14 outubro 2022

Uma crônica para descontrair

Não deixe o velho entrar

Nelson Mota

 

Vou fazer 78 anos e continuar seguindo a doutrina Clint Eastwood, não deixando o velho entrar junto com o cansaço, a preguiça, a desilusão

Clint Eastwood tinha 88 anos e estava jogando golfe com o cantor Toby Keith, e, entre uma tacada e outra, o parceiro perguntou:

— O que você vai fazer amanhã?

— Vou filmar às 5h30 — disse Clint, tranquilão.

— De onde vem tanta energia, cara?

— É simples. Eu acordo todo dia e saio, não deixo o velho entrar (“I don’t let the old man in”).

A frase era tão boa, tão direta, que Toby se inspirou nela para criar um hit de country music.

Aos 92, Clint segue fazendo um filme atrás do outro como ator, produtor e grande diretor que se tornou. Começou novinho, durão e gatíssimo, nos spaghetti westerns do grande diretor italiano Sergio Leone, que fez dele seu ator icônico em vários filmes e dizia que Clint tinha só duas expressões: com chapéu ou sem chapéu.

Sem chapéu, seguiu uma carreira de sucesso com heróis durões e brutais como Dirty Harry, e muitos outros machões americanos.

Aos 65 anos, em “As pontes de Madison”, Clint viveu o exemplo perfeito de um personagem que não deixa o velho entrar, como um fotógrafo cosmopolita e vulnerável num romance fugaz e secreto com a dona de casa casada Meryl Streep, numa roça nos confins da América. É inesquecível a cena final com ele sob a chuva, os cabelos já rareando escorrendo pela testa, a dor da perda no rosto rugoso e a entrega absoluta do ator sem vaidade. Nem idade.

Vou fazer 78 anos e continuar seguindo rigorosamente a doutrina Clint, não deixando o velho entrar junto com o cansaço, a preguiça, a desilusão, para que o nosso velho interior possa valorizar sua experiência de vida e, com um olhar amadurecido, permitir à criança curiosa dentro de nós ver o novo sem medo e sem preconceitos.

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