Internet abre espaço para a diversidade de
perfis, mas impulsiona velhas práticas
Em campanhas nas redes
sociais, influenciadores estimulam o debate de gênero e de juventude, mas
outros se utilizam de estratégias de desinformação e defendem políticas
punitivistas para a segurança pública
Tâmara Terso, Le Monde Diplomatique Brasil
Entre os candidatos e candidatas influenciadores
digitais nas eleições de 2022, os perfis são diversificados. Há humoristas,
cantora gospel, Miss Brasil, DJ, dançarina, ex-BBB, atleta, microempreendedores dos ramos
da moda, alimentação e estética, agentes públicos, religiosos e políticos
tradicionais.
O levantamento Donos da Mídia, projeto permanente
do Intervozes, identificou em 12 estados (BA, PB, PE, CE, AM, PA, MT, MG, ES,
SP, RJ e PR) e no Distrito Federal 40 candidaturas de influenciadores digitais.
Desses, 25 são candidatos a deputado federal, 11 a deputado estadual, 3 ao
Senado e 1 a suplente do Senado. Entre eles existe uma candidatura coletiva,
outra indeferida e um terceiro candidato que não é classificado diretamente
como influenciador, mas que possui parentesco com representante do segmento.
O projeto, que mapeia candidatos apresentadores de
programas policialescos e donos de mídia, incorporou o seguimento dos
influenciadores digitais com o objetivo de acompanhar essa atividade que cresce
em ritmo acelerado e interfere diretamente na promoção do direito à
comunicação. A metodologia de coleta dos dados buscou os principais
influenciadores, em número de seguidores e estratégias de monetização, de 14
estados e do Distrito Federal que estão pleiteando um cargo político nas
eleições de 2022.
Apresentando um evidente desequilíbrio racial e de
gênero já visto nos outros levantamentos, a proporção de
homens (25) é maior que a de mulheres (15), e de brancos (24) maior que a de
candidatos pardos (13) e pretos (3). Boa parte das candidaturas já têm
experiencia eleitoral (24) e chama atenção o número de candidatos com
patrimônio declarado acima de 1 milhão de reais (14), sendo que em dois casos
esse valor chega a mais de 20 milhões de reais.
À primeira vista, a impressão é que as redes
sociais ampliaram a participação popular nas eleições, porém observando em
detalhes os perfis sócio-raciais e de gênero, o fenômeno da hipervisibilidade
da atividade de influência digital e a sua participação nas eleições é bem mais
complexo.
Parece haver um jogo de limites e tensões entre
novas e velhas práticas políticas. Por um lado, existe um conjunto maior de
candidaturas de “primeira viagem”, se compararmos com os mapeamentos dos
candidatos policialescos e donos de mídia. Por outro lado, podemos identificar
a existência de influenciadores vindos de famílias de políticos, como os donos
de mídia, e a defesa de pautas punitivistas na segurança pública que se
assemelham às dos candidatos policialescos.
A forma com que os influenciadores apresentam suas
campanhas para o eleitorado se destaca na linguagem conectada com as redes,
pelo uso de expressões curtas, memes, e pelo recurso de passar a sensação de
estarem sempre “ao vivo”.
A tese da midiatização profunda da política se
fortalece e tensiona o modelo tradicional de eleições. O tempo determinado de
propaganda no rádio e na TV passa a competir com as plataformas digitais, cuja
dinâmica permite o surgimento de monopólios de fala ao mesmo tempo em que abre
espaço para quem tradicionalmente não participaria da disputa eleitoral.
O ambiente da influência digital nas eleições
abarca espectros da direita e da esquerda fazendo emergir pautas disputadas
discursivamente por ambos os lados como o empoderamento feminino e a
acessibilidade.
No entanto, o fenômeno dos influenciadores requer
atenção, uma vez que os mecanismos de visibilidade das plataformas digitais
combinados com as especificidades do sistema eleitoral podem atualizar distorções
na representatividade política. Em alguns casos os influenciadores performam
uma atualização da estratégia dos “puxadores de votos” nas eleições
proporcionais – candidatos que têm o potencial de obter muitos votos e
contribuem para que seus partidos e federações alcancem o quociente eleitoral[1], garantindo vagas nas casas legislativas,
bem como acesso ao tempo de rádio e TV na propaganda eleitoral e ao fundo
partidário.
