Dólar alto no governo Lula: razões e impactos de uma política cambial passiva
A consequência disso é a redução do crescimento econômico e o aumento da desigualdade no país
Bruno Mader Lins e Eduardo Mantoan/Le Monde Diplomatique
Essa desvalorização acentuada intensifica as pressões inflacionárias, em um fenômeno conhecido como pass-through. Isso ocorre devido à relevância das importações e exportações de bens intermediários e finais na economia brasileira, o que gera o repasse da valorização do dólar para os preços domésticos, dificultando o cumprimento da meta de inflação.
O Banco Central (BC), no entanto, optou por não intervir de forma significativa no câmbio, priorizando a elevação da Selic como principal ferramenta de combate à inflação. Essa postura consolidou o Brasil como o terceiro país com a maior taxa de juro real do mundo, atrás apenas da Turquia e da Rússia.
A Passividade do Banco Central no Câmbio
Como demonstrado no gráfico, a partir de 2023, o BC reduziu drasticamente sua intervenção no mercado cambial. Diferentemente de episódios anteriores, quando as desvalorizações cambiais levaram a intervenções robustas, 2024 foi marcado pela ausência de ações relevantes, com raros saldos líquidos positivos de Swaps e intervenções pontuais no mercado à vista.
Esse comportamento reforça um dilema: ao sinalizar que não atuaria para suavizar o ciclo, as expectativas dos agentes se deterioraram, agravando ainda mais a saída de capitais e, consequentemente, a inflação decorrente desse processo, à medida que os agentes buscavam se proteger do risco de desvalorizações mais acentuadas.
Decisões Técnicas ou Políticas?
A escolha do BC em priorizar juros elevados beneficia o capital financeiro-rentista em detrimento de trabalhadores e empresários.
Ao abdicar de intervenções no câmbio, a atual gestão assume, num primeiro momento, uma inflação mais alta, o que reduz o poder de compra dos trabalhadores e impacta negativamente as vendas dos empresários.
Posteriormente, para combater essa inflação, considera-se aceitável posicionar o Brasil entre os países com as maiores taxas de juros reais do mundo, o que onera ainda mais os últimos dois grupos, que enfrentam maiores custos de crédito para o consumo e investimento, respectivamente.
Ou seja, da aceitação da inflação via câmbio ao seu combate por meio da elevação da Selic, trabalhadores e empresários são prejudicados duplamente, enquanto os interesses do capital financeiro-rentista são privilegiados.
Custos Macroeconômicos
Essa atuação reforça a condição do Brasil como “paraíso da renda fixa”. Conforme o Prof. Carlos Alberto de Augustini (FGV) destaca, aplicações em renda fixa que acompanham a Selic acumularam retornos 11 vezes superiores à inflação nos últimos 30 anos, evidenciando o favorecimento do capital improdutivo.
Tudo isso ocorre à custa de uma crescente dívida pública: R$ 733,5 bilhões foram pagos em juros nos últimos 12 meses, enquanto, como mencionado acima, o consumo e o investimento são penalizados. A consequência é a redução do crescimento econômico e o aumento da desigualdade.
Uma Alternativa Possível
Uma política cambial ativa, coordenada com a política monetária, poderia suavizar os ciclos econômicos, reduzindo a dependência exclusiva da Selic e favorecendo o investimento na economia real.
Pode-se argumentar, inclusive, que o Brasil conta hoje com reservas internacionais robustas, que atingiram o maior patamar dos últimos cinco anos em setembro deste ano, indicando espaço para uma estratégia cambial mais assertiva.
Combinando controle de capitais e intervenções prudentes no câmbio, o Brasil poderia reduzir incertezas, estimular o crescimento econômico e promover um ciclo virtuoso de geração de renda e emprego.
Bruno Mader Lins é mestre em Política Econômica pela Universidade de Genebra e doutorando em economia pela UFRJ.
Eduardo Mantoan é pesquisador visitante na University of Leeds, doutorando em economia pela UFRJ e pesquisador do FINDE/UFF
Leia sobre mercado financeiro e fascismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/12/pressao-midiatica-rentista.html
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