A era dos superfakes
Cópias perfeitas e caras de produtos de luxo sacolejam e vascolejam o mercado da moda
João Batista Jr./Revista Piauí
Quem passa em frente ao Shopping Frei Caneca, em São Paulo, quase não repara na calçada oposta em um discreto prédio cinza com um café simpático no térreo. Construído em um terreno que pertenceu à família do piloto Ayrton Senna, o edifício – para não deixar dúvidas de que é um prédio de escritórios – chama-se The Office. Tem 274 salas distribuídas em 22 andares. É preciso fazer um cadastro na portaria para acessar os vários consultórios médicos e espaços comerciais do local.
O térreo, além do café, conta apenas com uma loja que oferece, entre outros produtos, sacolas em papel de alta qualidade de cor laranja, turquesa e vermelho: as cores têm tonalidades iguais às embalagens de grifes de luxo, faltando apenas a logomarca. O laranja é igual ao utilizado pela Hermès, o turquesa é similar ao da Tiffany & Co., e o vermelho é idêntico ao da Cartier. (A loja chama-se Beto Embalagens, uma vitória heroica da última flor do Lácio sobre Bobby Packaging.) Mas o melhor, mesmo, em termos de imitação do luxo, está nos pisos superiores.
No 18º andar, a vitrine da Irean Semijoias mostra uma abundância de lenços e broches com estampas de grifes como Louis Vuitton, Gucci, Fendi e Chanel. Dentro da loja, os mostruários exibem numerosas opções de anéis, brincos, colares, pulseiras, presilhas de cabelo e braceletes com as logomarcas das mais cobiçadas e concupiscíveis grifes do mundo. As peças falsificadas da Cartier trazem o elegante bracelete Juste un Clou (apenas um prego), que tem a forma curiosa de um prego longo e circular. Custa apenas 200 reais. A peça autêntica, feita de ouro branco e diamantes, não sai por menos de 349 mil reais nas lojas da Cartier no Brasil.
A Irean Semijoias também vende a pulseira Panthère, da mesma grife. Custa 150 reais, enquanto a original é vendida por 195 mil reais. Já o modelo batizado de Love, decorado com parafusos, sai por 90 reais. A peça verdadeira, inteiramente em ouro, custa 49,7 mil reais, mas é difícil encontrá-la em razão da alta demanda. No Brasil, a fila de espera tem três meses. A Irean evita apresentar seu mostruário de cópias no site da loja, mas negocia por WhatsApp, caso o cliente não queira ou não possa ir até lá.
Se o prédio da Rua Frei Caneca conserva certa discrição e privacidade, a poucos quarteirões dali a situação assemelha-se a um flamboyant. Em plena Avenida Paulista, onde passam diariamente 1,5 milhão de pessoas, existem três galerias comerciais que, juntas, somam mais de quatrocentas lojas. Além das que vendem eletrônicos e trocam peças de celular, há algumas que, da mesma forma que a Irean Semijoias, se dedicam aos chamados, na falta de uma palavra melhor, superfakes. São cópias idênticas ou quase idênticas de produtos de luxo, com o design milimetricamente igual, por dentro e por fora, a mesma matéria-prima do original e o mesmo acabamento das ferragens. Por serem superfalsas, as peças custam mais caro que as imitações comuns. De portas abertas e produtos expostos nas vitrines, o Market Paulista, o Shopping Veneza e o Boulevar d Monti Mare vendem casacos, vestidos de festa, tênis, bolsas, carteiras, cintos, relógios, perfumes, almofadas, óculos, joias e louças falsificados.
Uma das lojas de superfakes mais procuradas no Market Paulista é a Charlotte. Aos domingos, para entrar no boxe de 12 m² é preciso aguardar na fila. Suas prateleiras têm réplicas de bolsas, calçados e casacos Chanel, Prada, Valentino, Céline, Chloé, Gucci, Balenciaga e Louis Vuitton. Uma rasteirinha de couro marrom da Hermès, por exemplo, custa 1,9 mil reais. Uma bolsa matelassê branca igual à famosa 11.12 da Chanel sai por 3,5 mil reais. A mala de mão da Rimowa custa entre 2,5 e 2,8 mil reais (é preciso colocar o nome numa lista de espera, dada a alta procura, mesmo ali).
O diferencial da Charlotte são as porcelanas “de luxo” à venda. Há jogos de pratos, xícaras e tigelas de marcas como Versace (1,2 mil reais o conjunto de três pratos) e Hermès (seis xícaras por 3,5 mil reais), valores muito inferiores aos cobrados pelas grifes em suas lojas. As peças podem ser compradas por unidade na Charlotte, que aceita encomendas de todo o país, despachando-as por correio.
As porcelanas da Chanel, algumas com a logomarca dos dois cês (de Coco Chanel) cruzados, impressos em formato enorme, têm o mesmo apelo que ingresso para show de Taylor Swift. Mal chegam, já são vendidas. A depender da remessa vinda da China, o epicentro da falsificação mundial, há fila de espera de até dois meses. Há apenas um detalhe, para o qual muitos clientes não dão a mínima: a maison Chanel tem linhas de roupas, acessórios, maquiagem, perfumaria, joalheria e relojoaria, mas nunca produziu um prato de porcelana sequer. (Shame, Chanel!) Portanto, as xícaras e pratos da Chanel vendidas na Charlotte não são cópias, mas criações 100% inéditas, que se apropriam da logomarca da grife francesa.
