De golpe em golpe
Nos últimos dias, uma alta significativa do dólar desperta acesos debates na opinião pública. Ataque especulativo ou descrença do mercado no pacote fiscal proposto pelo governo?
Walfrido Warde e Rafael Valim/Le Monde Diplomatique
A história brasileira é pródiga em golpes de Estado. A tomada ilegítima do poder é uma sombra permanente em nossa frágil democracia e irrompe de variadas maneiras, ora com coturnos e armas, ora com punhos de renda e mesóclises.
Os últimos anos não nos deixam mentir. Em 2016 assistimos a um golpe de Estado por vias institucionais, sem o uso da violência, de que resultou na destituição da presidenta Dilma Rousseff, ao passo que em 2022 testemunhamos a tentativa de um golpe de Estado “tradicional”, à moda latino-americana, com o emprego planejado da violência contra agentes do Estado e o aberto propósito de impedir a posse do atual presidente.
Vale recordar que a conspiração contra a presidenta Dilma Rousseff teve início em 2012, quando se anuncia uma política de enfrentamento dos altos juros praticados no país. Após meses consecutivos de queda, em abril de 2013 o juro voltou a subir, mas o destino da presidenta já estava selado. Reeleição conturbada, alta do dólar, “jornadas de junho” e a deflagração da Operação Lava Jato culminam na farsa de um impeachment sem crime de responsabilidade.
Em 27 de novembro de 2024, num contexto de crescimento projetado do PIB de 3,5% e taxa de desemprego de 6,4%, o ministro da Fazenda divulgou, em pronunciamento em rede nacional, medidas de ajuste fiscal e, em suas palavras, “a maior reforma de renda de nossa história”.
Não tardou a reação do mercado. Proliferaram análises sobre a “insuficiência”, o “equívoco” e a “frustação” do pacote concebido pelo governo, acompanhadas de um clamor generalizado por mais austeridade. Ao mesmo tempo, um Congresso hostil e voraz promove uma brutal investida contra o governo a fim de preservar a inadmissível apropriação do orçamento por meio das emendas parlamentares.
Nos últimos dias, uma alta significativa do dólar desperta acesos debates na opinião pública. Ataque especulativo ou descrença do mercado no pacote fiscal proposto pelo governo?
A resposta a essa pergunta passa, necessariamente, por outra singela, mas esquecida indagação: quem está apostando na subida do dólar, no mercado derivativo de dólar? Em outras palavras, quais são os agentes financeiros que estão investindo na apreciação da moeda estrangeira?
O Brasil precisa ter acesso a essa informação. Alguns estarão apenas defendendo a higidez dos seus ativos financeiros, outros especulando para ganhar uns trocados, os de sempre estarão atentando contra a democracia…
Walfrido Warde é advogado e doutor em Direito, é presidente do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE)
Rafael Valim é advogado e doutor em Direito, é diretor do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE)
Leia sobre as pressões do mercado sobre o governo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/editorial-do-vermelho_24.html
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