baixas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no mês
passado a vacina da Pfizer para crianças a partir dos 6 meses até
quatro anos. Na quinta-feira, quase um mês depois, o Ministério da Saúde
liberou a imunização para a faixa etária, mas apenas para quem tem alguma
comorbidade.
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