A Vick Decor, com duas unidades no Shopping Veneza, tem outras opções de porcelanas. Um vaso Versace com a imagem da Medusa custa 2,5 mil reais. O cinzeiro com o logo da Hermès chega a 1,2 mil reais, o mesmo preço cobrado por um par de xícaras Fendi. A loja dispõe ainda de vasos Baccarat, pratos Dior e pote de água para cachorro Tiffany & Co. Uma vendedora informa que o item mais vendido não é de porcelana, mas de lã: uma almofada com estampa da Hermès, por 999 reais – há clientes que compram, de uma só vez, dez unidades dessa peça. Da mesma forma que a Charlotte, a Vick Decor atende a todo o país, por correio. “Já mandei inclusive para brasileiros que moram em Orlando e compraram online”, contou outra vendedora. Tem clientes que procuram a loja inclusive para comprar presente de casamento.
No Shopping Veneza, as lojas focadas em superfakes de luxo predominam – o que faz do local uma espécie de Shopping Iguatemi (o porto seguro dos afluentes de São Paulo) dos produtos falsificados. Muitos estabelecimentos não têm nome e são identificados apenas por números nas vitrines. Mas um deles estampa com orgulho o seu nome na fachada – é a loja China, onde uma bolsa Chanel prata em matelassê, tamanho médio, custa cerca de 3,5 mil reais. A original, nos estabelecimentos da grife no Brasil, sai por 41,5 mil reais.
No andar térreo do Veneza pode-se encontrar uma loja dedicada exclusivamente a marcas ultrassofisticadas de relógios, como Rolex, Bvlgari, Cartier, tag Heuer, iwc e Patek Philippe. Em maio, no feriado de Corpus Christi, havia em frente dessa loja uma fila de homens gays. Eles estavam interessados sobretudo em adquirir algum modelo de Rolex (os preços variam ali entre 850 reais e 3 mil reais). Também no térreo, uma loja de paredes escuras e música eletrônica em alto volume vende só calçados e acessórios masculinos, como tênis Louis Vuitton, ao preço de 3 mil reais. A loja 220 é dedicada a peças que viralizaram no TikTok e no Instagram, como uma bolsa de crochê Prada. “É igual à da Silvia Braz”, diz a vendedora, referindo-se a uma influenciadora de moda. A peça custa 2,5 mil reais. O dono do estabelecimento não permite que os clientes fotograf em as vitrines.
Na loja da Hermès no Shopping Iguatemi, uma bolsa de palha custa 54 mil reais. Já o preço das cobiçadas bolsas Birkin oscila entre 90 mil reais (modelo de tamanho médio, em couro de vaca), 490 mil reais (tamanho médio, em couro de crocodilo) e 2 milhões de reais. Sim, 2 milhões de reais. Trata-se da versão chamada Himalaya Niloticus Crocodile Diamond, porque sua cor vai do cinza esfumado ao branco perolado, fazendo referência à cordilheira coberta de neve. Coisas da ordem do inevitável.
Na Lili Bolsas, também no Shopping Veneza, um modelo verde-bandeira da bolsa Birkin, em imitação de couro de crocodilo, custa 32 mil reais. A loja vende réplicas perfeitas não só da Hermès, mas também de Chanel, Prada, Miu Miu, Céline e Loewe. As peças mais caras não podem ser tocadas diretamente: ficam envoltas em um plástico transparente. “Muitas influenciadoras de São Paulo e de outros estados chegam aqui querendo Hermès”, conta uma vendedora. “É um investimento delas. Como ninguém imagina que são réplicas, elas posam como se fossem muito ricas.”
Nas galerias da Avenida Paulista, as compras nas lojas de superfakes têm um atrativo extra, além da qualidade das falsificações: as sacolas e caixas que embalam os produtos são idênticas, em cor, forma e gramatura do papel, às utilizadas por Hermès, Cartier, Dior ou Tiffany & Co. Para quem não é versado no luxo falso, é útil entender que as embalagens são um item essencial para a prática do unboxing – ato de exibir nas redes sociais o momento de desembrulhar os produtos adquiridos. É uma das coisas de maior sucesso no TikTok e YouTube, podendo gerar milhões e milhões de visualizações. Ninguém quer postar um unboxing com sacolas e caixas quaisquer. O fetiche é uma imitação das influenciadoras, que em geral são pagas ou presenteadas pelas grifes para se exibirem desembrulhando os objetos de luxo – e assim despertar no público o desejo de compra.
No Market Paulista, a locação de uma loja de 6 m² sai por 12 mil reais no térreo. No primeiro andar, uma sala do mesmo tamanho custa 1,5 mil reais. O gerente do local explica que o locatário precisa reservar um dinheiro extra para a “mangueira policial”, o nome local do velho suborno pago aos policiais, que oscila entre 500 reais e 1 mil reais, conforme o tipo de produto vendido. O pagamento em dia da mangueira – no caso, legítima, pois os policiais não aceitam imitações – garante que os guardiães da lei passem pelo local de olhos bem fechados. No Shopping Veneza, o aluguel de uma loja de 4 m² sai por 8 mil reais no térreo, e por 2 mil reais no piso superior. A taxa de suborno também é cobrada à parte. Há um lojista responsável por fazer a intermediação e repassar os valores à polícia.