Além disso, os conflitos de interesse entre agentes
públicos que são destaque no ambiente digital e o serviço que eles prestam à
população se ampliam, adicionando ao tema a questão da monetização das
plataformas. Em paralelo, cresce o conjunto de influenciadores e
influenciadoras que fazem campanha nas redes sociais apostando na desinformação
e na violação de direitos. Ou seja, é possível ver uma miríade de estratégias
relacionadas a participação política no ambiente digital e uma grande tarefa
para o sistema eleitoral e midiático em convergência equilibrar esses poderes
nos próximos anos.
Novos nomes e a expectativa de “puxar votos”
Entre os influenciadores que pleiteiam um cargo
legislativo nessas eleições, nomes famosos prometem “renovar a pauta política”
e quem sabe puxar votos para suas legendas e federações.
Nessa lista está um dos maiores recordistas de
Artes Marciais Mistas (MMA) do Brasil. O atleta Wanderlei Silva (PP) é
candidato a deputado federal pelo Paraná. Wanderlei já tinha disputado as
eleições em 2018 pelo PSD e ficou como suplente.
Nas redes sociais o candidato fala bastante
do incentivo ao esporte, ao patriotismo e a defesa pessoal
para mulheres vítimas de violência. Wanderlei está alinhado com a
plataforma política do presidente Bolsonaro, mas prefere compartilhar conteúdos
relacionados a prática esportiva como um direito. Entre os influenciadores, o
candidato foi o que declarou o maior patrimônio, de R$22.342.526,14.
De acordo com as pesquisas do IPEC, um dos
candidatos ao Senado por Minas Gerais com chances reais de ganhar é Cleitinho
Azevedo (PSC). Cleitinho é influenciador digital com mais de 1 milhão de
seguidores. Ele é deputado estadual e tem um histórico familiar de participação
na política com dois irmão ocupando cargos públicos, Gleidson
Azevedo, prefeito de Divinópolis (MG) e Eduardo Azevedo, vereador na mesma
cidade. Com o lema “empregado do povo”, o influenciador não apresenta nitidez
nas suas propostas políticas, apostando no debate anticorrupção, nas cores
verde e amarela e no apoio a reeleição do presidente Bolsonaro.
Leia também: O presidente em
desequilíbrio emocional https://bit.ly/3fMaZh7
Outro destaque com o perfil de influência nas redes
digitais é a candidatura coletiva dos youtubers Charlles Rekson e Tiringa
(PRTB) a um mandato coletivo de deputado federal por Pernambuco. Os humoristas
acumulam cerca de 9 milhões de inscritos no canal Comédia Selvagem. O tipo de
humor de Charlles e Tiringa mistura uma preocupação com os animais e piadas
escrachadas sobre o cotidiano das pessoas do campo. O sotaque e o perfil
grosseiro de Tiringa, no estilo do repentista nordestino Seu Lunga, conhecido pelo mau humor,
aparentemente foi demarcando espaço e conquistando seguidores. Eles viraram uma
marca e a campanha política tem seguido o mesmo padrão e estética: vídeos de
escracho social, indignação com a política e muito senso comum.
No campo da esquerda, o destaque é Leonardo de
Souza Xavier (PSOL), candidato a deputado estadual pelo Ceará, também conhecido
como Leo Suricate, responsável pela administração do perfil de humor no
Instagram Suricate Seboso. Com memes despojados protagonizados pela imagem do
suricate, o perfil compartilha frases e cenas do cotidianos com gírias e
trejeitos nordestinos para mais de 1 milhão de seguidores.
O candidato é jovem, ligado ao Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto (MTST), músico, produtor audiovisual e articulador
cultural. Sua plataforma de campanha explora temas que convergem com a pauta
dos direitos para a juventude, como educação, democratização da mídia, acesso à
cultura e moradia. O conteúdo que divulga suas propostas segue a mesma linha
bem-humorada da página Suricate Seboso como forma de identificar o candidato ao
perfil de humor que ele administra.
Outros candidatos influenciadores digitais com
alguma entrada no mundo dos famosos são destaque como a Miss Brasil 2018, Mayra
Dias (Avante), candidata a deputada estadual pelo Amazonas e esposa do prefeito
de Parintins, Bi Garcia (União Brasil); Gordinho da Maniçoba (MDB), youtuber e
candidato a deputado federal pelo Pará e apoiador da família Barbalho; e Dr.
Marcos Harter (Podemos), ex-BBB e candidato a deputado federal pelo Mato
Grosso.
