Políticas ambientais antagônicas entre China e EUA favorecem indústria chinesa
Foco de Trump em combustíveis fósseis e liderança chinesa em energias limpas devem contrastar suas indústrias e impor influência de Pequim em fóruns como a COP30
Cezar Xavier/Vermelho
Enquanto a China alcança marcos históricos no desenvolvimento de energias renováveis, os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, seguem em direção oposta, priorizando combustíveis fósseis e retirando incentivos para tecnologias sustentáveis. Esse contraste de políticas não apenas evidencia prioridades divergentes, mas também gera impactos profundos na competitividade industrial e no papel global de ambos os países.
O avanço verde da China
Em 2024, a China superou todas as expectativas ao registrar uma capacidade instalada de energia eólica e solar de 1,4 bilhão de quilowatts, um marco histórico que coloca o país 15% acima das metas estabelecidas para 2030 pelo presidente Xi Jinping. Este crescimento é sustentado por um planejamento estatal agressivo, que inclui a construção de grandes bases de energia renovável em regiões desérticas e o desenvolvimento de turbinas eólicas offshore, como a que recentemente quebrou recordes de geração de energia diária.
Dados divulgados pela Administração Nacional de Energia da China mostram que mais de 80% da nova capacidade instalada em 2024 foi de fontes renováveis, consolidando o país como líder global no setor. Além disso, a China produz 80% dos painéis solares do mundo, contribuindo para a redução global dos custos de energia limpa. Esse avanço reflete não apenas uma preocupação ambiental, mas também uma estratégia econômica, já que a transição para fontes de energia renováveis fortalece a competitividade chinesa em mercados globais emergentes, como o de veículos elétricos.
Conhecida como a fábrica do mundo, a China está entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo. Cerca de 81% de sua energia primária é proveniente de carvão, petróleo ou gás. Mas também é o país que tem aumentado mais rapidamente a capacidade de produção de energia a partir de fontes renováveis nos últimos anos.
O país está instalando mais capacidade de energia solar e eólica do que o resto do mundo combinado e investiu mais de US$ 50 bilhões (R$ 303 bilhões) nessa área de 2011 a 2022, de acordo com dados da AIE (Agência Internacional de Energia).
A retórica fóssil de Trump
Em contraste, os Estados Unidos sob Donald Trump têm reforçado sua dependência de combustíveis fósseis. O presidente reiterou a retirada do país do Acordo de Paris, argumentando que o pacto impõe “perdas econômicas” aos EUA enquanto beneficia a China. Em linha com essa visão, Trump cortou incentivos para veículos elétricos e impôs tarifas sobre materiais de bateria importados, numa tentativa de fortalecer a indústria doméstica baseada em combustíveis fósseis.
Essas medidas, embora alinhadas com interesses de curto prazo das indústrias de petróleo, gás e carvão, arriscam enfraquecer a posição competitiva dos EUA em tecnologias de energia limpa. Segundo Pedro Luiz Côrtes, professor da USP, a decisão reflete uma postura que favorece interesses imediatos, mas compromete o futuro industrial do país. “Sem investimentos em inovação, os EUA correm o risco de ficarem tecnologicamente atrasados em relação a países como a China e membros da União Europeia”, alerta em comentário à Rádio USP.
Apesar da dependência da China de combustíveis, em termos históricos, o primeiro lugar ainda fica com os EUA, responsáveis por 17% das emissões que contribuíram para a crise climática desde 1850 – a China emitiu 12%. No comparativo per capita, as emissões também são muito menores no país asiático: 8,73 toneladas na China contra 14,24 toneladas nos EUA em 2021.
Para Côrtes, a decisão de Trump reflete uma retórica alinhada a interesses da indústria de petróleo, gás e carvão, setores que desempenharam papel crucial em sua campanha política. A retirada do acordo reforça a dependência americana de combustíveis fósseis, enquanto outros países desenvolvem soluções sustentáveis. A China, por exemplo, percebeu que os veículos elétricos representavam uma oportunidade de liderar o mercado automobilístico e reduzir suas próprias emissões, conforme enfatiza o professor.
Impactos para as Indústrias
O antagonismo entre as políticas ambientais dos dois países se reflete diretamente em suas indústrias. A China, ao apostar em energias renováveis, posiciona-se como líder na fabricação de tecnologias verdes, atraindo investimentos globais e reduzindo sua dependência de combustíveis fósseis. Em contrapartida, a indústria americana enfrenta desafios para competir em mercados estratégicos como o de veículos elétricos e infraestrutura sustentável, especialmente sem os subsídios necessários para impulsionar inovações.
Além disso, a postura de Trump gera preocupações com a credibilidade dos EUA em negociações climáticas multilaterais e compromete esforços globais de combate à crise climática. Em um mundo onde a transição energética é cada vez mais urgente, a falta de alinhamento com tendências globais pode isolar os EUA, enquanto a China se consolida como um ator indispensável na agenda climática.
A saída do Acordo também pode impactar a representatividade da COP30, que será realizada no Brasil. Segundo o professor, embora a ausência dos EUA seja preocupante, a importância da Amazônia como bioma global deve atrair um número significativo de países e delegações. “O desafio será garantir a presença de chefes de Estado, especialmente da China, que tem investido fortemente em tecnologias de transição energética”, afirmou.
O futuro da competitividade global
Pequim já superou algumas de suas metas de energia verde. A energia não fóssil, como a solar e a eólica, já representa mais da metade da capacidade total da China – meta anteriormente prevista só para 2025. Até lá, a nação asiática deverá dobrar sua capacidade solar e eólica, ultrapassando sua meta cinco anos antes do previsto, de acordo com um relatório da ONG Global Energy Monitor, sediada em São Francisco (EUA).
Enquanto Pequim já atinge metas antes do prazo, os EUA sob Trump parecem seguir na contramão da transição energética global. A resistência de estados como a Califórnia (e outros 15 estados democratas) demonstra que há movimentos internos alinhados com as demandas por sustentabilidade, mas as ações federais comprometem o progresso geral do país.
A longo prazo, a dependência de combustíveis fósseis pode trazer desvantagens econômicas e tecnológicas para os EUA, enquanto a China colhe os frutos de suas políticas visionárias.
[Foto: Marco do horizonte de Shanghai Bund, usina de painéis solares renováveis de energia ecológica]
Leia também: Emergência climática impacta modelo de desenvolvimento https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/capitalismo-crise-climatica.html
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