No Market Paulista e no Shopping Veneza os lojistas podem vender produtos similares e competir entre si. No Boulevard Monti Mare, também na Avenida Paulista, a regra é outra: cada lojista deve vender um tipo específico de falsificação, diferente dos demais comerciantes. No feriado de Corpus Christi, o portão de entrada do Monti Mare estava fechado, apesar da grande movimentação na Avenida Paulista. Logo o mistério se desfez. Os lojistas sentados na escada em frente ao portão aguardavam os clientes para levá-los até a loja por uma porta lateral. “Quando as galerias estão fechadas, isso significa que os lojistas tiveram informação prévia de que haveria batida policial”, explica Nelio Júnior, criador de um perfil no Instagram chamado “Na Paulista”, que cobre assuntos ligados à avenida.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disse à piauí que vai investigar a denúncia de pagamento de propina. “A Polícia Civil concentra esforços para coibir os crimes de falsificação e contrabando em todo o estado, especialmente na capital paulista”, afirmou. Segundo a secretaria, uma delegacia especializada no assunto, ligada ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), apreendeu 6,1 milhões de mercadorias ilícitas de janeiro a maio deste ano.
“Hoje, o nosso principal problema são as redes sociais. Vemos inúmeros perfis no Facebook, Instagram e TikTok oferecendo produtos falsos”, diz o empresário francês Sébastién Kopp à piauí. Ele é sócio e cofundador da Veja, uma marca francesa de tênis que virou objeto de desejo depois que celebridades como Kate Middleton, princesa de Gales, e a modelo Emily Ratajkowski apareceram usando os calçados.
A Veja – que aqui se chamava Vert até meses atrás – produz inteiramente no Brasil os tênis que vende no país, adotando um modo de produção sustentável, em parceria com seringueiros no Acre, plantadores de algodão orgânico no Ceará e produtores de couro no Rio Grande do Sul. Os cuidados de fabricação ampliaram o interesse dos consumidores antenados com questões socioambientais, que pagam entre 600 reais e 1,2 mil reais pelos tênis da marca. Em lojas de falsificados em São Paulo, os tênis da Veja custam em torno de 200 reais. “Muitos desses produtos fakes são fabricados no Brasil sem preocupação alguma com a sustentabilidade”, diz Kopp, que vive em Paris. Em razão do crescente número de cópias, a Veja contratou um advogado no Brasil para monitorar as redes sociais, onde os tênis falsos t ambém são vendidos.
No entanto, a maioria dos lojistas que faturam com superfakes raramente mostra seus produtos nas redes sociais. A Charlotte, do Market Paulista, e a Vick Decor, do Shopping Veneza, são exceções. As duas lojas têm perfis no Instagram (a primeira, em modo privado; a segunda, público) e postam abertamente detalhes das peças à venda, negociando com os clientes na própria rede social.
Indagada pela piauí sobre a veiculação desse negócio ilegal, a Meta, dona do Instagram, disse em nota o que a Meta sempre diz em nota: “Proteger direitos de propriedade intelectual em nossas plataformas é prioridade para nós. Usamos uma combinação de tecnologia e revisores humanos para identificar conteúdos que violem as nossas políticas.” E completou o que sempre completa: “Também incentivamos a comunidade a denunciar conteúdos e contas que acreditem violar nossas políticas através das ferramentas disponíveis dentro dos próprios aplicativos.” Até o fechamento desta edição, os perfis da Charlotte e Vick Decor seguiam em atividade no Instagram.
O comércio de falsificados ocorre também nos sites de roupas e acessórios de segunda mão. Em fevereiro passado, depois de uma batalha judicial de seis anos, a Chanel venceu uma ação que movia nos Estados Unidos contra o brechó online What Goes Around Comes Around, que se dizia um dos maiores revendedores de bolsas da maison francesa. A Chanel afirmou no processo que o brechó fazia propaganda enganosa ao apresentar como autênticas as peças à venda no site. O brechó se defendeu, dizendo que os seus produtos eram validados por uma equipe de peritos. Não adiantou: foi multado em 4 milhões de dólares (cerca de 20 milhões de reais). Depois disso, parou de alardear a autenticidade das peças, mas continuou vendendo bolsas Chanel de segunda mão, a preços que alcançam mais de 10 mil dólares (em torno de 54 mil reais).
A Chanel afirmou à piauí que “defende seus direitos de propriedade intelectual, tomando medidas legais contra falsificadores, colaborando com autoridades locais e participando de campanhas de informação para educar os consumidores sobre os riscos associados à compra de itens falsificados”. Disse ainda que “a luta contra a falsificação vai além da preservação da imagem da marca; envolve a proteção da criatividade, know-how e qualidade dos produtos, além de buscar proteger os consumidores de possíveis riscos à saúde relacionados a produtos falsificados”. Em vista do aparecimento das superfakes, a grife recomendou: “A única maneira de garantir a autenticidade dos produtos Chanel é comprá-los exclusivamente em boutiques da Chanel ou de revendedores autorizados pela Chanel.”