Influenciadores e agentes da polícia e do sistema de justiça
No projeto de lei 2.630/2020, conhecido como PL das
Fake News, que está sendo discutido no Congresso Nacional, a monetização de
contas de atores institucionais por plataformas de redes sociais é vedada por
se tratar de remuneração pessoal decorrente de um investimento de recursos
públicos – informações privilegiadas, tempo e ambiente trabalho, entre outros.
Segundo documento da Coalizão Direitos na Rede em
defesa da permanência da seção que trata sobre a proibição da monetização dos
agentes públicos nas redes sociais no PL 2630, as contas enquadradas como de
interesse público precisam equilibrar garantias, como a restituição das mesmas
ou dos conteúdos indevidamente suspensos, retirados ou restritos por provedores
de internet, e obrigações, como a não monetização de conteúdos pagos por
dinheiro público ou em função de uma atividade pública.
Na Câmara Federal existe outro projeto em
tramitação que versa sobre o mesmo objeto, o PL 1674/2022 de autoria do
deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade/RJ). O projeto visa proibir que agentes
públicos recebam vantagens econômicas com publicidade de conteúdo na internet.
O texto prevê modificação da lei de improbidade ao enquadrar a conduta de
monetização dos agentes públicos por plataformas em atos de improbidade
administrativa, uma vez que o agente público estará obtendo vantagens pessoais
através da condição do cargo que exerce.
Mesmo com a tramitação dessas leis agendando o
debate público sobre o tema dos conflitos de interesse na atividade dos agentes
públicos nas plataformas digitais, nessas eleições é expressivo o número de
influenciadores policiais e agentes de justiça disputando cargos.
O estado do Mato Grosso é referência na incidência
de candidaturas que usam as plataformas digitais como palanque eleitoral e
monetizam sua prática de promoção da segurança. Dos nove candidatos
influenciadores no estado, quatro se enquadram nesse perfil.
Com o lema #juntosnessaguerra, o Coronel Assis
(União Brasil) disputa sua primeira eleição, candidato a deputado federal pelo
Mato Grosso. O coronel é ex-Comandante Geral da Polícia Militar do Mato Grosso,
ex-comandante do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e
ex-comandante do Gefron (Grupo Especial de Fronteira).
Em 2021, Assis foi notificado sobre atos antidemocráticos contra o Supremo
Tribunal Federal (STF). Nas redes sociais ele faz a campanha
defendendo o porte de armas como política de empoderamento das mulheres e o
policiamento ostensivo. O candidato também faz intensa campanha para Jair
Bolsonaro.
Outro agente de justiça e influenciador digital do
estado é o Tenente Coronel Paccola (PL), candidato a deputado estadual. Paccola
se autodeclara cristão, defensor da família e policial do Bope. Ele é líder do
movimento Pró-Armas em Cuiabá.
Figura controversa, Paccola é vereador de Cuiabá e
ficou conhecido nacionalmente pelo projeto de criação do Dia do Orgulho
Heterossexual. Ele é envolvido em escândalos policias e já foi investigado pelo Gaeco (Grupo
de Atuação Especial de Repressão do Crime Organizado) por organização
criminosa, falsidade ideológica e fraude processual. Recentemente, matou um homem com tiro pelas costas em rua de bairro
movimentado da cidade, alegando ser em legítima defesa.
Como influenciador em campanha, o Tenente Coronel
usa as suas redes para propagar o que ele chama de “direito ao exercício da
legitima defesa”, que nada mais é que a liberação de armas para a população
exercer uma espécie de segurança paralela.
Em São Paulo, o destaque das candidaturas de
influenciadores policiais é o delegado Da Cunha (PP), candidato a deputado
federal. Da Cunha tem mais de 2 milhões de seguidores e faz do uso das suas
redes uma experiencia de “ao vivo” das delegacias e operações policiais que
acompanha.
O lema da campanha do delegado é “operação 1122:
#pracimadeles”, e diz muito sobre a exploração da atividade policial e do
punitivismo em que o candidato baseia a ocupação nas redes sociais e sobre suas
propostas políticas que incluem a ampliação de penas judiciais para os crimes
de furto e roubo.
Leia também: Urnas eletrônicas
nota 10 deixam de ser mote golpista https://bit.ly/3MdNPfB
O candidato foi indiciado pela Corregedoria da
Polícia Civil de São Paulo, em julho de 2021, acusado por crime de peculato – quando um
funcionário público se apropria ou desvia de bem público em benefício próprio
ou de terceiros.
