14 outubro 2022

Histerismo político

Na cruzada contra as pesquisas, o capitão ladra e o governo morde

Bolsonaro usa a máquina para constranger e intimidar institutos antes do segundo turno
Bernardo de Mello Franco, O Globo

 

Após meses de ataques à Justiça Eleitoral, Jair Bolsonaro escolheu um novo alvo: os institutos de pesquisa. A realidade impôs a mudança de discurso. Afinal, ficaria difícil contestar as urnas que lhe deram 51 milhões de votos.

Na noite do primeiro turno, Bolsonaro começou a girar a metralhadora. Disse que os institutos estariam “desmoralizados” e previu o fechamento de empresas do setor. “Isso vai deixar de existir, até porque eu acho que não vão continuar fazendo pesquisa”, provocou.

A declaração atiçou a tropa governista. O ministro Ciro Nogueira, campeão de previsões furadas sobre a corrida presidencial, acusou os institutos de errarem “criminosamente” contra o chefe. O ministro Fábio Faria incentivou os eleitores de direita a boicotarem os próximos levantamentos. “Deixem dar Lula 100 a 0”, ironizou.

No Congresso, o deputado Eduardo Bolsonaro começou a coletar assinaturas para abrir uma CPI contra os institutos. O líder do governo, Ricardo Barros, apresentou um projeto para punir com cadeia pesquisadores e estatísticos. O presidente da Câmara, Arthur Lira, manobrou para acelerar a votação do texto.

Enquanto o capitão ladra, a máquina do governo morde. A mando do ministro Anderson Torres, a Polícia Federal abriu inquérito para constranger e intimidar diretores de institutos. Ontem o Conselho Administrativo de Defesa Econômica instaurou outra investigação a pretexto de apurar se houve “conduta coordenada entre as empresas”. O presidente do Cade foi indicado pelo ministro Nogueira, que costuma se referir a ele como “meu menino”.

No fim da noite, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu os dois inquéritos para interromper o abuso de poder político.

Bolsonaro só gosta de um tipo de levantamento: aquele que confirma seus desejos. Se dependesse dele, os eleitores só veriam os números do Paraná Pesquisas, que mantém contratos milionários com o governo federal e com o PL.

A cruzada contra os institutos une dois traços do bolsonarismo: a nostalgia da censura e a aposta na desinformação. O capitão gostaria de proibir a divulgação de toda pesquisa que apontasse a liderança do adversário. Enquanto ainda não consegue fazer isso, age para minar a credibilidade das empresas.

Os ataques não são casuais. Bolsonaro precisa convencer seus seguidores de que é vítima de um grande complô, que iria dos juízes em Brasília ao papa no Vaticano. Se a mentirada não garantir sua vitória no dia 30, ele voltará a contestar a urna eletrônica. [Ilustração: Gilmar]

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