Casos parecidos acontecem nos brechós online brasileiros. No Enjoei, que vende produtos de segunda mão de todo tipo, de eletrônicos a roupas, e afirma que não aceita oferecer produtos falsos, pode-se encontrar bolsas com a logomarca da Chanel por valores como 155 reais ou 650 reais. De acordo com um levantamento feito para a piauí pelo Reclame Aqui, site de reclamações de consumidores, o brechó online recebeu 977 queixas por venda de produtos falsos em 2023. Neste ano, as notificações pelo mesmo motivo aumentaram. Até maio, foram 551. “Estou me sentindo extremamente enganada, envergonhada”, escreveu uma cliente em outubro de 2023, depois de descobrir que adquirira uma bolsa Yves Saint Laurent falsificada.
Em maio passado, outra cliente se queixou de ter comprado gato por lebre – ou prata por lata, ao ver o anúncio de um bracelete em prata da Pandora. “Quando o bracelete chegou, passados alguns dias de uso (em torno de quinze dias), começou a oxidar e ficar com aspecto de corroído. Nitidamente não era prata, e muito menos da Pandora.” A Pandora é uma joalheria dinamarquesa com várias lojas no Brasil. Em junho, outra cliente se disse lesada, com produto falso de outra marca: “Efetuei uma compra de um colar vendido como sendo Swarovski. Enviei mensagem no anúncio antes de efetuar a compra perguntando se o produto era de fato original, e o vendedor me assegurou que sim e que inclusive vinha com certificado. Quando recebi a mercadoria, de cara vi que se tratava de uma réplica chinesa de qualidade bem ruim.” A Swarovski é uma companhia austríaca, especializada no trabalho com cristais em d iferentes produtos, de lustres a bijuterias.
Em 2011, a psicopedagoga Susy Gonzalez, personagem frequente das colunas sociais do Distrito Federal, se interessou por uma bolsa Chanel modelo 2.55 vermelha de segunda mão, colocada à venda por 5 mil reais no Enjoei. Ela então conversou com a mulher que oferecia a peça no site e foi informada que se tratava de uma peça autêntica, mas da qual ela não tinha a nota porque havia sido um presente do marido. “Pelo preço alto, achei que não tinha como ser algo falso”, diz Gonzalez. Ao receber a bolsa de couro matelassê em casa, ela teve a sensação de ter feito um bom negócio: a bolsa veio, inclusive, dentro de uma dust bag com a logomarca da Chanel, o saco de tecido usado para evitar poeira.
Em 2018, sete anos após a compra, Gonzalez conversava com uma amiga do mercado de moda e o assunto recaiu sobre a sua bolsa Chanel. A amiga, de curiosidade, perguntou se havia um número de série no acessório. A psicopedagoga foi conferir – e não encontrou número algum. Ela contou para a amiga, que sentenciou: “Você comprou uma autêntica peça falsa.”
Gonzalez entrou em contato com a pessoa que vendeu a peça fajuta por meio do Enjoei, mas a mulher a bloqueou no telefone assim que foi desmascarada. A psicopedagoga procurou então o advogado David Ferreira Ribeiro, especializado em direito do consumidor. “Nós decidimos entrar com uma ação contra o Enjoei por duas razões: ter alugado um espaço virtual para alguém vender algo ilícito e ter lucrado 20% em cima do valor cobrado”, conta ele. Durante o processo, a peça foi periciada por um site estrangeiro, e Gonzalez soube que, entre outros elementos, as ferragens de sua bolsa eram diferentes do modelo original, porque oxidavam mais facilmente. “Mas a falsa e a original eram idênticas”, diz ela. “Só quem é perito para saber distinguir.” O Tribunal de Justiça do Distrito Federal deu ganho de causa a Gonzalez, que recebeu 8.515,92 reais de ressarcimento em 2019. Ela acabou dando a bolsa. “Fiz uma caridade”, comenta. E agora diz que só compra direto na loja das grifes.
O Enjoei disse à piauí que “atua de forma incisiva no combate à comercialização de produtos piratas em sua plataforma”. Para isso, afirmou a empresa, conta “com uma equipe dedicada ao desenvolvimento de medidas e soluções tecnológicas que excluem anúncios suspeitos e bloqueiam o acesso de vendedores que não estejam em conformidade com as boas práticas adotadas pelo marketplace”. Dentre as ferramentas usadas pelo Enjoei estão o bloqueio automático à publicação de anúncios cujas características possam levar à suspeita de falsificação, além da avaliação manual de casos específicos. O consumidor, por sua vez, conta com opções de denúncia dentro do site e do aplicativo, que dispõem também de um canal de co municação voltado às marcas, que podem denunciar anúncios de produtos falsificados.
A empresa disse ainda que “o Enjoei aderiu proativamente ao guia de boas práticas do comércio eletrônico, elaborado pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria, do Ministério da Justiça”. Criado em 2009, o Enjoei obteve lucro bruto de cerca de 33 milhões de reais no primeiro trimestre deste ano, um aumento de 109% em relação ao mesmo período do ano passado.