O crime tem relação com a utilização do seu canal
no Youtube. No ano anterior, em 2020, o candidato admitiu ter encenado uma operação em que libertou um
refém de um cativeiro e prendeu um suposto sequestrador e chefe do PCC. No
entanto, alguns meses depois a justiça, acatando um pedido do Ministério
Público de SP, determinou o arquivamento do processo.
Em 2022, o Conselho da Polícia Civil de São Paulo aprovou a segunda
proposta de demissão do delegado. Fontes da polícia afirmam que a
razão do novo pedido são declarações contra integrantes da cúpula da
instituição, entre eles, o ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes.
Outro perfil na mesma linha é o de Amanda CSI
(MDB), candidata a deputada federal pela Paraíba. Ela é perita criminal e em
seu canal do Youtube vende métodos de estudos para realização dos exames de
seleção no sistema de justiça.
Em seus vídeos a candidata também faz críticas à
situação de desvalorização do trabalho policial, reivindicando
equipamentos e aumento de salários. Amanda se apresenta como
representante do empoderamento feminino e é uma forte crítica das lacunas
judiciais que violam os direitos das mulheres em situação de violência
doméstica.
O caso da candidata Amanda CSI nos faz refletir
sobre os limites do público e do privado na relação que ela estabelece com seus
seguidores, uma vez que a perita vende as experiências da academia de polícia
ao mesmo tempo que parece utilizar as redes para pressionar o sistema de
justiça. Tudo isso realizando uma forte campanha publicitária para os seus
métodos e sua candidatura nas eleições.
Perfil desinformante
Para muitos influenciadores candidatos a
desinformação é uma estratégia de captação de seguidores antes e durante o
período eleitoral.
“Terrivelmente cristão”, como são chamados os
candidatos evangélicos da base de Jair Bolsonaro, o Pastor Junior Tercio (PP),
candidato a deputado estadual por Pernambuco, é um velho conhecido por espalhar
desinformação na radiodifusão e nas redes sociais.
Junto com a sua esposa, a deputada estadual
Clarissa Tercio (PP), candidata a deputada federal, o pastor compartilha em suas
redes discursos de ódio contra religiões de matriz africana,
a população LGBTQIA+ e sustenta, desde o
início da pandemia de Covid-19, um discurso contrário às medidas de prevenção
adotadas pelos governos estaduais.
Em 2020, o candidato foi alvo de uma representação no Ministério Público de Pernambuco,
encabeçada por Ivan Moraes e assinada pelo Intervozes, por uso da Rádio Novas
de Paz para disseminar desinformação sobre vacina, uso de máscara e isolamento
durante a pandemia. Nessas eleições, esses são os principais temas abordados na
rede do casal de influenciadores com mais de 1 milhão de seguidores.
No Distrito Federal, a deputada Beatriz Kicis
Torrents de Sordi, mais conhecida como Bia Kicis (PL), é candidata a reeleição
e uma velha conhecida por espalhar notícias falsas nas redes. Ela foi acusada por cometer crime de racismo, tem
uma representação na Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANPD) por vazamento de dados pessoais e a plataforma Youtube
chegou a suspender por sete dias o canal da deputada, por compartilhar conteúdos de desinformação sobre a vacinação
infantil.
No período de campanha Bia não arrefeceu a prática
de disseminação de conteúdos desinformativos e ataca, toda a vez que pode, as poucas medidas de
moderação que as plataformas digitais incorporaram para identificar notícias
falsas com o argumento da liberdade de expressão, comportamento
apresentado em outras candidaturas bolsonaristas.
Tâmara Terso é jornalista e pesquisadora amefricana, integrante do coletivo Intervozes.
Os dados foram coletados a partir de um trabalho
coletivo que envolveu a colaboração de Jonaire Mendonça, Iago Vernek, Iury
Batistta, Mabel Dias, Nataly Queiroz, Paulo Victor Melo, Raquel Baster e Sheley
Gomes. A pesquisa foi coordenada por Tâmara Terso e Olívia Bandeira.
[1] Quociente eleitoral é um cálculo feito com base no número total de votos em cada estado dividido pela quantidade de vagas que esse estado tem nas casas legislativas.
Este artigo faz parte da série Eleições 2022: a mídia como palanque. Leia outros textos da série aqui:
Apresentadores de programas policialescos apostam na
reeleição
Políticos Donos da Mídia violam a Constituição e
fragilizam a democracia
Leia também: Quanta mais ampla, melhor. Rumo à vitória https://bit.ly/3RBdVuc
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