Em 13 de dezembro passado, duas amigas foram até a 34ª Distrito Policial de São Paulo, no bairro do Morumbi, prestar queixa contra o site Cansei Vendi, um brechó especializado em vestuário de luxo. Elas relataram ter sido vítimas de um assalto, e que três bolsas furtadas – das marcas Balenciaga, Gucci e Tory Burch – apareceram depois à venda no site do brechó. Em depoimento prestado na delegacia, a diretora de marketing do Cansei Vendi, Paula Vizoná Ferrero, informou que as três bolsas foram deixadas na loja física da empresa, nos Jardins, para serem vendidas por consignação, por uma mulher chamada Valéria, que chegou a preencher um cadastro para a negociação. Duas das bolsas eram falsas, segundo Ferrero.
Ferrero negou que o Cansei Vendi tenha colocado as peças à venda. Afirmou à piauí que as imagens das bolsas falsas foram utilizadas no site para ensinar as pessoas a distinguirem entre produtos copiados e originais. Ressaltou que a Cansei Vendi tem um rigoroso processo de autenticação e disse que, se a reportagem citasse o nome da empresa, “iria acionar o Jurídico”. Assim como os seus concorrentes, a Cansei Vendi não exige que as pessoas que colocam algum produto à venda no site apresentem a nota fiscal.
Peguei Bode, outro site especializado em produtos de luxo de segunda mão, diz submeter cada item à venda a um criterioso processo de autenticidade. “Usamos a Entrupy, uma máquina de autenticação. A partir de fotos dos produtos feitas por essa máquina, a Entrupy gera um certificado”, explica Gabriela Carvalho, proprietária, com sua irmã Daniela, do site fundado em 2011. As grandes marcas de luxo, porém, não reconhecem os laudos da Entrupy. Para a Chanel, a lvmh (dona da Louis Vuitton e Christian Dior, entre outras marcas) e o grupo Kering (dono da Yves Saint Laurent e Gucci, entre outras), a única prova de autenticidade é a nota fiscal – prova de que as pessoas não dispõem quando ganharam o produto de presente ou herdaram de algum familiar. Desde 2020, a Louis Vuitton coloca um chip (não visível ao consumidor) no forro das bolsas e carteiras com dados da fabricação, por meio do qual se pode conferir a autenticidade.
“Infelizmente, as redes sociais se tornaram um canal principal para anunciar a venda de produtos falsificados”, diz Candice Li-Uzoigwe, vice-presidente da Coalização International Anticontrafação (IACC, na sigla em inglês), principal entidade americana de combate à pirataria. Há quem anuncie nas redes de forma secreta e há quem o faça de maneira descarada, pagando para impulsionar seus anúncios. “Os falsificadores são motivados a produzir produtos populares e passá-los como itens autênticos”, explica Li-Uzoigwe.
Em setembro de 2019, Gregory Kessey e outros influenciadores foram denunciados como anunciantes de produtos falsos por Fellipe Escudero, um youtuber especializado em moda. Kessey diz que nunca cobrou para divulgar produtos falsos: as lojas davam as roupas a ele, que em troca falava delas – no mundo das redes sociais, essa prática se chama “parceria”. Ele pediu desculpas aos seus milhões de seguidores, mas desde 2021 deixou de postar em sua conta no Instagram (hoje com 4,6 milhões de seguidores). Agora, ele é agenciador de outros influenciadores e afirma que os oitenta nomes com os quais trabalha atualmente só falam em suas contas sobre produtos autênticos. “Hoje fazemos publicidade mesmo, o que nos traz retorno financeiro e permite comprar as marcas originais”, diz.
Oestilista americano Marc Jacobs afirmou certa vez que se sentia lisonjeado ao ver uma cópia de suas roupas no mercado paralelo. Para ele, isso seria a prova de que seu design caiu nas graças do público. A tolerância de Jacobs, porém, não é compartilhada pelos grandes conglomerados de moda, que investem pesado para tentar conter a comercialização de falsificados.
O advogado Rodrigo Gianni Carney – cuja carteira de clientes inclui Chanel, Louis Vuitton, Dior, Nike, Puma e Lacoste – explica que essa luta se dá no Brasil em diferentes frentes, começando com as denúncias feitas a várias instâncias, da Polícia Civil à Receita Federal. A fiscalização nos portos também é essencial. Ele conta que já houve casos em que a nota fiscal do contêiner recém-chegado em um porto indicava estar carregado de pregos e ferraduras, quando, na verdade, continha centenas de bolsas fakes de alguma marca famosa.
Uma das ações conduzidas por Carney é da Louis Vuitton contra o Shopping 25 de Março, em São Paulo, onde produtos falsificados também são vendidos, mas em geral de qualidade inferior. Na ação, ainda em curso, a Louis Vuitton pede que a administradora do shopping seja multada em 100 mil reais por dia caso permita que algum lojista coloque à venda peças falsificadas da grife.
No Shopping Veneza, a operação mais recente da Receita Federal ocorreu em março de 2023, quando foram apreendidas mercadorias ilícitas no valor de 10 milhões de reais. A operação no Monti Mare aconteceu em novembro de 2023: cerca de 20 milhões de reais em produtos falsos. No dia 9 de abril passado, 10 toneladas de peças falsas, de bolsas a tênis, foram interceptadas pela Receita em um galpão da Zona Sul de São Paulo. “A investigação dessa operação se deu pelas redes sociais”, conta o auditor fiscal Alan Towersey. A sua equipe analisou postagens no Instagram e no TikTok que ofereciam as mercadorias. “O galpão não vendia para o consumidor final, funcionava como uma distribuidora”, diz ele.
Procurada pela piauí, a assessoria do TikTok, a exemplo de Meta, disse o de sempre: que tem “políticas claras” contra produtos falsificados. “Se um produto for encontrado em violação dos direitos de propriedade intelectual, incluindo os produtos falsificados, nós o removemos e penalizamos o vendedor”, afirmou. “Além disso, encorajamos toda a nossa comunidade, e também as marcas, a relatarem casos suspeitos de falsificações ou violações de propriedade intelectual.”
Suspeita-se que as superfakes sejam produzidas na cidade de Guangzhou, onde fabricantes compram as peças originais para fazer cópias idênticas e chegam até a contratar ex-funcionários das grandes marcas para orientarem a produção das falsificações. “Boa parte dessas peças desembarcam no Uruguai e entram no Brasil via terrestre para serem vendidas sobretudo em São Paulo”, afirma Towersey, o auditor.
O Brasil também dispõe de alguns centros de manufatura de cópias, segundo ele. Tênis são falsificados em Nova Serrana, em Minas Gerais, e em Franca, no interior de São Paulo. Boa parte da produção de bijuterias fakes sai da cidade paulista de Limeira. Apucarana, no Paraná, concentra cópias de vestuário, inclusive moda esportiva. São copiadas não apenas as criações de grifes estrangeiras, mas também de brasileiras, como Osklen, Dudalina e Aramis. Para o auditor Towersey, que fez a investigação a partir das redes sociais, a pirataria prospera no Brasil porque é socialmente aceita em todas as classes sociais, inclusive nas mais altas. “A senhora menos favorecida que busca uma roupa para seu neto não está preocupada com a marca, e sim com o preço da mercadoria”, afirma. “Não é o caso de quem compra bolsa de grife falsa na Avenida Paulista.”
O poder público, por sua vez, investe pouco para enfrentar as falsificações. Na Receita Federal, a equipe incumbida de combater toda sorte de pirataria (de roupas a computadores, de celulares a cigarros) em São Paulo tem vinte auditores. Com tão pouca gente, precisa escolher qual das várias frentes será seu foco: em geral, a equipe leva em conta principalmente a quantidade do que será apreendido, os riscos que o produto representa para a saúde pública (como no caso do cigarro eletrônico) e até o descaso dos contraventores com relação às autoridades. “O fato de uma galeria com esses produtos funcionar a portas abertas em plena Avenida Paulista é levado em consideração”, diz Towersey.
Os produtos apreendidos vão para um depósito da Receita Federal, onde permanecem até o caso ser julgado. Há diferentes desfechos para os objetos: a destruição completa, a descaracterização (quando os itens têm a logomarca removida e, depois, são doados) ou o reaproveitamento parcial (os solados de calçados, por exemplo, podem servir de matéria-prima para tatames de ginástica).
Além da falsificação e da difusão na internet, as marcas de luxo lidam agora com outro desafio: o deboche da chamada geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2010). Essa geração é adepta das redes sociais e de modismos, mas não apenas gosta de comprar produto falsos, como não esconde – até divulga – o modo de aquisição. No TikTok, há inúmeros vídeos de jovens mostrando as novas peças falsas que compraram online. De acordo com uma pesquisa feita em 2022 pelo Observatório Europeu das Infrações aos Direitos de Propriedade Intelectual (Euipo, na sigla em inglês), 37% dos integrantes da geração Z nos Estados Unidos declararam ter a intenção de comprar itens de luxo fakes.
A influenciadora Camila Coutinho, que atua há quase vinte anos na internet, quando nem havia Instagram ou TikTok, diz que os adolescentes estão cada vez mais ligados ao TikTok, onde são apresentados a uma vida que nunca terão por meio do trabalho convencional. “São jovens que têm acesso a informações da cultura pop e de celebridades, com uma realidade muito diferente da deles e uma discrepância social que só aumenta. Então, essa aceitação do fake passa a existir, porque essas pessoas concordam que nunca poderão comprar o original”, diz ela.
A conselheira de sustentabilidade da onu, Caterina Occhio, alerta para as consequências nefastas dessa tendência. “O fenômeno dos jovens abraçarem produtos falsificados e exibi-los nas redes sociais contribui para vários problemas ambientais. A tendência não só aumenta a produção desses itens, mas também promove uma cultura de descartabilidade”, diz ela. “As fábricas que produzem artigos falsos normalmente não aderem a diretrizes ambientais rigorosas nem respeitam os direitos dos trabalhadores, o que conduz a um aumento da poluição, do desperdício e da violação dos direitos humanos.”
O próprio mercado de luxo está vascolejante. Vive uma reviravolta sem precedentes, crescendo em um ritmo extraordinário, apesar da expansão acelerada das cópias falsificadas. Atualmente, o grupo lvmh disputa com a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic – o produto para diabetes tipo 2 que tem sido usado para emagrecimento –, o título de empresa mais valiosa da Europa. O presidente da lvmh, Bernard Arnault, é o segundo homem mais rico do mundo, superado apenas pelo empresário Elon Musk.
O mundo da moda reúne conglomerados cada vez mais potentes. No ano passado, a lvmh obteve lucro líquido de 15,2 bilhões de euros (cerca de 88 bilhões de reais) e seu valor de mercado está estimado hoje em 500 bilhões de euros (quase 3 trilhões de reais). A Chanel, cujo controle acionário está nas mãos dos irmãos Alain e Gérard Wertheimer, obteve lucro de 19,7 bilhões de dólares (cerca de 106 bilhões de reais) em 2023, um aumento de 16% em relação ao ano anterior. O grupo italiano Prada, por sua vez, lucrou 4,7 bilhões de euros no ano passado, um aumento de 13% em relação a 2022.
Com tanto crescimento, será que as grifes de luxo se importam de fato com as falsificações, que parecem não interferir em suas vendas? Em 2020, durante o desfile de sua coleção outono-inverno, a Gucci estampou a palavra fake em uma das bolsas da grife apresentadas. Pareceu uma sátira à invasão das falsificações e ao apego das próprias marcas aos seus produtos originais. Para Occhio, a conselheira ambiental da ONU, entretanto, uma consequência dessa exibição é normalizar a existência de produtos falsificados e incentivar mais pessoas a comprarem esse tipo de mercadoria.
“A massificação das peças pode tornar o objeto de luxo menos desejado para o público muito rico”, adverte Carlos Ferreirinha, consultor de marcas e fabricantes de moda. Ele explica que o motivo da ascensão econômica das marcas de luxo são as estratégias agressivas de marketing que elas montaram e as associações feitas com celebridades que ditam a moda – o que levou com que as grifes, embora destinadas a um público endinheirado, virassem parte da cultura pop. “Hoje ninguém quer saber com quem a realeza de Mônaco se relaciona, mas quais são as bolsas e roupas usadas por Beyoncé e Kim Kardashian”, diz o consultor. “As culturas antes vistas como marginais, como o hip-hop, se tornaram mainstream e incorporaram o luxo como parte de sua forma de comunicação. Chegam a usar o nome de marcas nas letras de suas músi cas. E, claro, as redes sociais e o fenômeno das influenciadoras fizeram o luxo se disseminar mais ainda.”
Além disso, os conglomerados de moda não dormem no ponto quando se trata de açular o desejo de consumo. Abrem lojas sazonais com peças exclusivas em pontos estratégicos, como na badalada Ilha de Capri, na Itália, durante o verão, ou na comuna suíça de St. Moritz, no inverno. Dona de uma agência de turismo de luxo em São Paulo, a paulistana Jacque Dallal tem uma clientela muito rica que, apesar de poder ir para onde quiser sem se preocupar com o bolso, têm preferido se inspirar em roteiros postados por influenciadoras. “Com as redes sociais, estamos vivendo um momento em que as pessoas buscam desesperadamente pertencer e fazer parte”, diz Dallal, que é formada em psicologia. “Elas querem viver a vida de seus ídolos-influenciadores.”
Em decorrência da demanda crescente por produtos de luxo depois da pandemia, algumas empresas decidiram pegar pesado no aumento dos seus preços. De acordo com a consultoria Bernstein Research, a Louis Vuitton subiu em até 25%. A Chanel acrescentou em média 3 mil dólares ao que cobrava em todas as suas bolsas. Marcas antes consideradas de “luxo acessível”, como Loewe e Carolina Herrera, deram uma guinada em seu posicionamento de mercado e passaram a investir em clientes muito ricos.
Nenhuma surpresa. “O luxo precisa gerar escassez e necessidade”, explica o professor de moda João Braga, da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. Mas muita coisa mudou desde o início do século XX até hoje. Antes, as grifes francesas buscavam a todo custo diferenciar seus produtos e restringir o acesso às suas peças, ainda que fossem constantemente copiadas. “O Yves Saint Laurent, por exemplo, não permitia brasileiros em seus desfiles, pois tínhamos fama de copiadores”, conta Braga.
Hoje, na era das redes sociais, acontece o contrário. Quase todas as grifes transmitem os desfiles ao vivo pela internet, e depois disponibilizam fotos em alta resolução de suas criações – que podem assim, caso alguém queira, ser copiadas em seus mínimos detalhes. As grifes se defendem das imitações inevitáveis criando constantemente novos produtos, em um looping incansável. “É o mesmo caráter da fagocitose, quando a célula se alimenta de um resíduo, gera energia e depois o descarta como forma de sobrevivência”, compara Braga. “A moda lança uma tendência e, na coleção seguinte, cria algo bem diferente para matar aquilo que criou antes e assim manter a sua predominância e relevância.” É um tipo de obsolescência programada.
Para ele, duas tendências têm estimulado a disseminação de produtos falsificados. Uma é a cultura da ostentação, tal como se dá principalmente nas redes sociais. Outra é adoção do que ele chama de comportamento hi-low (alto-baixo), ou seja, que estimula a combinação de peças de luxo com produtos acessíveis. “Antes, por exemplo, esse conceito consistia em usar uma regata Hering com um calçado Christian Louboutin, aquele do solado vermelho. Hoje é possível também usar peças falsas com outras verdadeiras”, diz Braga.
O próprio professor conta que já foi vítima do fake, num golpe aplicado por um dos tipos mais ardilosos de trapaceiros: a socialite. Depois de fazer uma palestra para várias senhoras e senhoritas ricas em São Paulo, recebeu de presente da anfitriã uma caneta da marca alemã Montblanc, dentro da caixa e com a sacola da loja. Tempos depois, a tampa quebrou, e Braga foi até a loja da marca nos Jardins para trocar a peça. A vendedora foi taxativa: “É falsa.” O professor chegou em casa e jogou a caneta no lixo.
No início da década de 1980, o então presidente da Hermès, Jean-Louis Dumas, viajava ao lado da cantora e atriz Jane Birkin e notou objetos caindo da bolsa que ela usava. Dumas prometeu criar uma peça mais prática – à qual deu o nome de Birkin, quando o produto foi lançado, em 1984. A bolsa virou coqueluche entre as mulheres ricas, tanto mais que está sempre em falta nas lojas, o que atiça ainda mais o apetite das consumidoras.
Em meados de junho, apesar de cobrar 90 mil reais por uma Birkin de couro, a loja da Hermès no Shopping Iguatemi, em São Paulo, não tinha nenhuma disponível. E, mesmo que tivesse, não é todo mundo que pode levar uma para casa, mesmo tendo saldo na conta bancária. Antes da aquisição, a Hermès exige que a cliente desenvolva uma “relação” com a grife de longa duração, ou seja, compre bastante e muitas vezes – até ser merecedora de uma Birkin.
Cinthya Marques, casada com João Adibe Marques, sócio da farmacêutica Cimed, gosta de postar sua rotina nas redes: publica fotos de suas viagens no jato privado e das visitas a ateliês de alta-costura em Paris. No Brasil, é uma das maiores compradoras de produtos de luxo. Mesmo assim, só conseguiu comprar sua Birkin preta, de couro de crocodilo, que custa 490 mil reais, depois de ficar quase quatro anos na fila da Hermès. Touché!
Dona de diversas Birkins, que a aguardam no closet de seus apartamentos em Londres e São Paulo, Rosy Verdi, acionista do grupo Rodobens – do setor automotivo, imobiliário e financeiro –, explica que sabe distinguir as originais das falsas. Mas não de bate-pronto. “No caso da Birkin, as falsas são levemente mais bojudas em baixo. Mas a questão fica mais evidente com o tempo de uso. As ferragens das peças falsas riscam e ganham uma cor avermelhada. Quem conhece, sabe a procedência.”
Verdi diz que as lojas Hermès têm um cadastro único da clientela em todo o mundo. “Não adianta, para comprar uma bolsa, entrar na fila de uma loja de Londres, outra fila em Paris e mais outra em Fort Lauderdale: eles puxam o nosso histórico.” Ela recorda que, há cinco anos, a grife francesa Jacquemus lançou uma bolsa tão pequena que não comportava nem mesmo um celular. Foi um sucesso, e a concorrência resolveu trilhar o mesmo caminho, inclusive a Hermès. “Então, hoje, o apelo está nas versões em miniatura. Tenho uma Birkin grande, na cor laranja, que não tiro do armário há uns três anos.”
A consultora de etiqueta Fátima Scarpa, de uma das famílias tradicionais de São Paulo, tem uma visão crítica sobre a proliferação de bolsas Birkin – originais ou falsas. “Bem, falsa eu jamais teria. Mas jamais compraria uma verdadeira também. Essas meninas chegam no cabeleireiro, botam a Birkin em cima da bancada e acham que estão abafando, mas sequer cumprimentam a manicure”, diz ela. “A bolsa não diz nada. O dinheiro compra tudo, menos a classe.” Scarpa tem uma bolsa modelo Kelly, também da Hermès, que ganhou de uma amiga, mas acha que desfilar com uma Birkin hoje pesa contra. “Todo mundo tem cópias, então a mulher não se destaca e mostra que quer aprovação. As bolsas brasileiras da Misci, Serpui e Egrey são muito mais interessantes.”
Por causa da estratégia comercial da Hermès de sugerir primeiro o consumo de outros produtos para só depois o cliente adquirir o direito de adquirir uma Birkin, os californianos Tina Cavalleri e Mark Glinoga entraram no começo deste ano com uma ação judicial contra a grife em São Francisco. Eles alegaram que a Hermès descumpre as leis antitruste dos Estados Unidos. Cavalleri e Glinoga disseram ter desembolsado “dezenas de milhares de dólares” enquanto esperavam por sua Birkin.
Na Lili Bolsas, a loja do Shopping Veneza, o processo é mais rápido, sem os excruciantes anos de espera. Numa troca de mensagens por WhatsApp, a vendedora informa que acabaram de chegar – e estão lá, fresquinhas e disponíveis – mais três bolsas Hermès, todas elas superfakes. A Kelly mini na cor cinza e a Birkin média na cor marrom estão saindo por 9,5 mil reais, cada. “Ou 9,8 mil para fazer em dez vezes.” Pechincha.
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